O conceito de governança corporativa pode ser definido como um conjunto de práticas que visam alinhar os objetivos da administração de uma companhia aos interesses dos seus acionistas. Em outras palavras, é um guia de como uma empresa deve se comportar. No entanto, como investidores, temos de tomar cuidado com a gestão das empresas em que investimos e, sendo assim, eu não poderia deixar de abordar esse assunto.
Em países desenvolvidos, como Estados Unidos e os da Europa, as empresas já se adaptaram a essas exigências e atendem as expectativas de seus acionistas. No entanto, em companhias ainda não totalmente desenvolvidas, como as de mercados emergentes, esse tema deve ser tratado como um ponto de atenção para investidor.
É claro que, à medida em que o tempo passa, a governança corporativa dessas empresas tende a evoluir e seguir o padrão estabelecido hoje pelos países mais ricos. Atualmente, temos diversas empresas de emergentes com governança corporativa de qualidade, e a tendência é que todas sigam por esse caminho em poucos anos.
Abordarei neste texto dois possíveis problemas de governança que podem vir a ser enfrentados por investidores. O primeiro deles é a estrutura dos acionistas. Uma das características de empresas não-desenvolvidas é que as famílias ainda possuem um grande e importante papel no controle dos negócios. Grande parte das empresas abertas e listadas ainda são majoritariamente controladas, inclusive, pelas famílias fundadoras.
Esse problema se intensifica quando analisamos a cultura asiática, por exemplo, e descobrimos que a sucessão é considerada nela um tabu. Abordar este tema é considerado um sinal de ganância e extremamente desrespeitoso, fazendo com que seja muito pouco abordado, discutido e planejado. Um famoso provérbio chinês resume essa questão: “A riqueza não dura mais do que três gerações”.
Uma pesquisa denominada “Succession: The Roles of Specialized Assets and Transfer Costs” estudou 217 casos de sucessão em Hong Kong, Taiwan e Singapura, e concluiu que a grande maioria de episódios de sucessão estão diretamente ligados a destruição de valor.
Não estou afirmando que empresas tocadas por familiares sejam piores do que empresas independentes. Muito pelo o contrário, há diversos casos em que esse fator foi o principal driver para o sucesso da empresa.
Empresas como a M. Dias Branco (SA:MDIA3), a Arezzo (SA:ARZZ3) e a Hapvida (SA:HAPV3) são exemplos de como a gestão familiar pode gerar muito valor para seus acionistas. O conhecimento sobre o negócio, o carinho especial por aquilo que construíram e o alinhamento de interesses podem beneficiar e muito os investidores.
Acontece que quando há um grande acionista majoritário capaz de influenciar toda a operação, seja ele familiar ou não, é necessário tomar um tempo extra e desempenhar um esforço maior para estudá-lo, descobrir seu histórico de performance, relação com minoritários no passado e o know-how sobre a indústria e o setor em que atua.
Mas a tendência é que isso mude. Se analisarmos a história das empresas americanas e europeias, a grande maioria começou controlada pelos familiares e isso mudou à medida que o negócio se desenvolveu e profissionalizou. Com o tempo, as famílias passaram de controladores para investidores, delegando a tarefa de gerenciar as operações para profissionais.
O segundo problema que afeta a qualidade da governança corporativa das empresas é o risco político. O tamanho e a influência do Estado em diversos países fazem com que esse seja o maior investidor e controlador de diversas empresas, o que pode ocasionar conflito de interesses entre o governo e os acionistas.
Isso não significa que, necessariamente, empresas controladas pelo Estado sejam ruins. No entanto, muitas vezes, o Estado possui um dilema e deve optar entre preocupações nacionais ou retorno para os acionistas. Nesses casos, há conflitos de interesse que podem interferir na gestão da companhia e fazer com que grande parte das decisões não sejam guiadas para obter lucros, mas para entregar um produto ou serviço barato para a população, à custa dos resultados e margens da empresa.
Sendo assim, um investidor inteligente deve se atentar e analisar com cuidado a qualidade da governança corporativa da empresa em que deseja investir. Uma companhia com um excelente modelo de negócios, mas com uma péssima governança corporativa, está fadada à destruição de valor.