A boca pequena
Dias atrás comentei aqui que certo banco gringo foi alvo de uma saraivada de críticas e retaliações por parte de um governo asiático logo após mudar sua recomendação para os ativos do país para o famigerado “underweight” — que, no popular, se traduz “venda”.
Passadas duas semanas do incidente, a opinião foi revista: agora estão “neutros”, amparados por uma percepção melhor dos fundamentos. Desnecessário dizer que o ministro das finanças comemorou o súbito chamamento à razão por parte do analista, não é mesmo?
Não é novidade que o sell side reluta em emitir opinião negativa sobre qualquer coisa. Não por acaso, recomendações de “manutenção” ou “neutro” sempre são vistas por quem está no mercado há mais carnavais como um potencial “venda” dito a boca pequena.
O fenômeno é global, e seus motivos são velhos e estruturais: pesa contra a independência do trabalho de análise o risco de a instituição perder negócios com o alvo da recomendação. S abe como é: o investment banking tem que faturar e, se o analista falar mal da empresa, o CEO não vai naquele evento bacana em Cancun.
Não foi fruto do acaso o ensurdecedor silêncio do mercado com relação aos rumos do Brasil às vésperas da última eleição presidencial. À exceção, evidentemente, de uma certa consultoria independente por aí.
Sempre bom ter isso em mente — principalmente na hipótese de se concretizar a retomada dos IPOs por aqui.
Eu tenho um sonho
O dia é de liquidez global reduzida, por força do feriado nos Estados Unidos. No front europeu, incertezas e expectativas à véspera de Theresa May revelar os próximos passos do Reino Unido no processo do Brexit chamam atenção.
Por aqui, bolsa em leve alta com certa predominância de commodities na ponta positiva. Juros em leve queda ao longo de toda a curva — falo mais a respeito logo a seguir.
No feriado de Martin Luther King, lhes digo que eu também tenho um sonho.
Sonho com um futuro no qual o pequeno investidor brasileiro não seja feito de bobo por bancos; onde ninguém compre título de capitalização nem aplique em fundo DI com 5 por cento de taxa de administração; um mundo no qual vender VGBL para uma viúva de 75 anos seja crime inafiançável e o investidor tenha consciência de que operar day-trade de futuros com alavancagem é um jogo viciado em favor das corretoras.
Muito já se faz, mas muito ainda há por fazer.
Virou consenso
O consenso de mercado enfim se rendeu: expectativa de Selic para o fechamento do ano está em 9,75 — juro de um dígito. E dessa vez, ao contrário do que vimos em 2013, não foi “no grito”. Viva o Novo Brasil.
A próxima briga é pelo PIB. Menores custos de financiamento são ótima notícia, mas ainda melhor será a retomada da atividade: empresas produzindo mais, vendendo mais e lucrando mais — e, com a base deprimida que aí temos, não serão raras aquelas manchetes do tipo “lucro da empresa tal cresce 580 por cento”.
Você já se posicionou para isso?
Eu quero agora, não amanhã
Todo mundo fica feliz com boas perspectivas de longo prazo — mas se tiver como ganhar dinheiro hoje, melhor ainda.
Salvo raras exceções, o pequeno investidor é curto-prazista. A despeito de ser amplamente sabido que os casos de maior sucesso na história do mundo dos investimentos são fruto de estratégias profundamente entediantes, é da natureza humana (e fenômeno muito bem estudado) buscar recompensas imediatas.
Não me entenda mal: isto não se trata de uma manifesto contra o trading. Oportunidades selecionadas podem (e, para alguns, devem) ser aproveitadas. Mas como estratégia que visa gerar retorno adicional a um portfólio bem estruturado, não em substituição a ela.
Em outras palavras: tenha uma carteira de investimentos bem montada e, se assim desejar, destine uma parcela minoritária do seu capital a apostas com chances de retorno mais imediato.
E, se assim fizer, faça bem feito: trading é coisa séria; requer disciplina e sangue frio — que o diga o Sérgio, nosso Serious Trader.
Põe três mil em cada
A bolsa chinesa de Shenzhen (resista a ler “xên-zên”: está mais para “xân-djân”) chegou a cair mais de 6 por cento durante o último pregão. Shangai (“xên-rái”, não “xân-gái”), por sua vez, chegou a ver queda superior a 2 pontos percentuais.
Ambas tiveram a má performance atenuada no final das respectivas sessões, supostamente em função de compras disparadas por fundos ligados ao governo. Pode ser anedota, mas só o fato de a possibilidade ser cogitada já é sintomático.
Circula que o motivo da queda seria a perspectiva de aceleração do ritmo de IPOs por lá: há quem acredite que faltará liquidez para tanta oferta. As operações são populares por lá, diante da perspectiva de fazer uma graninha rápida: qualquer semelhança com o Brasil de 2007, no qual o pequeno investidor colocava 3 mil reais em qualquer oferta (sério, nem precisava dizer o que a empresa fazia…) e vendia na estréia.
Foram 45 as mais recentes operações no mercado chinês — no último ano? Não: em dezembro. Não há quem me convença de que isso é comportamento normal de mercado.