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Educação Financeira Crítica: A Quem Interessa a Assimetria de Informação?

Publicado 16.07.2020, 16:36

Creio já ter comentado aqui sobre assimetria de informação, mas nunca é demais insistir nesse ponto, em especial quando se trata de preservar o capital que, a duras penas, brasileiros/as conseguem acumular. De uma forma muito simples, a assimetria de informação ocorre quando uma das partes de uma negociação tem mais informações do que a outra, o que configura uma vantagem estratégica porque o preço, nesse caso, deixa de refletir o valor “real” de um produto ou serviço.
 
Não é difícil imaginar um cenário onde isso acontece. No início da popularização do acesso ao computador aqui no Brasil, era muito comum que técnicos/as de informática, se aproveitando da falta de conhecimento de seus/as clientes, cobrassem por serviços que não eram necessários para a manutenção. Quando bastava uma simples mudança de configuração ou algo do tipo, rodavam testes de memória, desfragmentadores de HD, varreduras de antivírus, toda sorte de ferramenta gastar mais tempo buscando a “solução” para o problema e cobrar mais pelo trabalho.
           
Felizmente, o próprio mercado (eventualmente) selecionou aqueles/as profissionais e empresas que não atendiam a padrões mínimos de ética profissional. Esse movimento, contudo, partiu menos das próprias pessoas e muito mais do próprio setor, com um amplo trabalho de conscientização de seus clientes, para que ficassem atentos a possíveis abusos de preço e de privacidade. Isso, em larga medida, significava eliminar a assimetria de informação para que uma concorrência justa fosse estabelecida, algo que favorecesse todas as partes envolvidas.
           
Infelizmente, nem sempre é isso que acontece. Me refiro aqui ao mercado financeiro brasileiro, que já vem crescendo em ritmo acelerado há alguns anos e que em 2019 se consolidou bastante no imaginário nacional. Por um lado, em decorrência dos sucessivos cortes na taxa básica de juros (Selic), que obrigaram investidores/as a ampliar sua exposição em renda variável para manter a mesma taxa de retorno; por outro lado, graças a alta valorização da bolsa e o medo de “ficar de fora” dessa oportunidade.
           
Entretanto, nada disso teria despertado o interesse maciço da população sobre a importância do planejamento financeiro se não fossem os departamentos de marketing de corretoras, casas de análise, bancos, startups, enfim. Como em tantos outros campos, anúncios se tornaram ao mesmo tempo mais pessoais, bem planejados e, para o bem ou para o mal, agressivos. Surgiu ainda a figura do/a influenciador/a de investimentos financeiros, uma espécie de celebridade do ramo e alguns casos, verdadeiros/as gurus da finança, do sucesso, da prosperidade imediata disponível a qualquer pessoa que “dê o primeiro passo” e compre um curso, relatoria, ação, etc.
           
Se por um lado, definitivamente, a mensagem de que investir é importante definitivamente foi passada com sucesso, muita coisa se deixou de dizer – muita coisa mesmo. Enquanto uma parte ganhava bastante dinheiro, das mais diferentes formas, muita gente se deu mal ou, pior, segue se dando mal sem nem ter ideia disso. Quando um mercado ainda está se formando, como no exemplo dos computadores que comentei acima, não apenas o terreno é mais fértil para oportunistas como fica mais difícil organizar quem acredita num modelo justo.
           
Isso é especialmente verdade no caso do mercado financeiro: não só é muito fácil ganhar em cima de um/a cliente ao se transferir o risco para essa parte, como é muito fácil ainda atrair as pessoas para esse tipo de cilada. Conforme abundam promessas irreais de ganho, quem oferece a realidade, bem menos colorida, em muitos casos é relegado/a às margens. Por enquanto, as vozes dissonantes no setor são poucas, mas muito boas. Outras tantas, que ainda não se manifestaram, devem se somar ao longo dos meses e anos.
           
Em todo caso, se pretendemos construir um mercado financeiro saudável no Brasil, não há como fazê-lo sem que haja um esforço coletivo contra a assimetria de informação, em especial considerando que atualmente os instrumentos financeiros são muitos e complexos, sem falar nos casos em que vários deles são reunidos em um único produto. Em comum, têm o fato de que a corretora – como no proverbial caso do cassino – sempre ganha. A questão é garantir que você ganhe junto.
           
O papel da educação financeira crítica

Quando alguém decide investir na educação financeira, imediatamente se vê diante de um problema: por onde começar? Como disse, os instrumentos são muitos e complexos. Só na renda fixa temos CDB, LCA, LCI, debêntures, títulos pré- e pós-fixados, atrelados à Selic ou inflação; fundos de crédito privado, público ou misto, com ou sem taxas de performance – sem falar na volatilidade, liquidez, maturação, índice de Sharpe, por aí vai. Com tanta informação, é fácil pensar que nenhuma informação importa ou que é melhor deixar que alguém decida por você.
           
Aquelas pessoas que eventualmente superam essa barreira inicial, muitas vezes acabam caindo numa outra armadilha: deixar que quem está disposto/a a decidir por você seja também quem te ensina sobre as vantagens e desvantagens do mercado. Me refiro aqui às lives, cursos e seminários, pagos ou gratuitos, oferecidos pelas próprias corretoras ou seus/as representantes. Contudo, quero deixar muito claro que não estou criticando quem ministra essas atividades e que há bastante conteúdo de alta qualidade, inclusive gratuito, sendo produzido e disponibilizado.
           
Como diz o ditado espanhol: se a barba do seu vizinho pegou fogo, deixe a sua de molho - seja ela real ou metafórica. Não há como não apontar para o evidente conflito, de que se a mesma instituição que te ensina sobre um produto é aquela que quer lhe vender um produto, precisamos ter um pouco de cautela. Por omissão voluntária ou involuntária, podem ficar de fora informações importantes que tem o poder de modificar a relação entre as partes e, como disse, nosso objetivo tem que ser eliminar essas assimetrias.
           
Independente do caso, isso demonstra a importância de uma educação financeira que não funcione simplesmente no sentido de explicar como funcionam certos instrumentos financeiros, mas que explique também as relações de poder, os interesses conflitantes, as estratégias maliciosas. Ao meu ver, trata-se de uma educação financeira crítica, pois vai justamente no sentido de revelar o sistema que existe por trás do mercado financeiro, para que investidores/as possam, por conta própria, defenderem seus interesses.
           
Essa educação financeira crítica, e aqueles/as que pretendem nela atuar, se guiaria pelos princípios de Paulo Freire para uma educação libertadora – que, independente da minoria barulhenta que o rechaça, é uma referência global no campo da pedagogia. Muito desse ensino viria, então, do ensinar a aprender e do ensinar a questionar não apenas a ponta do mercado financeiro – corretoras, bancos, etc. – mas a estrutura histórica no qual se apoia, sem se limitar a simples e conveniente reprodução das mesmas respostas, como se a economia fosse um campo de estudo recheado de consensos – o que definitivamente não é.
           
Um/a profissional desse tipo de ensino, por outro lado, teria o dever institucional de colocar o interesse de seus/as estudantes acima de qualquer outro, o que implica uma posição de constante tensão com as próprias corretoras, bancos, casas de análise e assessorias de investimento, cujo cálculo presume, necessariamente, manter o interesse da instituição acima (e quão acima é o que as diferencia) da maior parte de seus/as clientes. Dessa forma, a independência, ao fim e ao cabo, seria o ponto mais relevante: profissionais independentes formando investidores/as independentes.
           
Engana-se, contudo, quem pensa que esse tipo de educação demandaria muito tempo ou seria complexa demais para as pessoas comuns, ocupadas com suas vidas, encontrarem tempo de aprender. Pelo contrário, alguns princípios muito simples de economia, como o da assimetria de informação, são extremamente poderosos. Além de uma virtude, o espírito questionador é uma necessidade, de modo que você não deve se constranger ao perguntar o máximo de informações possíveis de quem quer o seu dinheiro.
           
Um outro conceito muito simples é o da proporcionalidade entre risco e retorno. Estatisticamente falando, não há como ampliar retornos sem ampliar os riscos. Isso não significa que não possamos tomar decisões nas quais a chance de sucesso supere a de fracasso, mas trata-se sempre de uma margem delicada. Sempre que alguém lhe disser o contrário, por ignorância ou malícia, essa pessoa está mentindo; quanto mais ela insistir em te convencer do contrário, maior a certeza de que essa pessoa está mal-intencionada e não se importa com sua saúde financeira.
           
Por fim, basta balizarmos nossa análise com base num conceito um pouco mais complexo de risco, que envolve a volatilidade histórica, a liquidez, a maturação e só então o retorno acumulado. Digo isso porque há todo um jogo de cena para ocultar algumas informações e expor outras de modo a tornar um produto ou serviço mais vendável. Vamos ilustrar isso com um exemplo bem caricato, mas bastante comum.
           
Uma casa de análise pode te mostrar como cinco ações sugeridas pela equipe renderam um lucro de 200% em três meses, mas não menciona que outras quatro renderam uma perda de 180% ou como a carteira “supersecreta” tem rendimento similar à média de fundos de ação. Fundos de investimento com um rendimento excelente nos últimos seis meses, por sua vez, podem ser oferecidos a um/a investidor/a, deixando de fora o fato de que havia acumulado prejuízos pelos últimos quatro anos ou que, historicamente, é muito mais volátil (imprevisível) que fundos semelhantes.
           
Num exemplo hipotético, posso te oferecer um investimento com baixíssimo risco e retorno garantido de 100% sobre o valor investido, porque você estará comprando um tipo especial de título público que só as pessoas mais ricas conhecem. Depois que você assinar o contrato e me repassar o dinheiro, digo que é uma nota do tesouro nacional com vencimento em 2120 – meros cem anos - e caso queira sacar o valor antes, pagará taxa de 60% sobre o valor. Nesse caso, estaria omitindo a liquidez e a maturação para tirar proveito de você.
           
Por isso, tenha sempre em mente algumas perguntas fundamentais:

  • Será que o risco realmente está refletindo o retorno, ou estão omitindo algo? No pior cenário possível, qual a porcentagem de perda que pode ser gerada?
  • Qual será a liquidez desse investimento e estou de acordo com isso?
  • Qual o prazo de maturação ou qual o prazo ideal para que os riscos se diluam no tempo?
  • Qual a volatilidade, ou seja, quão imprevisíveis são os resultados desse ativo? Como isso impactará meus investimentos? 
  • Como e por quê esse ativo funciona? Por que ele gera os resultados? Qual a vantagem para o outro lado e para quem me ofereceu esse ativo?

 
Com essa simples lista, você poderá cuidar com muito mais segurança do seu dinheiro, sem risco de cair nas mãos de algum/a oportunista. Além disso, terá a certeza de que está adquirindo conhecimento da maneira certa: sempre questionando, investigando e aprendendo. Bons investimentos!

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