Comecei a ler um livro chamado "Superprevisões", a arte e a Ciência de antecipar o futuro", de Dan Gardner e Philip Tetlock. O livro é essencialmente o espelho de um estudo do psicólogo Philip Tetlock, um dos autores. O estudo, baseado em pesquisas que duraram cerca de 20 anos, evidencia que alguns indivíduos têm de fato uma habilidade extraordinária de previsão 60% maior que a média.
Voltemos 10 anos no tempo...
Alguém se lembra de algum investidor, algum economista, algum especulador, algum político que tenha previsto o atual "estado das coisas", o atual cenário em que o Brasil vive? Será que entre nós, brasileiros, há algum "indivíduo" com a habilidade descrita pelo psicólogo Philip Tetlock, isto é, com uma habilidade de previsão 60% acima da média, capaz de, entre outras coisas, fazer "superprevisões"?
Mais...
Hoje, algum leitor, algum investidor, algum economista, algum especulador é capaz de "cravar" que o Brasil irá quebrar num prazo de 3-4 anos?
Se você, leitor, conseguir ainda encontrar algum petista no meio da rua, figura rara nos dias de hoje, dirá ele que o Brasil "quebrou 3 vezes" com Fernando Henrique Cardoso.
Nunca entendi muito bem essa expressão..."quebrou 3 vezes"...
No entanto, talvez ele se refira ao final dos anos 90, período em que o Brasil pediu empréstimo ao FMI, dada a sangria vista nas "Reservas Internacionais". Naquela época, início de 1999, poucos meses após o "default" da Rússia e da Crise da Ásia, o Brasil deu início ao "câmbio flutuante", o que fez com que o dólar disparasse e provocasse um efeito auto-alimentador sobre as expectativas e capacidade do país em honrar dívidas e passivos em moeda estrangeira, dada a "não tão confortável" posição de nossas "Reservas Internacionais". A consequência foi uma rápida deterioração dessas "mesmas reservas", encostando-as próximas à faixa de US$ 25 bilhões, e pressionando o governo Brasileiro a fechar rapidamente um "empréstimo-ponte" com o FMI.
Agora, perguntem a esse mesmo petista se o "governo brasileiro de FHC" foi alimentado pela mesma Bolha de Commodities de "2004-2011", e que foi responsável pela explosão das "nossas Reservas Internacionais", permitindo-as que se aproximassem da faixa impressionante de US$ 350 bilhões?
Apresente-lhe os 2 gráficos abaixo, gráficos que mostram a "incrível coincidência" do paralelismo de uma "explosão" associada com uma "outra explosão", e esperem a sua reação:
55 anos de minério de ferro
60 anos de "Reservas Internacionais Brasileiras"
Fonte: Banco Central do Brasil
Associar incapacidade de honrar dívidas e passivos em moeda estrangeira a "quebra de um país" não é errado. De fato, se o país não tem como honrar seus compromissos financeiros frente a investidores e "depositantes" estrangeiros, pode-se dizer que o país "quebrou"..... Portanto, naquela época, a simples e rápida sangria nas "Reservas Internacionais" de fato jogava o Brasil "nas cordas"; não havia certeza se, em face da dinâmica em curso de retirada de "recursos em moeda estrangeira", o país seria capaz de honrar seus compromissos externos sem que alguma decisão urgente não fosse tomada para acalmar e estopar a inércia negativa que as atingia.
Mas é só isso?
Basta apenas 1 ponto, 1 variável, 1 indicador para resumir a "quebra de um país"?
No dia 20 de abril de 2015, ano passado, escrevi um artigo publicado aqui, cujo título era:
"O Rio de Janeiro Perdeu o "Grau de Investimento"...E Agora?
No artigo, alertava para vulnerabilidades gritantes que envolviam o Rio de Janeiro, como o peso excessivo da "indústria extrativa mineral", aí incluso setor de petróleo, no PIB do Estado do RJ.
Dizia eu:
"Reparem que no caso do Rio de Janeiro, a "indústria de petróleo e outros minerais" ou "indústria extrativa" sai de um peso de 1,25% em 1995 para impressionantes 17,65% em 2012"
Vamos resgatar a tabela que expus na época:
Mais....a vulnerabilidade do Estado do RJ não era compartilhada pelo Estado de São Paulo.
Dizia eu:
"Pra termos idéia do quanto esse peso da "indústria extrativa" é excessivo na economia do Estado do RJ, tomemos o caso de São Paulo, o Estado mais rico da Federação. O Estado de São Paulo apresenta um peso de menos de 1% para a "indústria extrativa"; diferente de quase 20% para a indústria de transformação", menos dependente do ciclo de commodities"
Tentava antecipar e prever o que, de fato, se viu poucos meses adiante:
"Em resumo, o Rio de Janeiro se depara com um novo cenário......Carrega junto várias bombas "a serem desarmadas" pelo caminho. Se o Brasil passa por uma desaceleração, o Rio de Janeiro passa e passará muito mais. Outros Estados, dadas suas matrizes econômicas e dinamismos , têm maiores capacidades de recuperação. Cabe ao Rio de Janeiro pensar numa outra equação para sobreviver. "
Assim, temos 2 pontos aqui... Todos ou quase todos os leitores já sabem dos problemas que o Estado do Rio de Janeiro tem enfrentado nos últimos meses.....a mídia os expõe quase que diariamente. Problemas que vieram à tona pouquíssimos meses após o meu artigo.
Como ninguém previu isso? Como os "especialistas" não tiveram um trabalho simples de buscar informações simples, cruzá-las e inferirem o atual quadro trágico do Estado do Rio de Janeiro?
Mais...
Podemos dizer que o Estado do Rio de Janeiro "quebrou" quando ele tem dificuldades imensas para pagamentos imediatos de despesas básicas e urgentes, mesmo que não resgatássemos a conta "Reservas Internacionais"?
E, então? Quem vai arriscar primeiro?
Não tem um brasileiro sequer que vai "cravar" primeiro a "quebra"ou "não quebra" do Brasil nos próximos 3-4 anos?
Andemos um pouco...
Em setembro de 2015, o FMI publicou um estudo em que explicita sua preocupação com o aumento da "dívida corporativa" nos chamados "países emergentes".
De acordo com o gráfico abaixo, do mesmo estudo, a "dívida corporativa" entre as empresas "não-financeiras" dos maiores mercados emergentes subiu de cerca de 4 trilhões de dólares em 2004 pra perto de 18 trilhões de dólares em 2014.
Razões? Baixas taxas de juros nos mercados desenvolvidos, busca de investidores por altos retornos, exatamente pelas tais baixas praticadas nos mercados mais avançados, e boom das commodities , diz o estudo.
E se olharmos a relação "aumento da dívida corporativa x PIB", o terceiro maior aumento no mundo foi o Brasil.
Vejam abaixo quadro, "crédito FMI".
Fonte: FMI
Complementa o estudo:
"O aumento das taxas de juros nas nações mais avançadas, a valorização do dólar e consequente queda das respectivas moedas locais"e aumento da "aversão ao risco global " tornarão mais vulneráveis as economias dos países emergentes.......Condutores de Políticas Econômicas terão que monitorar de perto a evolução desse quadro, assim como das principais empresas e de bancos expostos a tais empresas."
Em texto original: "“These developments make emerging market economies more vulnerable to a rise in interest rates, dollar appreciation, and an increase in global risk aversion,” said Gaston Gelos, Chief of the Global Financial Stability Analysis Division at the IMF. “In particular, policymakers should monitor vulnerable and systemically important firms, as well as banks and other sectors closely linked to them,” said Gelos. “Such enhanced monitoring requires that the collection of data on corporate sector finances, including foreign-currency exposures, be improved,” he added."
Aqui, o estudo completo.
Assim, separemos as 4 variáveis discutidas pelo FMI, focos de suas preocupações:
- Taxas de juros nas nações mais desenvolvidas
- Valorização do dólar
- Bolha das Commodities e posterior estouro (aqui, ilustrado por mim pelo gráfico de Minério de ferro) -
- Aversão ao risco Global (aqui, ilustrado por mim pelo gráfico TED- Spread entre a taxa Libor de 3 meses e o título de 3 meses do Tesouro Americano)
Para isso, separemos 4 gráficos que servem como uma foto do "pano de fundo" da evolução de cada variável acima citada ao longo do tempo para que possamos refletir se a preocupação do FMI procede.
Evolução dos Títulos de 10 anos do Tesouro Americano, período 100 anos
Fonte: tradingeconomics.com
Evolução do índice "Dólar" nos últimos 50 anos
Fonte:tradingeconomics.com
Evolução do "Dólar x Real" nos últimos 20 anos
Evolução do "Minério de ferro" nos últimos 50 anos
Evolução do "TED" nos últimos 30 anos
Fonte:macrotrends.net
O que podemos ver pelos "olhos" dessas 4 variáveis?
As taxas de juros, mais especificamente, as taxas refletidas nos "bonds de 10 anos dos Estados Unidos", depois de bater em níveis abaixo dos níveis "Pós-Guerra", agora começaram a deixar a "faixa 0%-0,25%....
Dólar já pressiona os mercados emergentes por pelo menos 18 meses Bolha de Commodities estourou....e já pressiona os mercados emergentes e suas empresas
Aversão Global ao Risco? Há um índice pouco explorado que reflete com precisão esse tipo de aversão. Chama-se "TED". O "TED" nada mais é do que o "Spread entre a taxa londrina LIBOR de 3 meses e os títulos americanos de 3 meses"...
Historicamente, níveis acima de "50-60 pontos base" acendem a "luz amarela"....No final de 2015, o "TED" já resvalou nos 50 "pontos-base", pra depois recuar. O Gráfico acima mostra claramente uma escalada rápida nos últimos meses no "TED".
E, agora caro leitor? Vai arriscar um prognóstico?
Vamos passear um pouco mais....
Vamos comparar alguns "Credit-Defaults Swaps"...Brasil, seus pares latino-americanos, China, Alemanha e Estados Unidos. Abaixo, os "CDS" transformados em "probabilidade de default", a partir de uma ferramenta publicada pelo Deutsche Bank.
Gráfico plotado a partir de ferramenta publicada pelo Deutsche Bank
Eu poderia ir mais além...as variáveis são muitas...
Assim. tentemos afunilar pra finalizarmos o artigo...
O que acha o mercado?
Abaixo, o gráfico que mostra o valor de mercado em dólar das empresas listadas na Bovespa. Reparem a queda alucinante no valor de mercado dessas empresas nos últimos 6-7 anos. Já chegamos abaixo do nível de 2008. Curiosamente, esse patamar ainda é "mais otimista" do que o próprio nível em dólar do Bovespa.
Gráfico plotado a partir de dados da próprio Bovespa
Em dólar, de 2008 pra cá, o Bovespa já caiu cerca de 80%, como mostrei dias atrás.
Em dólar, de 2010 pra cá, o Bovespa já perdeu cerca de 70% em valor de mercado, como visto acima.
E seu eu dissesse que há muita coisa "acontecendo" por aí.
Com tanta coisa acontecendo, com tanta variável "saindo do lugar", por que os bancos não seriam preocupação? Bancos multinacionais, bancos "intercontinentais", bancos brasileiros.
Deve ser por isso que "alguma coisa acontece" no "W1FIN" (Dow Jones World Financial Index). Uma boa recuperação a partir das mínimas de 2009 até o patamar de 2005....uma perda de uma LTA de 4 anos.
"W1FIN" (Dow Jones World Financial Index), Semanal, escala logarítmica, período 12 anos
A "última coisa" que o Brasil precisa nesse momento é um problema com o sistema financeiro mundial e, por tabela, um impacto no "brasileiro", já afetado negativamente pelo quadro interno.
O que falta pra você, caro leitor, decidir?
O Brasil vai "quebrar"?