Em maio de 2025, o mercado de grãos foi surpreendido por uma venda de 225 mil toneladas de soja americana para o Paquistão, ocorrida fora dos relatórios semanais tradicionais do USDA. O impacto imediato nos preços e o fato de essa movimentação ter sido inicialmente percebida como "fora do radar" levantam uma questão mais profunda: a demanda chinesa por soja e milho, historicamente estável e previsível, está mudando de padrão?
O Caso do Paquistão e o "Fora do Relatório"
Embora noticiada como uma venda de 255 mil toneladas, as fontes oficiais confirmaram 225 mil toneladas reportadas pelo FAS em 8 de maio de 2025. O que gerou confusão foi o fato de essa venda ter sido publicada via relatório diário, e não no semanal agregado, o que para muitos analistas pode parecer "fora do relatório". Ainda assim, o efeito sobre o mercado foi claro: alta de preços, cobertura de posições vendidas e melhora no sentimento;
Esse episódio revela como compras inesperadas, mesmo de países secundários como o Paquistão, têm potencial para influenciar o mercado global, especialmente quando coincidem com fatores técnicos e volatilidade especulativa.
A China a Caminho da Moderação?
Nos últimos anos, a China representou mais de 60% das importações globais de soja, mas sinais recentes apontam para uma transição. As projeções para 2025/26 oscilam entre 95,8 e 112 milhões de toneladas, refletindo divergências quanto à continuidade da tendência de crescimento.
Diversos fatores explicam essa incerteza:
- Políticas de autossuficiência: programas para reduzir o uso de farelo de soja na ração animal (alvo de 13%) e incentivo à produção doméstica.
- Concorrência do Brasil: com safra recorde e preços mais competitivos, o Brasil se consolidou como principal fornecedor.
- Tensões comerciais: as tarifas mútuas entre EUA e China mantêm o fluxo logístico sob risco.
Embora ainda lidere a demanda, a previsibilidade do comportamento de compra chinês está moderada, afetada por variáveis comerciais e políticas.
Gráfico 1: Divergência de Estimativas entre as fontes
Fonte: Desenvolvido pelo autor, dados do USDA ERS, Hellenic Shipping News, World Grain.
Esse gráfico confirma a divergência entre fontes sobre a demanda chinesa de soja para 2025/26. Enquanto algumas apontam expansão, outras projetam retração, refletindo as incertezas causadas por fatores como políticas de autossuficiência, tarifas comerciais e substituição de ingredientes na ração animal. Essas diferenças reforçam o argumento de que a previsibilidade da demanda chinesa está em declínio.
Milho: Crescimento Doméstico, Menos Importação
Diferente da soja, o milho na China segue outra dinâmica. A previsão para 2025/26 é de crescimento de 1,7% na produção (atingindo 300 MMT), com consumo previsto em 321 MMT. No entanto, as importações devem se manter em apenas 8 MMT, sinalizando um foco intenso na autossuficiência.
O uso de substitutos como farelo de soja e a intervenção para apoiar preços internos tornam a previsão das importações de milho ainda mais volátil.
Gráfico 2: Estimativas setoriais com base em relatórios do USDA e consultorias.
Fonte: Desenvolvido pelo autor. Estimativas setoriais com base em relatórios do USDA e consultorias.
O gráfico acima evidencia a mudança no perfil de demanda global entre as safras de 2024/25 e 2025/26. A China, tradicionalmente um dos maiores importadores, apresentou queda de 10 para 8 milhões de toneladas, refletindo sua política de autossuficiência e substituição por outros insumos na ração. Em contrapartida, países como Egito, Bangladesh e especialmente o México demonstram crescimento nas importações, com destaque para este último, que salta de 15 para 16,2 milhões de toneladas, consolidando-se como um dos destinos mais relevantes para o milho norte-americano. Essa diversificação da demanda reforça a importância de olhar além da China para compreender as dinâmicas atuais do mercado global de grãos.
Diversificação da Demanda Global: Paquistão e Além
O crescimento da demanda por soja e milho não se restringe mais à China. Países como Paquistão, Egito, Bangladesh e regiões do Sudeste Asiático e Oriente Médio estão ampliando importações, movidos pelo crescimento populacional, aumento de renda e transição alimentar.
O Paquistão, após levantar restrições sobre soja geneticamente modificada, retomou compras em volumes significativos, gerando efeito direto nos preços globais.
Menos China-centrismo, Mais Monitoramento
A China segue central, mas não mais solitária. A previsibilidade moderada de sua demanda e o surgimento de novos players relevantes exigem um olhar mais plural do investidor em commodities.
A venda "fora do relatório" para o Paquistão serviu de alerta: mesmo compras pontuais podem sinalizar mudanças mais amplas no padrão global de demanda. Para os agentes do mercado, o desafio está em diversificar fontes de informação, monitorar políticas locais e interpretar com agilidade os sinais de mudança nos fluxos de comércio.
Bons Investimentos.