Passados os primeiros dias do segundo mandato do governo Dilma e de olho nas ações de política econômica da nova equipe já dá para sentir algumas mudanças, mesmo que tênues, na forma de atuar e encarar a economia. Se antes tínhamos uma relação até cínica entre a equipe econômica, o “núcleo duro” de um governo e a sociedade, agora o que se tem é transparência total, sem malabarismos ou mágicas.
O mantra da equipe de Joaquim Levy parece bem distinto da anterior: austeridade fiscal e parafiscal, menos intervenções do Estado na economia e estímulos à poupança interna. Em discurso de posse isto ficou bem claro. Disse ele que “a transparência nas contas públicas, o incentivo à concorrência e a estabilidade regulatória são ingredientes para que o país amplie o número de participantes da economia”. Termina-se então o tolo e anacrônico debate ideológico entre heterodoxos e ortodoxos e tem início o da responsabilidade contra a irresponsabilidade.
Sobre as medidas anunciadas por Levy, observa-se que estas seguem adotadas de forma paulatina, sem açodamento, evitando sustos aos agentes.
Primeiro, o governo anunciou a elevação da TJLP, de 5% para 5,5%, visando reduzir os subsídios do BNDES aos bancos públicos e empresas privadas, além de readequar os recursos do PSI; em seguida, veio com maior exigência na concessão de benefícios variados, como seguro-desemprego, abono salarial e pensão por morte, o que deve gerar uma economia de R$ 18 bilhões, algo em torno de 0,3% do PIB; aumentaram também as exigências para a concessão dos incentivos educacionais, como o Fies.
Na semana passada, diante de um Orçamento de 2015 ainda a ser votado, o que limita o raio de ação no que se refere ao corte de despesas e investimentos, anunciou o contingenciamento de despesas discricionárias (não obrigatórias), no limite, em até R$ 1,9 bilhão mensal (R$ 22,8 bilhões anuais), englobando os 39 ministérios. O mais sacrificado acabou sendo justamente o mais comentado na posse dos ministros, o Ministério da Educação (lembrem-se, “Brasil, Pátria Educadora”), limitado a R$ 1,2 bilhão nos gastos mensais, quando o anterior era até R$ 1,7 bilhão.
Seria uma espécie de retenção ou “contingenciamento na boca do caixa”. Depois de aprovado o Orçamento será possível o governo realizar os cortes necessários, que devem recair sobre despesas de custeio e investimento. É objetivo de Levy fechar este ano, na medida do possível, com uma meta fiscal de 1,2% do PIB, o que deve representar um corte de R$ 66 bilhões. Para os anos de 2016 e 2017 deve ser elevado a 2%.
Comenta-se também sobre a necessidade de “harmonização da carga tributária”, com a criação de taxações nos chamados “veículos e instrumentos de captação”. Algumas medidas seguem comentadas, com a incidência de Imposto de Renda sobre LCIs, LCAs e LFs. Lembremos que estes ativos foram criados para capitalizar os bancos, mas também para gerar financiamentos para os setores agrícola e de construção/imobiliário. O retorno da CIDE, imposto sobre combustível, também parece estar na agenda, assim como o alinhamento do IPI para automóveis, linha branca e outros (já em execução), e o debate em torno de algumas desonerações setoriais.
Na tabela, observamos que Levy, sempre quando chamado para cortar gastos, atuou com precisão, adotando o chamado “modelo supremo de controle da boca do caixa”. Na tabela ao fim, com dados de Raul Velloso, especialista em Finanças Públicas, observa-se que o corte nos gastos totais em 2002 para 2003 foi considerável, de 15,7% para 15,1% do PIB, menos 0,6 ponto percentual, sendo a rubrica mais sacrificada, de Investimento, recuando de 0,8% do PIB para 0,3%.
Na visão de Velloso será inevitável um “brutal represamento dos investimentos” neste ano, visto que é limitado o espaço para cortar gastos, em quase 75% já carimbados por dispositivo constitucional. Estes investimentos, no entanto, já se encontram em queda.
Em 2010, quando o PIB cresceu 7,5%, boa parte foi possível pela forte expansão da taxa de investimentos (Formação Bruta de Capital Fixo), crescendo 21,3%; no ano seguinte, o crescimento foi até razoável, de 4,7%, mas em 2012 acabou recuando 4%; em 2013 se recuperou um pouco, mas em 2014, até setembro, vinha recuando 4,6%. Ao final do ano de 2014, estimamos um recuo de 7%. Para 2015 as estimativas não são nada otimistas, com o recuo previsto entre 0,5% e 1,5%. Isto deve ser reforçado pela paralisia da Petrobras, principal agente público, com maior volume de investimentos mobilizados, e o próprio pacote de medidas a ser anunciado por Levy.
Por fim, outro “bode na sala” pode ser o volume alto de “restos a pagar” existente atualmente. Em 2014 estas despesas autorizadas que não foram pagas nos últimos anos devem chegar a R$ 240 bilhões. Ou seja, mais um, dentre outros tantos pepinos, a ser descascado pelo ministro e sua equipe. Não devemos esquecer também dos R$ 30 bilhões do Tesouro liberados em dezembro para o BNDES. Seriam recursos já desembolsados pelo banco do governo.
Sendo assim, Levy terá a dura missão de “arrumar a casa”, mirando afastar o risco de perda do investment grade, algo bem próximo neste início de ano. A sequência será a seguinte: reduzir o custo de financiamento do Tesouro, melhorar a alocação de recursos do Orçamento, reduzir a demanda agregada e aliviar o peso sobre o BACEN, que abriria espaço para reduzir no futuro a taxa Selic, diante de uma possível inflação em queda. Estaria, portanto, fechado o ciclo de retomada de confiança dos agentes.
Aguardemos.