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Blockchain e mudanças nos pagamentos do setor público como política de Estado

Publicado 23.09.2022, 10:16

Por Eduardo H. Diniz*, Adrian K. Cernev** e Lauro Gonzalez***

Dois projetos tecnológicos de importância estratégica para o desenvolvimento do país estão sendo discutidos atualmente pelo Banco Central do Brasil (BCB) e pelo BNDES. Ambos envolvem as tecnologias de blockchain e, embora tenham sido originados de maneira independente um do outro, juntos podem promover inovação e eficiência no setor financeiro e nos mecanismos de pagamento do setor público.

O primeiro projeto é o Real Digital, iniciado em agosto de 2020 sob a liderança do BCB, que criou um grupo de trabalho com o objetivo estudar as condições e possibilidade de emissão do chamado CBDC (Central Bank Digital Currency), nome genérico dado a diferentes projetos de incorporação de uso de tecnologias de blockchain nacionais em diversos países, em geral, conduzidos por seus respectivos bancos centrais (para um panorama do que está acontecendo no mundo em termos de CBDC). Desde então, o BCB tem participado de debates públicos com academia, entidades do setor, empresas de tecnologia, audiências no congresso e interlocução com pares de outros países para avaliar diretrizes de implantação desta nova infraestrutura de pagamento para o país. O BCB vê o CBDC como uma alternativa para melhorar a eficiência do mercado de pagamentos de varejo, além de incentivar a inclusão financeira.

A Rede Blockchain Brasil (RBB) é um projeto criado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em parceria com o Tribunal de Contas da União (TCU), via um acordo de cooperação firmado em abril de 2022. A ideia é criar uma rede nacional com diversas instituições que irão gerenciar a governança e a infraestrutura que contribua para a implantação de aplicações de blockchain de interesse público no país. Inspirado por iniciativas criadas pela LACChain, rede liderada pelo Laboratório de Inovação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), pela Alastria, organização multisetorial que promove métodos e ferramentas para ecossistemas de inovação apoiada pelo governo da Espanha, e pela EBSI, iniciativa conjunta da Comissão Europeia e European Blockchain Partnership, a RBB pretende otimizar os esforços pontuais já existentes de implantação de aplicações de blockchain em diversos níveis de governo. O objetivo é ajudar a superar barreiras legais, organizacionais e técnicas que acabam inibindo a inovação e potencial integração dessas iniciativas.

O grande sucesso do PIX pode ajudar a entender o efeito potencial da combinação dos dois projetos acima. Dados mostram que, em pouco mais de um ano, o PIX já se tornou o mais abrangente meio de pagamento do país e mudou a maneira de efetuar pagamento de varejo no Brasil, onde o número de transações em tempo real cresceu quase seis vezes no ano passado, para 8,7 bilhões. O número é mais que o dobro do observado no Reino Unido (3,5 bilhões) e bem acima dos Estados Unidos (1,8 bilhão) e Japão (1,7 bilhão).

A integração do PIX em uma plataforma de blockchain, que pode ser a espinha dorsal do Real Digital, teria potencial de aumentar ainda mais a confiabilidade, segurança e eficiência dos sistemas de pagamento do varejo. A RBB pode contribuir com a infraestrutura necessária para criar o PIX dos pagamentos no setor público, aumentando a transparência, confiança, auditabilidade e contribuindo de forma relevante para o combate à corrupção. Não é por acaso que o TCU está envolvido na origem do RBB.

Se isoladamente os dois projetos por si só já tem importância superlativa, a sua interseção óbvia e definição de parâmetros técnicos comuns podem alavancar ainda mais o seu impacto para o desenvolvimento e a inovação no país. As iniciativas do BCB e do BNDES mostram a importância da estrutura burocrática e do corpo técnico do Estado para condução de projetos inovadores. Iniciativas como Real Digital e RBB chamam atenção para a responsabilidade do próximo governo posicionar o tema do blockchain como política de Estado, que precisa atuar para garantir neutralidade tecnológica e para evitar o controle de uma tecnologia estratégica por poucas empresas, o que certamente inibe a inovação.

É necessário ainda incentivar um ambiente regulatório que propicie a experimentação, crie condições para aceitação legal de documentos digitais, promova interoperabilidade entre as diversas aplicações e estabeleça regras para o seu desenvolvimento tanto no nível nacional quanto no subnacional. Mais que dar suporte a iniciativas inovadoras como essas e coordenar o seu desenvolvimento de forma harmônica e articulada, é preciso investir em ciência e tecnologia, promover a transparência da coisa pública e garantir a proteção dos cidadãos e seus dados.

Apesar de entendermos as particularidades dos dois projetos e nas dificuldades intrínsecas para conectá-los, este artigo tem a pretensão apenas de ser uma provocação para a necessidade de termos uma orientação coordenada para iniciativas tão importantes quanto essas. Outros países já colocam na mesa a necessidade de se pensar iniciativas de blockchain como política de estado e o Brasil tem a oportunidade de seguir o mesmo caminho.

*Professor do COPPEAD/UFRJ e FGV EAESP
Pesquisador do Centro de Estudos de Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV
** Professor FGV EAESP
Pesquisador do Centro de Estudos de Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV
*** Professor FGV EAESP
Coordenador do Centro de Estudos de Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV

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