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Carta Aberta a Guilherme Benchimol

Publicado 04.12.2019, 11:39
Atualizado 09.07.2023, 07:32
ITUB4
-

São Paulo, 4 de dezembro de 2019.

Caro Guilherme,

Como vai? Estimo que muito bem.

Espero que esta carta possa encontrá-lo de alguma forma.

Eu, que sou apenas um rapaz latino-americano, nunca passei por um IPO, mas — acho — posso imaginar a correria sob à qual você está submetido nestes dias.

Também sei a opulência que, “Na Raça” e merecidamente, sua figura assumiu nos últimos anos e, em especial, nos últimos meses, de tal sorte que se você for um dos três leitores deste pobre documento, já poderei comemorar uma pequena vitória. Seria uma honra saber que seus olhos passaram por aqui, mesmo que na diagonal, leitura dinâmica, tamanha minha admiração por você.

Por favor, não me entenda mal. Não quero, com essas poucas palavras, tentar transmitir uma aparente proximidade que, em verdade, nós não temos. Em alguns aspectos até, arriscaria dizer que somos imiscíveis. Estivemos juntos algumas poucas vezes, nos correspondemos eletronicamente em outras. Você sempre me tratou com uma cordialidade e um respeito que, sinceramente, até eu mesmo questiono se me eram merecidos. Agradeço fortemente por isso. Tenho a fragilidade de ser, automática e metaforicamente, capturado por pessoas muito educadas, algo cada vez mais raro.

Fiquei orgulhoso ao saber que você era assinante do famigerado “O Fim do Brasil”. Li com profundo interesse o longo e-mail que você escreveu quando da época da venda de parte da XP para o Itaú (SA:ITUB4). Estava muito bem escrito e explicado. Aliás, parabéns por isso! A exemplo de Buffett, tenho para mim que a boa escrita é fundamental na arte da gestão dos investimentos e também no empreendedorismo. Recebi com carinho o convite de almoçarmos na sede da XP para você me explicar aquela operação — como se precisasse! Àquela altura, eu só tinha a admirar onde você tinha chegado e a venda para o Itaú, o selo de que você precisava para acelerar ainda mais (era possível? Sim, era!) o crescimento da XP. E não posso deixar de agradecer sua generosidade em ter ido nos abraçar em nosso evento de 10 anos, o que, digo de coração, engrandeceu enormemente aquela reunião. Na entrada do Hotel Unique, naquele momento em que você veio me cumprimentar, reunimos R$ 5,005 bilhões, veja só! Dos quais, R$ 5 milhões eram meus — ouvi a piada original do Kanitz (ele repete semanalmente às quintas-feiras em seus tradicionais almoços no Itaim), mas eu sempre quis usar em primeira pessoa.

Soube que, certa vez, você ficou um pouco chateado por eu ter registrado aqui algumas críticas à XP, centradas no conflito de interesses dos agentes autônomos. Sendo muito sincero — eu tenho esse péssimo hábito, espero que você venha a entender —, não acho que sua chateação estivesse assim tão bem fundamentada. Talvez você pudesse ter ligado diretamente para mim, em vez de ligar para o Caio — sabe, o papai faleceu há nove anos já (veja que curioso: amanhã seria aniversário dele). Mas tudo bem. Eu não guardo mágoas ou rancores. Amor fati.

Se eu escrevi aquelas coisas é porque elas refletiam exatamente a minha opinião. Como diria Michel de Montaigne, “uma pessoa só pode caminhar sobre as próprias pernas e sentar sobre o próprio traseiro”. Olha, num momento como esse que você está vivendo, se me permite a ousadia de uma sugestão, talvez valha ler o livro do Montaigne: uma lição de epicurismo, estoicismo e ceticismo. Acho que você vai gostar.

Da minha parte, só posso escrever o que verdadeiramente penso. Não posso trair minha alma, pois, como leitor de James Hillman, sei que ela haverá de se vingar de mim. Está aí algo que eu não quero. Você já sabia que eu pensava daquela forma. Eu havia lhe dito, olhando nos seus olhos e nos do seu sócio Fernando, qual era minha visão para uma “corretora ideal”, sem conflitos de interesse ou, sendo mais preciso e rigoroso aqui, com o mínimo possível de conflitos de interesse. Não há como o vendedor (o agente autônomo) acabar responsável, tácita e sub-repticiamente, pelas decisões de alocação do investidor — seria como o vendedor de uma loja definir se você deve ou não comprar o máximo possível de camisetas e calças por ocasião da sua visita; ele tem um incentivo claro para sugerir a compra de tudo. As pessoas respondem a incentivos. Eu desconfio que, no fundo, você mesmo concorde com isso. Afinal, seria difícil discordar e você é uma pessoa muito inteligente. Veja só: noutro dia, veio aqui no escritório uma pessoa que fora muito próxima a você. Ela o definiu, ipsis verbis, como o “melhor empreendedor do Brasil”. Eu, a exemplo de Kafka, até me inclino a certos exageros, mas, nesse caso, foi rigorosamente assim, sem tirar, nem pôr. É um belo rótulo, não é?

Já estou chegando no ponto nevrálgico desta carta — a esta altura, você já sabe qual é, não sabe? Antes, porém, preciso esclarecer o ponto acima, porque há uma aparente nuance contida nele. Na verdade, não precisaria, mas é que algumas pessoas parecem não entender o significado exato de “conflito de interesses”. Ao dizer que determinado sujeito está “conflitado”, não quer dizer que ele seja antiético ou que necessariamente vai prejudicar seu cliente. Longe disso. Não há aqui qualquer ataque a pessoas e sei que muitos agentes autônomos são extremamente corretos e competentes. O problema está no não alinhamento de interesses, na estrutura do incentivo. O agente autônomo quer maximizar a própria renda (tem boletos a pagar, bocas a alimentar, como todos nós), enquanto o investidor quer a melhor combinação risco-retorno. Em várias situações, essas coisas podem estar em desarranjo. Esse é o conflito.

Dilemas éticos são naturais da vida. No clássico “risco moral” da Teoria Econômica, uma pessoa pode dirigir de forma mais irresponsável porque está com o cinto de segurança e o seguro devidamente pago. Não quer dizer que ela necessariamente vá fazer isso, mas há um incentivo, sabe? De forma mais ambivalente, Guilherme, explorando aqui as contradições humanas, sob as quais estamos todos os dias condenados, o que você faria, por exemplo, se estivesse na seguinte situação hipotética, tendo de escolher entre: i) pagar um seguro saúde mais caro para seus filhos; e ii) vender um produto com taxa um pouquinho mais cara a seus clientes, ainda que não necessariamente aquela fosse a perfeita aplicação para o investidor, digamos que ela fosse nota 8,5, sendo que uma outra, nota 9, estava disponível? Não precisa responder. Eu mesmo não teria uma resposta fácil.

Perdoe se me alongo nesse ponto. É que essa pode ser uma oportunidade de esclarecer as coisas. E esclarecer, principalmente, que a crítica representa um pequeno defeito em meio a uma abrangente e profunda admiração. Eu já disse, pública e privadamente, que você, Guilherme, foi a pessoa que mais bem fez ao investidor pessoa física no Brasil — agora escrevo diretamente a você reforçando o ponto. Seu nome e o da XP estão escritos de forma indelével na história do mercado de capitais brasileiro. Não há palavras capazes de expressar meu respeito e, por que não dizer, minha gratidão a você, como cidadão, como investidor e como empreendedor do mesmo setor. A verdade é que todos nós nos beneficiamos da sua competência e da sua coragem. Obrigado por isso.

Saímos de uma situação de oligopólio no setor bancário brasileiro para uma nova, de monopólio entre as plataformas de investimento. Isso é fascinante. Em termos práticos, a verdade é que, ao menos por enquanto, você não tem concorrentes à altura, apenas tentativas de imitar o que, brilhantemente, você construiu. Como empresários, todos nós gostaríamos de ter montado um monopólio. Altas margens, altas barreiras a entrada, reserva de mercado, crescimento inabalável. Uma maravilha.

Mas agora é chegada a hora de um novo passo, um marco na história da XP e do próprio mercado de capitais brasileiro: seu IPO.

Eu imagino que tenha sido difícil a decisão entre listar suas ações na B3 e em Nova York. De novo, as ambivalências, essas rivais invencíveis! Ter de escolher, de um lado, entre a menor burocracia, menores custos, menos papelada, maior entendimento do investidor quanto aos múltiplos altos das fintechs (vou dar-lhe a colher de chá e usar esse termo dessa vez para caracterizar a XP, embora você saiba que tenho cá minhas dúvidas), super ações (e votos); e, de outro, a necessidade de alijar os investidores brasileiros de participar de seu próprio IPO.

Não deve ter sido fácil, em especial para você, que sempre defendeu tanto o investidor de varejo, um ávido defensor do processo de desbancarização, do mercado de capitais mais democrático, do empreendedorismo, escolher pela listagem lá fora, frustrando os interessados em participar do seu IPO.

Eu entendo, juro que entendo. Temos de abrir mão de algumas coisas na vida, infelizmente. Cada escolha, uma renúncia, isso é a vida, já dizia o filósofo Chorão. Viver é, no fundo, uma hierarquização de prioridades.

Mas, sabe, Guilherme, uma coisa me chamou a atenção nessa história toda. Noutro dia, acho que foi antes de ontem, visitei o site do seu Relações Públicas, o Geraldo Samor, que tem feito um belo trabalho (os banners ficaram ótimos também), e vi lá a carta que você escreveu aos potenciais participantes do IPO. Destaco dois parágrafos:

“Mas sempre acreditei que se fizéssemos a coisa certa para os nossos clientes, colocando seus objetivos em primeiro lugar, eles iriam nos respeitar e nos apreciar com o tempo. As coisas darão certo.

Colocar os objetivos dos clientes em primeiro lugar não era o approach comum no Brasil. O mercado de investimentos era concentrado em poucos grandes bancos que, na minha visão, não eram focados no cliente.”

Guilherme, foi você mesmo que escreveu isso? Porque, se foi, me desculpe a franqueza, mas há uma contradição aqui. Eu entendo você ter escolhido os EUA para listar as ações da XP. Mas, ao fazê-lo, você não deu prioridade alguma ao seu cliente, que é o investidor de varejo brasileiro. Se o cliente fosse mesmo prioridade, você teria feito a oferta no Brasil, com uma tranche de oferta prioritária para o varejo. Assim, seus clientes teriam a chance de participar do seu IPO. Ok, reconheço que talvez você incorresse num valuation um pouco menos esticado, tivesse uma burocracia maior, perderia as tais “super ações”. Mas, de novo, questão de prioridades. Você fez a sua opção e, definitivamente, não foi colocando os interesses dos clientes (investidores de varejo brasileiro) em primeiro lugar; ao listar lá fora, você retirou-lhes a chance de participar do IPO.

Felizmente, há uma chance de você corrigir essa contradição e dar aos seus clientes a chance de participar do IPO da XP. Veja: foram esses clientes que, junto à sua competência e ao seu esforço (seus méritos continuam incontestáveis), fizeram a XP a potência que ela se tornou hoje. Foram esses investidores que o levaram para o patamar que você está. Então, devolva-lhes um pouco de tudo isso, permita que eles compartilhem todo esse seu sucesso. Eles merecem, Guilherme! Acreditaram em você, na sua empresa; e agora querem acreditar na sua ação. Dê-lhes essa chance.

Encerro com os votos de profunda estima e de sucesso para este novo passo da XP. Estou certo de que será mais um marco formidável na sua mais do que bem-sucedida trajetória.

Com a admiração recente,

Um forte abraço,

Felipe.

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