Hoje irei falar sobre a maneira correta de se analisar o retorno sobre as aplicações financeiras, o fim da cultura do CDI e explicar como o investidor pode estar perdendo dinheiro com os investimentos tradicionais de renda fixa.
Taxa Selic vai cair para 4,75% ao ano
Como diria a clássica música do ‘rei’ Roberto Carlos: “daqui para frente tudo vai ser diferente.”
Atualmente, o relatório Focus do Banco Central tem projeção para a taxa de juros Selic de 4,75% em dezembro de 2019. Há exatos 12 meses, a taxa Selic projetada era de 8% ao ano. Uma mudança bastante grande no rendimento de suas aplicações financeiras.
Você já parou para fazer a conta do impacto no rendimento de suas aplicações financeiras?
Eu pretendo te mostrar o impacto na prática e oferecer alternativas para que você não perca dinheiro, afinal deixar de ganhar dinheiro também é um prejuízo.
Reserva de emergência
Acredito que é extremamente importante que os investidores tenham sempre uma reserva de emergência investida em CDI, com baixo risco e liquidez imediata (fundo DI, Tesouro Selic e CDB de banco).
Vamos dizer que um bom número para essa reserva pode ser equivalente a 12 meses de salário, o verdadeiro ‘seguro desemprego’. Vamos, também, dizer que o valor desta reserva de emergência é de R$ 100.000.
Quando a taxa de juros Selic era de 8% ao ano, o rendimento líquido era de 5,3% ao ano, depois das taxas e do imposto de renda. Portanto, o rendimento da reserva de emergência seria de R$ 5.300 por ano.
Esta conta do rendimento líquido é a seguinte: 8,25% de taxa de juros menos a taxa de administração do fundo DI de 2% subtraído dos 15% do imposto de renda.
Fazendo a álgebra: (8,25%-2%) x (1-15%) = 6,25% x 85% = 5,3%.
Com a queda da taxa de juros Selic para os atuais 5,5% ao ano, o rendimento líquido cai para 3,0% ao ano, o que significa que a mesma reserva de emergência agora rende R$ 3.000, uma redução de 43,4% ou R$ 2.300 a menos por ano.
Com a taxa de juros atingindo 4,75% ao ano, o rendimento líquido cai ainda mais: 2,3% ao ano, equivalente a R$ 2.300 de rendimento, menos da metade do que renderia a aplicação financeira quando a taxa Selic era de 8,25% ao ano.
Eu considerei uma alíquota de imposto de renda de 15% e taxas de administração de fundos de investimento de 2%.
Para o pequeno investidor, que aplica seu dinheiro em fundos DI de investimento de grandes bancos, a taxa de administração desses fundos é ainda maior, chegando a superar 3%, o que reduz ainda mais o rendimento líquido das aplicações financeiras.
Com a queda da Selic, ficou mais evidente as altas taxas de administração cobrados pelos grandes bancos. Um fundo de renda fixa de um grande banco chegou a ter absurdos 5,5% de taxa de administração, mesmo nível atual da taxa Selic.
Os grandes bancos começaram a reduzir as taxas de administração, mas o nível ainda está muito alto, por volta de 3%. Essa alta taxa de administração praticamente acaba com o rendimento de sua aplicação financeira.
Efeito da inflação
O rendimento que eu demonstrei acima é nominal, ou seja, não considera o efeito da inflação. A renda atual do investidor hoje (salário mensal de R$ 10.000) possui um certo poder de compra, o qual ao longo do tempo vai sendo corroído pela inflação.
Esse salário de R$ 10.000 compra uma certa quantidade de bens e serviços hoje, o chamado ‘poder de compra’ do dinheiro. No futuro, esses mesmos R$ 10.000 não terão o mesmo poder de compra que têm hoje devido à inflação.
Atualmente, a inflação está bastante controlada e em um dos menores níveis da história do Brasil, mas ao longo do tempo essa inflação vai corroer a sua renda no futuro.
Portanto, é muito importante calcular o rendimento real das aplicações financeiras, ou seja, qual o rendimento real acima da inflação. Esse rendimento é comparável ao título do Tesouro Direto IPCA+.
A conta parece simples, mas como os juros no Brasil são compostos, o seu cálculo não é simplesmente a diferença entre rendimento líquido nominal de 5,3% ao ano e a inflação no período de 3,5% ao ano.
Algumas pessoas pensam o rendimento real é a mera diferença entre 5,3% e 3,5%. Entretanto, não é a forma correta de calcular.
A conta certa é esta: (1+5,3%)/(1+3,5%)-1.
No meu exemplo, o rendimento real acima da inflação fica em 1,75% ao ano quando a taxa Selic era de 8,25% ao ano, vira para negativo em 0,51% com a atual Selic de 5,5% ao ano e fica ainda pior: negativo em 1,12% com taxa de juros em 4,75% ao ano.
Quanto maior for a taxa de administração do fundo DI, por exemplo de 3%, o rendimento real fica ainda mais negativo.
Acabou o ‘bom, bonito e barato’
Quando a taxa de juros era alta, o investidor tinha o melhor dos mundos: investimento de baixo risco, liquidez imediata e alto rendimento. A chamada ‘vida mágica’, com rendimento bruto de 1% ao mês.
Com uma taxa Selic de 14,25% ao ano não importava a alta taxa de administração do fundo. O rendimento nominal era superior a 10% ao ano, bem acima da inflação no período.
Não fazer nada custa muito dinheiro
A conclusão é que a maioria dos fundos de investimento referenciados DI dos grandes bancos de varejo terá rendimento real negativo, ou seja, rendimento inferior à inflação.
O que fazer? Correr mais risco, mas com moderação
Eu sempre procuro ser bastante prático nas minhas recomendações, afinal a teoria também precisa se mostrar aplicável na prática.
Primeira recomendação: Tesouro Selic
Resgate parte do dinheiro da sua reserva de liquidez que está no fundo DI de banco tradicional, que é caro (taxa de administração de 1% a 3%), e coloque no Tesouro Direto Selic, que cobra apenas 0,25% de taxa de custódia. Abra também uma conta numa corretora que não cobre taxa de custódia, pois alguns bancos ainda cobram taxa de custódia adicional (além da taxa da B3/CBLC) para investimento no Tesouro Direto.
Deixe no banco somente aquela reserva para pagar as contas e cobrir a sua conta corrente em caso de necessidade. Afinal, o prazo de resgate do Tesouro é de um dia (D+1) e o do fundo DI é imediato (D+0).
O rendimento real do Tesouro Selic é de 0,33% ao ano, com taxa de juros de 4,75% ao ano. Eu concordo que é pouco, mas pelo menos não é negativo.
Segunda recomendação: corra mais risco
Está mais do que na hora de sair da segurança da taxa de juros pós-fixada (Selic/CDI) e aumentar o nível de risco para melhora o rendimento das suas aplicações financeiras.
Você nunca investiu em fundos imobiliários ou ações na Bolsa? Sabia que dá para investir no principal índice da bolsa de valores dos EUA?
Chegou a hora de começar, mas comece devagar.
Um bom exemplo é para quem nunca viajou de avião: comece indo para o Nordeste do Brasil ou para alguma cidade da América do Sul e não um voo direto para a Austrália ou Japão, que estão do outro lado do mundo.
O brasileiro ainda não tem tradição de investir em renda variável: apenas 1,3 milhão de pessoas físicas na B3, parcela bem pequena da população.
Não à toa a poupança tem saldo de R$ 800 bilhões, enquanto os fundos de investimento em ações têm saldo de R$ 408 bilhões, equivalente a apenas 7,8% do total de fundos de investimento. Esse número deve crescer, mas será um processo gradual.
Terceira recomendação: olhe o rendimento real dos investimentos
Comece a analisar o rendimento de seus investimentos em termos reais, acima da inflação, e não mais em percentual do CDI.
Quarta recomendação: consulte sempre um especialista
Quando o seu filho fica doente, você procura um médico, e não busca conselhos e dicas em vídeos na internet. Quando você é processado e precisa defender os seus direitos, você procura sempre um advogado.
Quando se trata de aplicações financeiras e de como investir o seu dinheiro, procure sempre um especialista de investimentos devidamente certificado pelas autoridades regulatórias. Afinal, ninguém confia num advogado sem OAB ou um médico sem CRM, certo?
Conclusão
Nunca é tarde para começar. Se você ainda tem a maior parte dos seus investimentos atrelados à taxa de juros (Selic), agora é o melhor momento para investir em ativos de maior risco, como ações.