Contrato de câmbio ou stablecoins? Quais são as fronteiras legais?

Publicado 13.06.2025, 18:46

Você já se perguntou por que, para enviar dinheiro ao exterior de forma legal, é necessário assinar um contrato de câmbio, apresentar documentos, justificar a origem dos recursos, enquanto, com um simples clique e um QR Code, é possível transferir stablecoins de uma carteira digital brasileira para um endereço fora do país em segundos?

Parece contraditório, mas essa é a realidade que vivemos hoje no Brasil. De um lado, a regulamentação tradicional e rígida do Banco Central. Do outro, a inovação descentralizada que desafia fronteiras e instituições.

Contrato de câmbio: o ritual do envio formal

No Brasil, qualquer remessa internacional de valores, seja para pagar um serviço, investir, ajudar um parente ou comprar um imóvel lá fora, precisa obrigatoriamente passar por uma instituição autorizada pelo Banco Central, como um banco ou corretora de câmbio. Essa instituição será responsável por:

  • Identificar o remetente e o destinatário;

  • Registrar a operação no sistema cambial;

  • Formalizar tudo em um contrato de câmbio.

Esse processo garante rastreabilidade, combate à lavagem de dinheiro e ajuda na política monetária do país. Mas, para o cidadão comum, ele também pode parecer burocrático, lento e caro.

Stablecoins: a promessa (e o risco) da liberdade financeira

Enquanto isso, as stablecoins, criptomoedas pareadas a moedas fiduciárias, como o USDT (Tether), USDC (Circle) ou até BRZ (Real digital), ganharam espaço por oferecer o oposto: agilidade, liberdade e custos baixíssimos.

Quer mandar 1.000 dólares para alguém nos Estados Unidos? É só comprar USDT em uma exchange local, transferir para a carteira da pessoa e pronto. Dinheiro entregue em minutos.

O problema? Do ponto de vista da regulação brasileira, isso é ilegal se a intenção for transferir recursos ao exterior.

Segundo o Banco Central, qualquer operação com natureza de remessa internacional precisa ser feita por meio de câmbio oficial. Se alguém usa stablecoins com essa finalidade, está, na prática, burlando o sistema cambial nacional, e pode ser enquadrado em crimes como evasão de divisas.

Evasão de divisas via stablecoins: o atalho que pode sair caro

Com o crescimento do uso de stablecoins (como USDT, USDC ou BRZ), surgiram também atalhos tentadores: comprar cripto no Brasil, enviar para o exterior e "evitar" IOF, contrato de câmbio ou o radar da Receita Federal.

Mas atenção: isso é considerado evasão de divisas, e tem consequências sérias.

O que acontece com quem burla as regras?

Segundo a Lei 7.492/1986, que trata dos crimes contra o sistema financeiro nacional:

  • Enviar ou manter valores não declarados no exterior sem passar pelo câmbio oficial pode resultar em pena de 2 a 6 anos de reclusão, além de multa.

  • Utilizar moedas virtuais para ocultar a real natureza da operação também pode ser enquadrado como lavagem de dinheiro.

  • A Receita Federal pode autuar o contribuinte por omissão de patrimônio no exterior, com multas de até 150% sobre o valor não declarado, além de acréscimos legais, juros e possibilidade de bloqueio de bens.

Além disso, o envio de stablecoins com natureza cambial é hoje ativamente monitorado por órgãos como o COAF, Receita e o próprio Banco Central.

A contradição está no centro do debate

A grande questão é: o problema é o meio (stablecoin) ou a finalidade (enviar dinheiro para fora sem regulação)?

O Banco Central não proíbe criptomoedas. Mas ele proíbe a utilização de criptoativos como substitutos do mercado de câmbio, quando o objetivo é driblar as regras existentes. Isso ficou mais evidente em 2024, quando a própria Receita Federal reforçou que o uso de stablecoins para remessas internacionais caracteriza infração à legislação cambial.

Ou seja: se você quer investir lá fora, pagar alguém no exterior, ou simplesmente mandar uma ajuda para um parente em outro país, precisa continuar pelo caminho tradicional, com contrato de câmbio e toda a documentação. Fazer isso por stablecoin, ainda que tecnicamente possível, viola a regra do jogo.

E agora? Evoluir ou reprimir?

O desafio está posto. A tecnologia já mudou o jogo. A pergunta que fica é: quando a legislação vai acompanhar essa realidade?

Enquanto isso não acontece, o brasileiro que quer fazer tudo certo tem apenas um caminho: seguir a via oficial. Pode não ser a mais rápida ou a mais barata, mas é a que dá segurança jurídica e evita dor de cabeça no futuro.

Porque, no fim das contas, o problema nunca foi a tecnologia. O problema é usar a tecnologia para fugir da lei.

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