Recentemente uma blogueira fitness divulgou em suas redes sociais que, em meio ao isolamento, havia aderido a um novo ganha pão: o day trade de ações. A blogueira não é a única, nem esse é um quadro unicamente brasileiro: nos Estados Unidos a Robinhood, maior corretora do país, viu o número de traders em sua plataforma explodir, muitos deles operando derivativos complexos que eles próprios não são capazes de entender. Parece que na falta de esportes ao vivo, muitos se voltaram para emoções mais fortes na frente do home broker.
É curioso notar como o day trade é um tema polarizado entre analistas e influencers do mercado financeiro. De um lado, estão os críticos ferrenhos da modalidade de investimento, que costumam apontar para uma pesquisa ou outra, como por exemplo um artigo de pesquisadores da FGV publicado em 2019, que apontam que a esmagadora maioria não consegue lucrar com day trade. Do outro lado, estão analistas e influencers que parecem sugerir que o day trade é a chave para a riqueza em tempo recorde. Particularmente, como CEO e co-fundador da maior plataforma de robôs traders do Brasil, a Smarttbot, posso afirmar com propriedade que neste caso a verdade se encontra no caminho do meio, nem tanto nem tão pouco.
Em primeiro lugar é preciso destacar o óbvio: independentemente da forma, ganhar dinheiro não é fácil. Não é, nunca foi, nem nunca será. Seja no day trade, em investimentos de longo prazo ou até mesmo no trabalho cotidiano, ganhar dinheiro é difícil e dá trabalho. Qualquer um que diga diferente, muito provavelmente, ou está iludido ou está tentando te iludir. É possível ganhar dinheiro com day trade? Claro, milhares de traders fazem isso cotidianamente. Porém é preocupante e até irresponsável ver figuras como uma blogueira fitness recém-convertida a trader dizer para seu público que “parece que nasceu para isso”. Ninguém nasce para ser trader, pode-se até ter certa aptidão natural para o negócio, como funciona em qualquer outro setor, mas a excelência só vem depois de muito treino e prática. Ayrton Senna e Michael Phelps, por exemplo, podem ter “nascido para” se tornarem ídolos e grandes referências nos seus respectivos esportes, mas foi apenas após anos de treino e muita dedicação que atingiram o pódio. No mercado não é diferente.
Muitos traders iniciantes podem ser levados a acreditar que ganhar dinheiro no mercado seja fácil por uma mera questão de probabilidade: por definição, o preço de um ativo só pode se mover para cima ou para baixo, o que dá ao trader 50% de chance de acerto. Assim como em um jogo de cara e coroa, no longo prazo é difícil prever a sequência de faces da moeda, mas nas duas ou três primeiras jogadas, por mera aleatoriedade não é tão difícil acertar qual será a sequência a ocorrer. Contudo, isso não significa que você tenha nenhuma capacidade de antever o que vai acontecer, extrapolação lógica que muitos iniciantes no mercado fazem e que pode os levar à ruína.
Além disso, há outro grande problema na forma que o day trade é apresentado aos iniciantes. Geralmente o iniciante começa pela análise técnica subjetiva: formações gráficas como ombro-cabeça-ombro, cup and handle, entre outras. Nada contra a análise técnica subjetiva, muitos traders a utilizam com sucesso, mas como não há critérios objetivos para definir o que configura um padrão desses, é difícil para um iniciante ter sucesso sem, para isso, contar com centenas de "horas de tela", termo que se usa no mercado para se referir ao tempo dedicado à operações no mercado de renda variável. Exatamente por isso, em geral, para um iniciante é mais proveitoso lidar com a análise técnica objetiva, que tem critérios claros e pode ser estatisticamente comprovada através de backtests ou outros tipos de simulação que permitem analisar como teria sido o comportamento de uma estratégia de trading em um determinado período.
Outro ponto importantíssimo a se destacar é a gestão de risco: muitos críticos do day trade parecem tratar a alocação de recursos para esse tipo de operação como tudo ou nada. Muito pelo contrário, nenhum trader de sucesso opera com todas suas economias. Na realidade, independentemente da sua experiência, objetivo ou estratégia, o capital alocado para day trade costuma ser uma parcela muito pequena dos seus investimentos, geralmente inferior a 10%, e uma fração ainda menor é alocada para cada operação, de forma que o risco inerente a esse tipo de operação possa ser devidamente mitigado.
Por fim, é importante lembrar que assim como qualquer outra modalidade de investimentos, o day trade não é nem nunca será para todos. Há pessoas conservadoras que nunca sairão da renda fixa, outros são mais arrojados, mas não se sentem seguros para gerir seu próprio dinheiro e investem apenas em fundos ou carteiras recomendadas por grandes analistas, ao passo que alguns gostam de estar 100% no comando e investem em ações, fundo imobiliários e os mais diversos tipos de derivativos. O importante é lembrar que cada investimento tem um grau de risco e um potencial de retorno, e que a alocação do seu portfólio deve ser feita sempre com muito cuidado e responsabilidade para que esteja sempre alinhada com os seus objetivos e, principalmente, com o seu perfil de risco.
Com o day trade não é diferente. Em uma matéria sobre os traders amadores da Robinhood, o New York Times conta a história de Richard Dobatse, que transformou 30 mil dólares em mais de um milhão em menos de dois anos, o que nenhuma outra modalidade de investimento poderia ter feito. Alguns meses depois, Dobatse viu seu capital ser reduzido a menos de 7 mil dólares, no entanto o fato de ter transformado 30 mil em um milhão não deixa de ser impressionante. Na SmarttBot mesmo temos casos similares, como um robô de dólar que chegou a render mais de R$140 mil em menos de dois anos de operação, porém que no mesmo período chegou a perder mais de R$50 mil. Você suportaria perder o valor de um carro popular para ter a possibilidade de um retorno como esses? Se não, pode ser que talvez o day trade não seja para você e não há problema nenhum nisso. Porém, com um trabalho educativo, com a devida conscientização dos riscos e das melhores práticas, ele pode ser para muita gente. Gente que nem nasceu para isso.