Este artigo foi escrito exclusivamente para o Investing.com
- Referência mundial dos preços do trigo atinge máxima histórica
- Um pouco da história política do trigo
- Exportações da Rússia e Ucrânia representam um terço do trigo mundial
- Preços altos e escassez podem gerar fome e revolução
- Clima em outras regiões de cultivo nunca foi tão importante
No fim de março de 2022, os agricultores do Hemisfério Norte começam a plantar sementes que se transformarão nas culturas que alimentam uma população mundial cada vez maior. Cerca de seis bilhões de pessoas habitavam o planeta na virada deste século. Agora, a população mundial já supera 7,885 bilhões, um aumento de mais de 31% em 22 anos. A cada trimestre, seu crescimento é de cerca de 20 milhões, o que significa que a demanda por alimentos não para de subir.
O trigo é o principal ingrediente do pão, um alimento básico. Porém, é mais que um ingrediente alimentar, é também uma commodity essencial para os governos, na medida em que sua permanência no poder e controle das massas depende de uma população alimentada.
Em 2022, a ação dos preços no mercado futuro do trigo reflete a guerra na Ucrânia e um cenário geopolítico turbulento. O preço do trigo está gerando um sinal de alerta de que a fome mundial e as revoluções devem agravar os problemas causados pelo conflito no Leste Europeu.
Referência mundial dos preços do trigo atinge máxima histórica
Embora sejam negociados vários contratos futuros do trigo nas bolsas americanas e de todo o mundo, a referência mundial é o trigo futuro da CBOT. Em março de 2020, o preço futuro do trigo na CBOT atingiu um novo pico recorde.
Fonte: CQG
Como mostra o gráfico trimestral, o trigo futuro na CBOT alcançou US$13,40 por bushel em março, eclipsando a máxima histórica de 2008 a US$13,3450.
Fonte: CQG
O gráfico diário do contrato mais ativo do trigo futuro na CBOT mostra que o preço subiu para US$13,6350 por bushel antes de corrigir para um pouco mais de US$11,15 em 23 de março. O trigo futuro na CBOT não era negociado acima de US$10 desde 2008.
Um pouco da história política do trigo
O trigo tem uma longa história como commodity, com grandes repercussões políticas quando seu preço sobe e sua oferta se torna escassa. O trigo é o principal ingrediente do pão, alimento básico.
A última rainha da França, Maria Antonieta, foi executada na guilhotina em 16 de outubro de 1793. Sua insensibilidade à situação deplorável dos seus súditos durante a escassez de pão foi uma das razões de sua decapitação. A revolução subsequente na França em 1848, a chamada Terceira Revolução Francesa, começou por causa do descontentamento social e político, quando os trabalhadores perderam seus empregos, os preços do pão subiram e as pessoas acusaram o governo de corrupção.
Durante a Guerra Civil dos EUA, em março e abril de 1863, os motins do pão foram eventos de agitação civil na Confederação. Houve tumultos por farinha, pão e comida na cidade de Nova York em 1837 e 1917. Alimentar as pessoas é uma função básica de qualquer governo, e quando os líderes falham em fazê-lo, geralmente perdem o poder.
O exemplo mais recente foi na Primavera Árabe, que começou como uma série de distúrbios do pão na Tunísia e no Egito em 2010, depois que os preços mundiais do trigo atingiram sua última máxima histórica em 2008 na África Setentrional e no Oriente Médio. A história pode se repetir em 2022 e nos próximos anos, caso o mundo sofra escassez de alimentos por causa da guerra na Ucrânia.
Exportações da Rússia e Ucrânia representam um terço do trigo mundial
A Rússia e a Ucrânia são o “cesto de pães” da Europa.
Fonte: beef2live.com
O gráfico mostra que a Rússia e a Ucrânia responderam por 32,83% das exportações anuais de trigo do mundo nos últimos anos.
A guerra na Ucrânia transformou solo fértil em campos de batalha no momento em que a safra de 2022 está começando. Ao mesmo tempo, os portos do Mar Negro são pontos logísticos de grande relevância para as exportações de trigo. O conflito causará interrupções ou paralisações, levando à escassez de trigo e outros produtos agrícolas da região, que também produz milho, cevada e outras culturas.
A guerra não está afetando apenas as exportações russas e ucranianas, mas também a produção mundial. Sanções e retaliações levaram a Rússia a parar “temporariamente” de exportar fertilizantes, justamente no momento em que o ano-safra de 2022 tem início no Hemisfério Norte.
Fonte: Worldstopexports.com
A Rússia exporta aproximadamente 12,6% dos fertilizantes do mundo. A suspensão fará com que os preços subam ainda mais, reduzindo a disponibilidade de grãos e sementes oleaginosas ao redor do mundo.
Preços altos e escassez podem gerar fome e revolução
A guerra na Ucrânia tem consequências mundiais de longo alcance que podem deixar pessoas de muitos países com fome em 2022 e nos próximos anos. As áreas de maior perigo estão na África e nos mercados emergentes, onde a pobreza e a fome provavelmente se espalharão. China e Índia, os dois países mais populosos do planeta, podem sofrer escassez junto com o resto do mundo. No entanto, nenhum deles aplicou sanções à Rússia, que manterá a cadeia de suprimentos em operação.
Nos EUA e na Europa, os preços devem subir, elevando a inflação, que já atingiu o nível mais alto em quatro décadas antes do início da guerra na Ucrânia.
Trigo e petróleo são as commodities no centro da guerra e do isolamento da Rússia do mundo ocidental. O presidente russo Vladimir Putin pode usar grãos, petróleo e gás natural como peões no xadrez geopolítico. O apoio da China só aumenta sua poderosa posição como fornecedora líder de commodities.
Clima em outras regiões de cultivo nunca foi tão importante
As chuvas de abril trazem as flores de maio. Nas planícies férteis dos EUA, os agricultores estarão plantando milho, soja, trigo e outras culturas, cujos preços estão perto ou já atingiram as máximas históricas. No entanto, os produtores do campo estão pagando cada vez mais por fatores como terra, financiamento, mão de obra, fertilizantes, equipamentos, energia e outros insumos, o que contribui para a alta dos preços dos produtos agrícolas. A inflação está provocando uma disparada no custo de produção.
Enquanto isso, a cada ano, o clima determina se as colheitas serão suficientes para atender à crescente demanda mundial. A estiagem ou excesso de chuvas em qualquer região crítica de produção do mundo, capaz de provocar uma queda da produção agrícola nos próximos meses, seria um desastre, dada a situação na Europa.
A escassez de trigo tem uma longa história de desencadear convulsões políticas. A Rússia pode usar a oferta global de trigo como ferramenta política e de retaliação. Com o trigo custando mais de US$11 por bushel e diante da possibilidade de escassez no horizonte, não podemos descartar convulsões civis nos próximos anos.