As reformas econômicas propostas por Donald Trump envolvem três grandes pilares, a saber: (1) aumentos dos gastos, sobretudo em infraestrutura; (2) cortes de impostos e (3) desregulamentação/desburocratização, propiciando melhora do ambiente de negócios. A julgar pela postura do presidente em suas primeiras semanas de mandato, a probabilidade de que essas promessas de campanha também saiam do papel é considerável. A meta, de acordo com o plano de governo, é acelerar o crescimento dos Estados Unidos para 3,5% ao ano em média, com potencial para alcançar 4,0% no longo prazo. O objetivo deste artigo é analisar alguns dos fundamentos da economia americana para julgar se a proposta é razoável ou não.
O primeiro objeto de avaliação é o mercado de trabalho. Os movimentos da oferta e da demanda de mão de obra, com impactos diretos sobre a massa de salários, ajudam a explicar a dinâmica do consumo das famílias: na abertura do PIB pela ótica da demanda, esse componente responde por, aproximadamente, 70% do total, de acordo com as estatísticas do Bureau of Economic Analysis (BEA). Além disso, a taxa de desemprego atual é praticamente igual àquela que equilibra a economia (taxa natural).
É possível imaginar, doravante, que o processo de incorporação de trabalhadores ao processo produtivo será cada vez mais difícil. Todavia, a taxa de participação, ou seja, a parcela das pessoas em idade ativa que fazem parte da força de trabalho, ainda está em níveis historicamente baixos. A última leitura, na série com ajuste sazonal, aponta para 62,9%, valor comparável ao de 1977 e bem mais baixo em relação ao patamar do pré-crise. Podemos interpretar esse indicador como o grau de atratividade do mercado de trabalho para os cidadãos capazes de ofertar mão de obra: na medida em que as contratações ocorrem com frequência e os salários crescem, é natural que mais pessoas desejem trabalhar e vice-versa.
Portanto, existe espaço para que um contingente significativo de trabalhadores ingresse novamente no mercado de trabalho, o que naturalmente aumentaria a disputa entre as firmas por esse fator de produção e, consequentemente, sua remuneração. Um simples exercício mostra que se a taxa de participação atual fosse a mesma da média entre 1988-2008 (66,5%), mais 9,2 milhões de pessoas poderiam ser incorporadas ao processo produtivo.
A medida referente ao hiato do produto, que representa a diferença entre o PIB efetivo e o potencial, ou seja, o total de bens e serviços produzidos pela economia que não gera pressões inflacionárias, ainda é negativo, de acordo com o BEA e o CBO. É importante lembrar que ao longo dos últimos 15 anos, somente em 2006 e 2007 essa variável esteve no campo positivo. Apesar do estreitamento da lacuna desde a crise financeira internacional, o indicador ainda está no campo negativo: -1,3 ponto percentual do PIB. Considerando que a economia americana cresceu 1,6% em 2016, o PIB potencial seria de, aproximadamente, 3,0%.
No que tange aos cortes de impostos, essa estratégia já foi adotada pelo governo George W. Bush em 2001 e 2003. Alguns analistas dizem que a poupança gerada em tais oportunidades não se direcionou para o consumo no primeiro momento, contribuindo para o crescimento econômico, mas sim para a quitação de dívidas. Algumas estatísticas, entretanto, sinalizam que a situação financeira das famílias está muito melhor hoje: a renda disponível comprometida com o pagamento do serviço das dívidas, por exemplo, está em 10%, menor valor da série histórica iniciada em 1980. Já o valor total dos débitos familiares como proporção do PIB está em 79,7%, também o menor valor desde o começo da série, em 2005. Ou seja, nesse caso, o impacto sobre o PIB pode ocorrer, sim, dentro de um horizonte de tempo menor.
Assim como exposto no último artigo, a elevação dos gastos com infraestrutura depende da aprovação do Congresso. É pouco provável, portanto, que as medidas mais significativas sejam chanceladas pela Câmara e pelo Senado antes do ano fiscal de 2018, cujo início se dá em outubro de 2017. Ademais, os trâmites envolvendo as permissões necessárias para o começo das obras devem levar algum tempo.
Em suma, vimos que a economia americana pode crescer acima da média registrada entre 2010 e 2016, de 2,1% ao ano. Entretanto, a sustentação das taxas desejadas por Donald Trump causará desequilíbrios macroeconômicos, sobretudo em função da inflação elevada, o que forçaria o FED a subir as taxas de juros mais rapidamente do que o esperado, fortalecendo o Dólar e prejudicando a expansão do PIB através do setor externo. Acreditamos também na existência de uma defasagem temporal considerável entre o anúncio do plano e dos seus efeitos sobre o lado real da economia. Logo, o ritmo de expansão do nível de atividade não deverá ser maior nos Estados Unidos, especialmente nos dos primeiros anos do mandato de Trump.