Março de 1999. O mercado internacional de açúcar agonizava com os preços oscilando entre 5 e 6 centavos de dólar por libra-peso. Nessa época, uma trading convocava produtores para um importante seminário no Guarujá, litoral de São Paulo. Estupefatos, eles ouviram do principal trader da empresa comercializadora uma longa lista de razões que concluía que o mercado futuro de açúcar caminhava célere e insofismavelmente para os dois centavos. Não, não era piada: eram dois míseros centavos de dólar por libra-peso !! Para colocar esse evento na perspectiva do que isso representava na época, o custo de produção de açúcar equivalente FOB era de aproximadamente 6.50 centavos de dólar por libra-peso e a bolsa de futuros de NY tinha uma posição de contratos em aberto por volta dos 180,000 lotes.
Dois centavos eram um exagero tendo em vista que para continuar moendo sem pagar os fornecedores de cana, a usina teria um custo caixa de 3.84 centavos de dólar por libra-peso. No início de maio daquele ano o açúcar bateu 4.36 centavos de dólar por libra-peso. A consequência de preços baixos foi uma drástica redução na oferta de cana (praticamente 1/6 do canavial que não fora renovado devido ao caixa que sangrara no ano anterior). Um ano após, NY negociava 7.30 centavos de dólar por libra-peso e uma vez confirmada a falta de produto para a safra 2000/2001, o mercado estourou para 11.40 centavos de dólar por libra-peso alguns meses depois.
Os dois centavos nunca ocorreram.
Maio de 2010. O mercado de açúcar em NY negociava 13 centavos de dólar por libra-peso e os humores no Jantar Anual de Gala do Açúcar, no Waldorf Astoria, em NY, estavam bem azedos. A sabedoria que emanava dos gurus de plantão mostrava que o mercado certamente iria buscar os 10 centavos de dólar por libra-peso. Alguns, mais céticos, profetizavam que 8 centavos de dólar por libra-peso era bem possível. O Brasil ia ter uma safra recorde de 560 milhões de toneladas de cana e 34 milhões de toneladas de açúcar. A ATR estava muito acima da ATR do ano anterior. Parece que oito centavos de dólar por libra-peso eram favas contadas. O comprador olhava os preços com desdém. Importadores usavam os estoques no destino antes de pensar em reconstruir suas posições. O que aconteceu depois disso? Chuvas, atraso na moagem, porto congestionado, chuva em Santos por 38 dias, filas quilométricas de caminhões, prêmio explodindo e apenas 100 pregões depois o preço dobrara para 26 centavos de dólar por libra-peso!
Os dez centavos nunca ocorreram.
Fevereiro de 2011. O açúcar bate 36 centavos de dólar por libra-peso. Um gestor de fundos da Ásia afirmava do alto do Monte Olimpo, onde eles vivem às custas de polpudas taxas de administração, que o açúcar iria para 66 centavos de dólar por libra-peso. Usinas ficaram animadíssimas, algumas até pensaram em comprar calls (opções de compra) de 40 centavos de dólar por libra-peso. Ora, por que não? Fortalecia essa convicção o fato de Jim Rogers, lendário investidor, sempre usando sua indefectível gravata borboleta, reverenciado por uma horda de fanáticos, dizer que o açúcar iria para 75 centavos de dólar por libra-peso, o maior preço desde novembro de 1974. O que aconteceu depois disso? Bem, o mercado iniciou uma trajetória de queda, combinada com a desvalorização do real e alcançou 18 centavos (metade, portanto) um ano depois. O maior valor em reais por tonelada (corrigido pela inflação) obtido pelo açúcar VHP equivalente FOB foi de em janeiro de 2010 quando NY negociava 29.90 centavos de dólar por libra-peso e o real estava a 1.8850.
Os 66 centavos de dólar por libra-peso nunca ocorreram.
Maio de 2016. O mesmo cenário do Jantar Anual de Gala do Açúcar. Açúcar negociando 16 centavos de dólar por libra-peso. Um grande comprador que andava pelos corredores carpetados do Waldorf, vaticinava aos quatro cantos que compraria açúcar apenas a 10 centavos de dólar por libra-peso. O que aconteceu depois disso? Bem, o mercado absorveu os fundamentos e, ajudado pelos fundos comprados, bateu 24 centavos de dólar por libra-peso.
A compra de açúcar a 10 centavos de dólar por libra-peso nunca ocorreu.
Agosto de 2017. O mercado fechou a semana a 13.41 centavos de dólar por libra-peso, ligeiramente melhor do que a semana passada. Os fundos aumentaram ainda mais sua posição vendida a descoberto. Agora estão 122.000 contratos vendidos. Adicionaram 38.000 lotes na semana e afundaram o mercado 80 pontos no período. Ou seja, para derrubar o mercado em 1 ponto foram necessárias 24.000 toneladas de venda.
Onde está a vulnerabilidade do mercado: nas mãos de quem está comprado ou nas mãos de quem está vendido? Não é uma resposta fácil. No entanto, por mais que se fabriquem novas e espetaculares notícias ao longo do dia, o grosso das notícias baixistas já estão no sistema há muito tempo. Maior produção de açúcar no Centro-Sul, aumento do superávit, Índia produzindo mais, a vilanização do açúcar responsabilizado pelo aumento da obesidade. (Não, não é porque um turbilhão de famílias sedentárias se entope de hambúrgueres e pizzas, com baldes de refrigerantes…o culpado é o açúcar !!).
Alguns analistas acreditam que ainda exista 20% de fixação a ser feita contra o outubro. Se isso for verdade, 20% sobre 10 milhões de toneladas de cana, que é o volume que estimamos haver ao longo do ano a ser fixado contra esse mês. Usando a mesma proporção do parágrafo anterior, podemos dizer que o chão do mercado é 12.58? Nada disso, hoje alguns gurus falam em 10 centavos de dólar por libra-peso.
Não acreditamos nesse volume de fixação em aberto. E vemos muitas usinas simplesmente virando a chave, ou seja, vão produzir mais etanol porque este remunera 4-6% melhor. O consumo de etanol está subindo. O petróleo fechou bem nesta sexta-feira e aponta – provavelmente – para um ajuste de preços da Petrobrás consequentemente melhorando o etanol. Qualquer faísca no mundo perfeito dos baixistas pode acionar a tomada de lucro por parte dos fundos. O açúcar lidera as perdas no ano (31%) entre as commodities.
Em tempo: o preço mais baixo da história foi em janeiro de 1967 quando o açúcar negociava 1,23 centavos de dólar por libra-peso. O valor ajustado pela inflação americana no período representa hoje 9.01 centavos de dólar por libra-peso. Os 4.36 de maio de 1999 foram mais baixos em valores reais (hoje seriam equivalentes a 6.41).