Perguntas de náufrago
Começo de noite chuvoso em São Paulo. Você está lá no seu Uno 2014, preso no trânsito engarrafado da Nove de Julho. Arranca, pára; arranca, pára. O que não pára é o relógio do painel, que encara você com a medida exata do tempo de sua vida que é desperdiçado naquela procissão vespertina.
O tédio da situação, combinado com o cansaço de um dia de trabalho, transporta seu pensamento para questões existenciais: O que o futuro me reserva? Qual o meu propósito de vida? Tem algo na geladeira para eu jantar ou preciso passar no Extra?
(Não me recrimine: cada um com suas perguntas de náufrago).
De repente... BAM. Parabéns: você acaba de entrar, com seu Uno, na traseira de uma Mercedes novinha em folha.
Ora p..., como é que pode uma coisa dessas?
Foi a cena que presenciei na noite de ontem, a caminho de casa. Ao vê-la, me propus um exercício de alteridade: "qual seria minha reação imediata se fosse eu o cara do Uno?"
A resposta estava na ponta da língua:
Puuuuuta que pariiiu!!!
Passado o momento de consternação, no que pensaria em seguida?
Ainda bem que eu tenho seguro. Se não, tava f...
De qualquer sorte, concluí: dessa vez não foi comigo. Nem com você...
...mas podia ter sido, né?
Que nada, barbudo: aqui é braço; não faço barbeiragem não.
Claro, claro. Essas coisas só acontecem com os outros. Só com os outros.
Quando aperta o botão, o botão aperta
Horas depois, já em casa, fico sabendo que Donald esbarrou no botão vermelho e despejou cinquenta Tomahawks na Síria...
Minutos depois, o telefone começava a vibrar com as mensagens chegando no zapzap: "Vc viu o q aconteceu? O q faço com minhas ações? Hora de fugir p as montanhas?"
Lembrei que eu não tenho um Uno, mas tenho uma carteira de ações. E, involuntariamente, me vi envolvido na colisão do Cadillac One com um Sham (sim, existe um automóvel sírio...).
Como previsto, desceu em mim o Olavão na cena acima imaginada, já antevendo uma sexta-feira daquelas na Bolsa BBB. Trump apertou o botão e, ato contínuo, apertei o meu também: é nessas horas que a gente vê a força do esfíncter.
Então lembrei que, semanas atrás, havia comprado umas opções de venda para proteger meu portfólio. Relaxei (literalmente!), e repeti:
Ainda bem que eu tenho seguro. Se não, tava f...
Agora sim eu sabia como se sentia o cara do Uno.
Calma! Foi só um bombardeiozinho
Num primeiro momento, o mercado panicou. Normal, né? Mas prevaleceu a leitura de que o ataque foi um ato isolado e não que caminhamos a passos largos em direção à guerra total.
Cada um acredita no que quer. Eu acredito que o mercado está tranquilo demais com o que se passa no mundo.
Com isso, atenções se voltaram novamente às questões comezinhas de sempre: dados de emprego dos EUA vieram abaixo do esperado, mas puseram a culpa no clima e o mercado, que tinha ficado mais contente com o número da ADP divulgado dias atrás, desencanou. Mercados lá fora em leve alta.
Do lado de cá, dia positivo com esperanças renovadas em torno da Reforma da Previdência. Bolsa em alta e juros reagem com queda relevante. Vale (SA:VALE5) lembrar: Copom semana que vem.
Jardim das Aflições
Após semanas desfrutando do sono dos justos, voltei a dormir mal nos últimos dias. Aliás, como mencionei anteontem, tenho estado inquieto - o pessoal da equipe já percebeu que estou fora do (meu) normal. O episódio da noite passada veio para coroar minha sensação de mal estar em meio ao verdadeiro Jardim das Aflições que brota ao nosso redor:
No front doméstico, uma Reforma da Previdência que ninguém sabe direito se, como e quando sairá - e tenho para mim que surpresas nas respostas de quaisquer dessas três perguntas podem ser mal recebidas. Enquanto isso, a alcatéia articula para nos impor goela abaixo uma reforma política que visa tão somente mantê-los por lá para sempre. Alguém está pensando no risco de piora do quadro institucional? Isso não cabe em projeção de PIB.
Lá fora, mercados com francos sinais de otimismo exacerbado com planos de Trump - que, por sua vez, tem encontro marcado com problemas de orçamento. O futuro da União Europeia me é uma interrogação. China com as incertezas de sempre.
Aí, para completar... você pode até acreditar, tal qual os investidores gringos, que o que vimos ontem foi one-off. Mas nem assim dá para afirmar que o risco geopolítico hoje é igual ao de ontem. Não é.
Sine qua non
Ontem mesmo me disseram no Twitter: "continua secando [a Bolsa] que uma hora tu acerta".
Pois serei sincero: talvez eu me encaixe bem no papel de profeta do apocalipse - seria a barba? -, mas eu não digo o que digo porque quero, em algum momento, ser o cara que anteviu o próximo cataclisma do capitalismo global.
(Isso não significa que, se porventura acontecer, a gente não vá capitalizar em cima: como muito bem explicado pelo outro louco barbudo , o negócio da Empiricus é puro marketing).
Meu objetivo é evitar que você perca dinheiro. É segurá-lo pela gola quando você, andando distraído, estiver prestes a ser atropelado por uma jamanta.
Talvez você ache que o acaso vai lhe proteger e tema, lá na frente, se arrepender por não ter arriscado mais...
...pois lhe digo: para poder se lamentar lá na frente, você tem que chegar lá vivo.Sine qua non.
Desperte do sono enquanto é tempo
Eu sei que minha insistência em torno de determinados temas irrita. Por favor, não me leve a mal. Eu só quero que você desperte do Sono enquanto é tempo.
Pela enésima vez: i) revise e repense a alocação dos seus investimentos e ii) compre seguros para seu portfólio. Pense menos em retornos; pense mais em controlar riscos. O fato de se dizer "relação risco-retorno" e não "relação retorno-risco" não há de ser fruto do acaso.
Tenha boa parte do capital na renda fixa: conte com a Marília para isso.
Recorra aos clássicos ouro e dólar com ajuda da Luciana.
Para proteções com derivativos, conte com as recomendações do Felipe e os ensinamentos do Bruce.
"Olha lá, ó! Já quer enfiar opções em pessoa física! Derivativos são como armas de destruição em massa!"
A única destruição em massa que vejo é na massa cinzenta de quem sustenta argumento tão pueril.