FGC: Garantia absoluta ou ilusão de segurança?

Publicado 09.05.2025, 09:00

Na coluna deste mês, abordo um tema que tem ganhado destaque nas discussões do mercado financeiro: a segurança oferecida pelo Fundo Garantidor de Créditos (FGC). Criado em 1995 com o objetivo de contribuir para a estabilidade do sistema financeiro nacional, o FGC atua como uma espécie de “seguro” para investidores que aplicam seus recursos em ativos cobertos pela instituição, como CDBs, LCIs, LCAs e contas de poupança. Mas será que podemos confiar plenamente nessa proteção? E o que acontece em um cenário de estresse sistêmico?

Comecemos pelo básico. O FGC é uma entidade privada e sem fins lucrativos, financiada por contribuições mensais das instituições financeiras associadas. Essas contribuições correspondem, em regra, a 0,01% ao mês sobre os saldos médios dos depósitos garantidos. Em momentos de maior estresse, esse percentual pode ser elevado para recompor o patrimônio do Fundo. Os recursos arrecadados são aplicados em títulos públicos federais e outros ativos de alta liquidez e baixo risco. Atualmente, o FGC garante até R$ 250 mil por CPF ou CNPJ por instituição financeira — respeitando um limite global de R$ 1 milhão por período de quatro anos. O prazo começa a contar a partir da data da liquidação ou intervenção da instituição onde o investidor tinha recursos.

Esse limite, embora generoso à primeira vista, leva muitos investidores a um comportamento automatizado: aplicar apenas em produtos “com FGC”, como se isso bastasse. O próprio mercado passou a tratar a cobertura do FGC como um selo de qualidade e segurança. Muitos sequer investigam a saúde financeira da instituição emissora — ignoram rating, liquidez ou indicadores de solvência. Fica a falsa sensação de que, independentemente do risco da instituição, o investidor está protegido. Essa percepção, entretanto, é perigosa!

Quando se observa o volume de depósitos cobertos, a disparidade entre o total garantido e o patrimônio do FGC é gritante. Segundo o relatório mais recente do FGC, de fevereiro de 2025, o volume total de depósitos elegíveis à garantia supera R$ 5 trilhões. No entanto, o valor efetivamente protegido (após aplicados os tetos por CPF/CNPJ e conglomerado) é de aproximadamente R$ 2,4 trilhões. E o patrimônio do FGC? Apenas R$ 140 bilhões ao fim de 2024, ou seja, algo em torno de 2,8% dos depósitos elegíveis e 5,8% do efetivamente protegido.

Na prática, se várias instituições de médio porte quebrarem ao mesmo tempo, o FGC simplesmente não tem recursos para pagar imediatamente todos os investidores. O caso do Banco Master ilustra bem esse ponto. Estima-se que ele tenha encerrado 2024 com cerca de R$ 50 bilhões em depósitos elegíveis — quase 40% de todo o patrimônio do FGC. Ou seja, se outra instituição de porte semelhante quebrasse em seguida, o fundo teria extrema dificuldade em honrar suas garantias no curto prazo.

Mais preocupante que a dificuldade operacional de pagamento, no entanto, é o efeito de confiança sobre o sistema como um todo. A decisão de “permitir” que uma instituição desse porte quebre — mesmo que dentro dos trâmites legais — pode abalar a credibilidade do mercado, especialmente entre investidores de varejo que passaram a acreditar que a cobertura do FGC é infalível. Com isso, a demanda por depósitos de instituições menores pode ser comprometida, o que, por sua vez, afeta diretamente a capacidade de financiamento de parte relevante do sistema financeiro nacional.

Não à toa, surgem comparações com a crise de 2008, quando o colapso do Lehman Brothers expôs a fragilidade das estruturas de proteção e colocou em xeque a noção de “Too Big to Fail”. Naquele episódio, o sistema financeiro global sofreu uma ruptura grave, em boa parte porque se rompeu a expectativa de que grandes instituições jamais seriam deixadas à própria sorte. Em menor escala, um evento similar pode ocorrer localmente quando um banco de médio porte quebra e o investidor percebe que, mesmo com FGC, o resgate pode não ser imediato, ou pior, pode nunca ocorrer plenamente, caso medidas emergenciais falhem.

Por isso, é fundamental discutir não apenas o montante disponível no FGC, mas a mensagem que o mercado recebe quando uma instituição quebra com depósitos garantidos: será que estamos diante de um “Too Big to Fail” brasileiro ou simplesmente diante de um problema estrutural de um fundo que já representa menos de 3% do que promete garantir? É importante entender que o FGC, em cenários extremos, pode recorrer a medidas como empréstimos no mercado ou antecipação de contribuições futuras de instituições associadas. Mas essas soluções levam tempo e dependem de condições de mercado. Em caso de crise sistêmica, o pagamento pode sim ser postergado, parcelado ou atrasado — mesmo que a obrigação legal de pagamento permaneça. E esse é o ponto central da nossa análise: a garantia existe, mas tem limites práticos.

Os grandes bancos, aliás, vêm pressionando por mudanças na estrutura do FGC, argumentando que instituições menores são incentivadas a adotar práticas mais agressivas de captação, pois sabem que a cobertura do FGC é um diferencial competitivo — mesmo que operem com balanços frágeis. Isso cria distorções no mercado e aumenta o risco sistêmico. A ascensão das plataformas de investimento também tem contribuído para aumentar a distribuição de produtos de crédito de instituições menores. 

Outro ponto pouco discutido é o fato de que essa estratégia de proteção pelo FGC não contempla debêntures ou outros instrumentos típicos de crédito corporativo. Ou seja, ao se prender apenas à garantia, o investidor pode limitar suas opções, sem de fato eliminar o risco de crédito e, pior, sem remunerar adequadamente esse risco.

Em resumo, o FGC é uma camada importante de proteção, mas está longe de ser infalível. Em tempos normais, funciona bem. Em tempos de crise, pode não funcionar com a agilidade esperada. Por isso, o investidor precisa ir além do “selo do FGC” e voltar a fazer o dever de casa: analisar o emissor, os termos da aplicação, os riscos envolvidos e, principalmente, não colocar todo o seu colchão de segurança em uma estrutura que depende da solvência futura de um fundo privado. Caro leitor, caso tenha alguma dúvida sobre o tema, estou à disposição para esclarecimentos por e-mail. Até a próxima!

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