Dólar tem leve alta com mercado atento a dados de inflação e geopolítica
Recentemente, escrevi um artigo de título: "Crédito Estruturado no Agro: Uma Ponte Eficiente Entre o Mercado Financeiro e o Campo – Estratégias para Superar Desafios Atuais". Ao fazer a pesquisa sobre o assunto, me deparei com dados tão relevantes que decidi aprofundá-los neste texto.
Estou me referindo ao incrível crescimento dos títulos do agronegócio no mercado de capitais, que se torna ainda mais evidente ao comparar com outros títulos no mesmo período como podemos ver na imagem que segue. Esse movimento demonstra um forte interesse pelo agronegócio brasileiro por parte dos investidores, e em sua maioria, pequenos investidores pessoa física.
Imagem 1. Fonte: Desenvolvido pelo autor, dados da Agência Gov.
O crescimento dos títulos do agronegócio não é apenas expressivo em termos absolutos, mas também se destaca quando comparado a outras modalidades de investimento. O FIAGRO, em particular, tornou-se o principal protagonista desse avanço, registrando um crescimento impressionante de 147% em 12 meses até junho de 2024. Essa marca é significativamente superior a outros instrumentos financeiros tradicionais e até mesmo a outros títulos do próprio agronegócio, como o CRA (26%) e a LCA (12%). Esse dinamismo do FIAGRO, em contraste com o crescimento mais modesto de títulos imobiliários como o CRI (4%), não apenas reforça a tese de que o agronegócio está se consolidando como um dos destinos mais atraentes para o capital privado, mas também evidencia o sucesso da estrutura do FIAGRO em capturar o interesse dos investidores, impulsionado, em grande parte, pelos benefícios fiscais concedidos às pessoas físicas.
A criação dos Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (FIAGROs), instituídos pela Lei nº 14.130 em 2021, marcou um momento decisivo nas finanças do agronegócio. Esses fundos foram especificamente concebidos para ampliar o acesso a ativos relacionados ao agronegócio, estendendo notavelmente as oportunidades a investidores individuais que, anteriormente, possuíam exposição direta limitada. Essencialmente, os FIAGROs atuam como um canal eficiente, conectando o mercado financeiro ao setor agroindustrial e atraindo o capital privado tão necessário.
Mas fica uma pergunta no ar: apesar de todo esse crescimento expressivo, esses recursos estão, de fato, alcançando o produtor rural na ponta da cadeia? Com maior foco nos FIAGROs, tentarei responder a essa pergunta ao longo do texto.
O Crescimento Exponencial dos FIAGROs
A expansão dos FIAGROs tem sido notável. O patrimônio líquido dos fundos duplicou nos 12 meses anteriores a outubro de 2024, atingindo R$ 40,9 bilhões. Essa tendência de alta continuou, com o patrimônio líquido chegando a R$ 41,5 bilhões em dezembro de 2024, um aumento de 19,6% em relação a 2023. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) reportou um crescimento de 315% no patrimônio líquido entre dezembro de 2022 e dezembro de 2024, indo de R$ 10,5 bilhões para R$ 43,7 bilhões.
Imagem 2. Fonte: Desenvolvido pelo autor, dados da CVM.
Outro fator importante que contribuiu para esse crescimento e podemos citar como fator chave, é a participação de investidores individuais, que representam 88% das contribuições em 2021, 82,4% em 2022 e 77,1% em 2023. Apesar da participação ter diminuído nos períodos observados, nunca esteve tão alta e continua expressiva. A criação e o crescimento rápido dos FIAGROs, impulsionados por investidores individuais, indicam uma política para democratizar o acesso aos investimentos no setor. A isenção de imposto de renda para pessoas físicas é um benefício que tornou esses fundos atraentes e acessíveis.
A Estrutura e as Categorias dos FIAGROs
Um FIAGRO é formalmente definido como um tipo de fundo de investimento projetado especificamente para alocar recursos financeiros em ativos diretamente associados ao setor do agronegócio. Sua base legal foi estabelecida pela Lei nº 14.130, promulgada em 2021. A função central de um FIAGRO envolve a captação de capital de uma base diversificada de investidores e o direcionamento estratégico desses fundos para uma ampla gama de ativos de investimento relacionados ao agronegócio.
De acordo com a Resolução CVM nº 39 (e posteriormente a Resolução 214), os FIAGROs são estruturados em três categorias principais para negociação:
- FIAGRO-FIDC (Fundos de Investimento em Direitos Creditórios): Estes fundos são especificamente voltados para a aquisição de direitos creditórios dentro da agroindústria, que são direitos de recebimento de valor futuro de vendas a prazo. Eles funcionam comprando direitos de crédito lastreados em operações do setor agroindustrial e distribuindo os rendimentos provenientes dos juros pagos pelos devedores. Esta categoria é particularmente vital para produtores e empresas agrícolas que necessitam de crédito constante para financiar suas operações, muitas vezes sazonais.
- FIAGRO-FII (Fundos Imobiliários): Estes fundos direcionam investimentos para ativos imobiliários e títulos associados a propriedades rurais. Sua estratégia de investimento pode envolver a aquisição, arrendamento ou venda de propriedades rurais, com foco principal na valorização desses ativos imobiliários e na geração de renda por meio de arrendamentos. Esta categoria detém a maior proporção do patrimônio líquido total no universo FIAGRO (45,3% ou R$ 18,8 bilhões em dezembro de 2024).
- FIAGRO-FIP (Fundos de Investimento em Participações): Esta categoria envolve investimentos em participações societárias em empresas que operam dentro da cadeia agroindustrial mais ampla. Este segmento também detém uma parcela significativa do patrimônio líquido (41% ou R$ 17 bilhões em dezembro de 2024).
Os FIAGROs possuem um mandato amplo, permitindo-lhes investir em uma vasta variedade de ativos, incluindo direitos creditórios, propriedades rurais, diversos valores mobiliários e ações ou cotas de sociedades, desde que estejam intrinsecamente ligadas à cadeia produtiva agroindustrial.
O Dilema do Alcance: Quem Realmente se Beneficia?
Embora a intenção central por trás da criação dos FIAGROs fosse beneficiar particularmente os pequenos e médios produtores , os dados indicam um fluxo predominante de capital para grandes agroindústrias e produtores de commodities de grande escala. Os principais mecanismos de investimento, como os CRAs, que são ativos chave para os FIAGRO-FIDCs, estão frequentemente associados a custos elevados que os tornam proibitivos para pequenos e médios produtores.
Exemplos práticos de apoio direto incluem a aquisição de recebíveis de produtores rurais. O programa CNA FIAGRO, uma iniciativa colaborativa com a Assistência Técnica e Gerencial (ATeG) do Senar, visa especificamente pequenos e médios produtores. Este programa busca reduzir entraves burocráticos e exigências de garantias, oferecendo prazos de pagamento de até 12 meses. Mudanças regulatórias recentes da CVM também facilitaram a constituição de FIAGROs por cooperativas agrícolas, permitindo que os fundos sejam canalizados diretamente de volta para os membros.
Apesar dos objetivos declarados de amplo acesso, pequenos e médios produtores continuam a enfrentar desafios substanciais, como excesso de burocracia, exigências rigorosas de garantias e falta de informações claras sobre as opções de financiamento. A modalidade FIAGRO-FIP, que teoricamente poderia facilitar investimentos de capital direto em agronegócios menores, permanece subutilizada, em parte devido à dicotomia histórica entre "grande vs. pequeno produtor" e à necessidade de profissionais experientes para guiar o complexo processo de formalização.
A análise das alocações atuais indica que os principais tomadores de recursos são frequentemente grandes agroindústrias em setores como insumos agrícolas, frigoríficos e produção de açúcar e etanol. O foco consistente em grandes commodities agrícolas, como soja, milho, cana-de-açúcar e carne, como os negócios subjacentes aos empréstimos , indica fortemente uma preferência pelo financiamento de operações agrícolas em larga escala, muitas vezes orientadas para a exportação.
Perspectivas Regulatórias e Tendências Futuras
A CVM mantém seu compromisso em fortalecer a presença do agronegócio nos mercados de capitais, reconhecendo sua importância estratégica para a economia nacional. Desenvolvimentos regulatórios futuros devem incluir disposições que permitam o investimento direto em Cédulas do Produto Rural (CPRs). Essa mudança regulatória visa contornar a estrutura de CRA mais complexa e custosa, aumentando assim o acesso direto ao capital para produtores menores.
A potencial criação de FIAGROs "multimercado", que permitiriam a diversificação em várias classes de ativos, incluindo AgTechs e venture capital, poderia beneficiar ainda mais os players menores e inovadores dentro do ecossistema do agronegócio. Além de seu papel na provisão de capital, os FIAGROs estão se consolidando como uma força significativa para a modernização e formalização no setor do agronegócio. Ao exigir padrões mais elevados de governança e transparência, eles incentivam ativamente produtores e empresas a adotarem práticas de gestão mais sofisticadas.
Em conclusão, os FIAGROs obtiveram sucesso inequívoco ao injetar capital substancial no setor do agronegócio brasileiro, demonstrando confiança robusta dos investidores e um forte apetite por ativos agropecuários. Embora a intenção declarada dos FIAGROs inclua proporcionar acesso a pequenos e médios produtores, o fluxo predominante de capital tende a ser direcionado a grandes agroindústrias e produtores de commodities estabelecidos. É crucial ressaltar que o acesso direto para pequenos e médios produtores é facilitado principalmente por meio de iniciativas específicas e direcionadas, como o programa CNA FIAGRO e modelos liderados por cooperativas. O sucesso e a sustentabilidade de longo prazo dos FIAGROs dependerão de sua capacidade de equilibrar a geração de retornos atraentes para os investidores com a promoção de um desenvolvimento sustentável e equitativo em toda a cadeia agroindustrial.
Quem entende o agro, entende o futuro.
Bons investimentos.