Tela azul
Muito provavelmente você já ouviu falar em anos-luz. E, tão provavelmente quanto, já deve ter se deparado com pessoas pensando que o ano-luz seja uma unidade de tempo.
O ano-luz é uma unidade de comprimento usada para expressar distâncias de proporções astronômicas. É definida pela União Astronômica Internacional como a distância que a luz percorre, no vácuo, ao longo de um ano juliano.
Considerando que o ano juliano tem 365,25 dias e que a velocidade da luz é de aproximadamente 300 milhões de metros por segundo, conclui-se que 1 ano-luz equivale a cerca de 9,5 trilhões de quilômetros.
À primeira vista, parece uma grandeza de fundir a cuca. Mas calma: o valor de mercado combinado de todas as empresas da Bolsa de Nova York era, em janeiro último, da ordem de 22 trilhões de dólares. O corpo humano tem cerca de 36 trilhões de células...
...e a quantidade de números existentes entre, digamos, zero e um, é infinita - esta, sim, uma noção capaz de provocar tela azul em qualquer mortal que nela fique tempo demais pensando.
Não tão simples quanto parece
Hoje, mais cedo, vieram me perguntar no Instagram quanto era, para mim, curto prazo, médio prazo e longo prazo.
Certamente o inquirente esperava uma resposta simples. E juro que tentei.
Pensei com meus botões: ok, até 1 ano é curto prazo. Mais de 5 anos, é longo. Médio prazo, o que está entre curto e longo.
Mas se assim for, o que são 10 anos? 20? 50? Sejamos sinceros: 5 anos são um piscar de olhos. Nosso planeta tem 4,5 bilhões de anos. Se eu condensar curto, médio e longo prazo num horizonte tão curto, o resto é o que?
Então eu me dei conta de que, tal qual ano-luz não é unidade de tempo, as noções de curto e longo prazo pouco têm a ver com o andar dos dias.
Poeira do tempo
Não foi preciso muito esforço para viajar quase vinte anos no tempo e retornar às carteiras da graduação de economia. Confesso que, às vezes, parece que foi ontem.
Tal qual os demais alunos, fui exposto a modelos clássicos de micro e macroeconomia; abstrações cuja finalidade é tentar explicar determinados aspectos da realidade.
Naquele contexto, as noções de curto e longo prazo - tal qual o conceito de ano-luz - eram traiçoeiras: nada tinham a ver com decurso temporal, mas sim com abordagem.
Grosseiramente falando, a visão do "curto prazo" é aquela onde uma variável efetivamente varia e as demais, para fins de análise, são tidas como constantes (o famoso ceteris paribus). Por exemplo: no curto prazo, a oferta de um determinado bem é considerada fixa - pois fábricas não surgem ou desaparecem instantaneamente para aumentar/diminuir a oferta -, ao passo que a demanda pode variar.
Já o longo prazo é o campo teórico onde todas as variáveis estão sujeitas a mudanças. A oferta pode aumentar; a demanda pode diminuir, etc.
Como se sai de um e se chega no outro é uma pergunta da qual a teoria não se ocupa, simplesmente porque a resposta não tem aplicação ao estudo proposto.
Trazendo a(lguma?) luz
Viajei no tempo e no espaço para relembrar dessa passagem de meus tempos de aluno.
Aliás, equivoca-se quem pensa que "aluno" é "aquele que não tem luz". A palavra vem de alumnus, que é a criança recém-nascida.
Eu, pelo contrário, trago alguma luz à questão que me foi apresentada - ainda que, certamente, não tão forte quanto você provavelmente gostaria.
Minha humilde conclusão é que as noções de curto e longo prazo não têm diretamente a ver com horizontes de tempo definidos, mas com a predominância de determinados fatores sobre as teses de investimento.
Parece abstrato? Parece, porque é. Mas eu vou explicar.
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Horizonte visível
Quando nos referimos ao curto prazo de uma tese de investimento, o que realmente queremos apontar é o horizonte temporal no qual predominam sobre tal tese as influências de fatores conjunturais. Por "conjuntural", entende-se aquilo que é volúvel, passível de idas e vindas, que representa um desvio - mas não uma quebra - de tendência.
Juros acima do nível de equilíbrio da economia acontecem, mas são passageiros. Temores em relação ao comportamento futuro de alguma variável econômica sempre se fazem, em maior ou menor medida, presentes, mas com direções e intensidades cambiantes. Problemas em cadeias de suprimento podem provocar a escassez de determinados produtos no mercado a curto prazo, mas isto tende a se normalizar a tempo e horas. Mudanças de temperatura no jogo político influenciam
os mercados: ora positiva, ora negativamente, em maior ou menor intensidade para diferentes setores.
Conjuntura é o que a gente enxerga no horizonte visível.
Para além do que os olhos vêem
O mundo do longo prazo, por sua vez, é aquele onde prevalecem os fatores estruturais, verdadeira expressão do que se busca compreender. Ainda que desprovidos de qualquer compromisso com a imutabilidade, os fatores estruturais são aqueles percebidos como os que se desvelam para além do curto prazo.
Um canetaço do governo pode abalar o setor de saúde no curto prazo, mas não muda a tendência estrutural de envelhecimento da população; uma conjuntura econômica desfavorável (ou um generoso programa governametal) pode culminar em maus (ou bons) resultados para o varejo, mas não muda o fato de existirem mudanças seculares em padrões de consumo que favorecerão (ou prejudicarão) determinadas categorias de produtos e canais de distribuição. Um excesso de estoques de níquel na Bolsa de Metais de Londres pode empurrar as cotações do metal para baixo, mas não muda a realidade estrutural da crescente demanda por baterias.
Na ausência de ruídos, para qual direção aquilo converge? Eis a tendência estrutural.
Sucessão ou transcendência
Parabenizo você que chegou até aqui: muitos, a essa altura, já devem ter desistido deste artigo.
Juro, aliás, que nenhuma substância psicoativa foi consumida para redação do mesmo: se o que estou dizendo hoje não ressoa em você, apenas aguarde. Um dia, possivelmente, fará algum sentido.
A pergunta, a essa altura, deve ser em que horizonte temporal estrutura sobrepuja conjuntura. A resposta objetiva é: só enxergamos depois que aconteceu. Como em diversas outras circunstâncias, a correta compreensão humana, neste caso, só é capaz em retrospectiva.
É da nossa reiterada releitura do que já se passou que emerge nossa compreensão do que é meio invariável em meio à variabilidade, ao caos, à aleatoriedade e tudo mais que faz o hoje.
Engana-se quem pensa que o longo prazo é uma sucessão de curtos prazos: ele não sucede, mas sim transcende.
O tempo perfeito
Concluo com um necessário epílogo.
Faltou falar do famigerado "médio-longo prazo".
Este, tão batido no mercado, é o tempo favorito do vendedor: longínquo o bastante para exonerá-lo de cobranças; curto o bastante para instigar, hoje, a venda de alguma coisa.
Afinal de contas, as contas vincendas são estruturais, mas infelizmente não estão no longo prazo.