Goldman lista 2 razões pelas quais o ouro pode ultrapassar sua previsão de US$ 4.000
*Com Décio Baptista Santos
É apenas uma questão de tempo para que os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) alcancem o primeiro trilhão em patrimônio no Brasil. Mais do que um marco numérico, esse avanço representará um teste de responsabilidade para o mercado de capitais.
Nos últimos anos, os FIDCs se consolidaram como um dos instrumentos mais relevantes para o financiamento corporativo no país. O movimento foi impulsionado por uma combinação de fatores: empresas em busca de novas fontes de crédito e investidores mais maduros e dispostos a diversificar sua alocação. Soma-se a isso uma rentabilidade consistente, bastante atrativa em comparação a benchmarks tradicionais como o Ibovespa e o CDI.
Segundo a Anbima, em 2024, o patrimônio dos FIDCs ultrapassou pela primeira vez o dos fundos de ações. Em 2025, o volume já se aproxima de R$ 700 bilhões, mantendo a categoria entre os líderes de captação, atrás apenas das debêntures. Os números confirmam que a migração do crédito bancário para o mercado de capitais é uma tendência estrutural.
Esse avanço ocorre em paralelo a mudanças regulatórias relevantes. A Resolução 175 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) permitiu que investidores de varejo tenham acesso direto aos FIDCs e, como contrapartida, tornou obrigatória a contratação de rating nesses fundos. O objetivo é oferecer uma camada adicional de proteção, exigindo avaliação independente do risco de crédito.
Para veículos destinados a investidores qualificados e profissionais, a contratação da classificação passou a ser voluntária. A mudança reflete o entendimento de que esse público já possui experiência e estrutura para avaliar riscos de forma autônoma. Mesmo assim, muitos investidores institucionais, como os fundos de pensão, só aplicam recursos em produtos que contem com essa certificação, ainda que não exista obrigação regulatória.
Embora haja dúvidas sobre o impacto do rating na rentabilidade, o custo associado é reduzido quando comparado ao ganho em transparência e segurança. A classificação oferece ao investidor uma referência objetiva para mensurar o risco do fundo e calibrar sua expectativa de retorno.
Os efeitos, no entanto, não se limitam ao investidor. Para originadores e estruturadores, o rating também se mostra uma ferramenta estratégica, com reflexos práticos na própria mesa de negociação. Ao sinalizar consistência, resultado e governança, a nota de crédito influencia diretamente as condições de captação e pode ter impacto real sobre o resultado financeiro de um fundo. Em um caso recente, após a elevação de nota, um originador conseguiu renegociar condições com investidores, reduzindo em 0,5 ponto percentual a taxa de juros paga. A economia, superior a R$ 1 milhão, foi reinvestida na expansão das operações. Sem a referência de uma avaliação independente, dificilmente esse espaço para ajuste teria se aberto.
Apesar da evolução, ainda são poucos os FIDCs direcionados ao varejo. A maior parte dos investidores que desejam se expor ao crédito estruturado o faz de forma indireta, por meio de Fundos de Investimento em Cotas Multimercado (FIC-FIM). Esses veículos são considerados investidores profissionais, mas têm o varejo com ponta final. Mesmo assim, não há exigência de rating, o que pode levar investidores menos sofisticados a assumir riscos sem a transparência adicional que a classificação oferece. Esse é um ponto de atenção importante para o futuro do setor.
O caminho para o primeiro trilhão, portanto, não dependerá apenas da expansão do crédito. Será fundamental o fortalecimento da governança, com aprimoramento das práticas de originação, pulverização e monitoramento de risco. Transparência nos dados, consistência nos relatórios e adaptação às mudanças do mercado de crédito serão fatores decisivos para atrair novos aportes.
Os FIDCs têm se mostrado instrumentos estratégicos tanto para empresas que buscam financiamento quanto para investidores em busca de retorno. Mas o crescimento sustentável exige responsabilidade. Se, de um lado, o primeiro trilhão será motivo de comemoração, de outro, o mercado precisará assegurar que esse avanço venha acompanhado de disciplina e confiança. Só assim os FIDCs consolidarão seu papel como um dos pilares do mercado de capitais brasileiro.
*Décio Baptista Santos é sócio-fundador da Liberum Ratings Serviços Financeiros