Talvez você não se lembre - ou não tenha idade para lembrar - mas um famoso comercial de bebida alcoólica dos anos 80 viralizou, ainda nos tempos anteriores à internet, a seguinte frase: “Eu sou você, amanhã”. Na propaganda, o assunto era ressaca. No dia a dia, o risco de um “efeito Orloff” ganhou o sentido de alerta de algo grave que pode vir a acontecer.
No caso da guerra tecnológica transvestida na guerra comercial entre Estados Unidos e China, a conversa se dá entre Huawei e Nvidia (NASDAQ:NVDA). Ainda que, assim como no mundo da TV, qualquer semelhança entre o destino recente da fabricante chinesa e o futuro próximo da big tech seja mera coincidência, os sinais não devem ser ignorados.
Ainda mais depois de a Nvidia superar a marca de US$ 3 trilhões em valor de mercado e desbancar a Apple (NASDAQ:AAPL) como a segunda empresa mais valiosa dos EUA, ficando atrás apenas da Microsoft (NASDAQ:MSFT). Nos últimos cinco anos, as ações da companhia que têm sido o garoto-propaganda da inteligência artificial (IA) dispararam mais de 3.000%.
Porém, como já dito, a fabricante de chips avançados está navegando em meio à tensão geopolítica entre EUA e China sob o risco de naufragar se não souber remar contra a maré.
Os próprios executivos da Nvidia reconhecem que a receita no mercado chinês caiu forte devido às restrições de exportação impostas por Washington em outubro passado.
Desde então, os principais chips fabricados pela empresa americana, o H800 e o A800, foram banidos da China devido às sanções da Casa Branca. Outras linhas de produtos avançados, como H100 e B100, também foram banidas. Já o produto top de linha, o H20, está sendo vendido a um preço abaixo do Ascend 910B da Huawei no mercado chinês.
“Trata-se de uma redução drástica na margem”, disse à Reuters Dylan Patel, fundador do grupo de pesquisa SemiAnalysis, citado pelo Asia Financial. Para se ter uma ideia, antes das restrições, a Nvidia detinha mais de 90% de participação do mercado chinês, tendo lançado chips feitos sob medida para a China ao final do ano passado.
Agora, porém, o desempenho financeiro pode ser ainda mais pressionado diante da decisão de Pequim de obrigar as empresas a comprar chips Made in China. Ou seja, trata-se de um mercado que tende a ser cada vez mais competitivo. Segundo a empresa chinesa de pesquisa de mercado CCID Consulting, a participação global da China na indústria de IA deve exceder 30% em 2035.
Recordar é viver
Qualquer semelhança com o que aconteceu há poucos anos com a Huawei na disputa pelo domínio da tecnologia 5G não é mera coincidência. E, sim, nesse caso, você deve se lembrar.
A China percebeu o potencial do 5G há mais de uma década. Ainda no 13º plano quinquenal chinês, válido de 2016 a 2020, o governo descreveu essa tecnologia como uma “indústria emergente estratégica” e prometeu avanços na rede móvel de quinta geração para se tornar líder global em manufatura.
Quando os EUA se deram conta, tardiamente, que haviam ficado para trás nessa disputa, perdendo pela primeira vez para um país em desenvolvimento, restavam apenas duas alternativas. Aceitar a vitória do adversário em Pequim ou impor obstáculos para que essa tecnologia de ponta extrapolasse as fronteiras chinesas.
Em um golpe baixo, o então governo Trump adicionou a Huawei à “lista negra” da Casa Branca, sob a alegação de preocupações relacionadas à segurança nacional. Com a proibição, a empresa chinesa não podia operar no território dos EUA e ficava impedida de fazer negócios, bem como comprar e vender equipamentos, com empresas americanas.
A decisão ocorreu em 2019 e foi estendida já durante o governo Biden, mantendo a Huawei na lista de bloqueio comercial dos EUA (Entity List). Além disso, Washington fez lobby pelo mundo por meio da campanha “Rede Limpa” (Clean Network) para impedir a construção de redes móveis de quinta geração com equipamentos de origem chinesa. A influência teve êxito em vários países, desde o Reino Unido até a Austrália - mas não no Brasil.
Ainda assim, as consequências são visíveis até os dias de hoje. Em um evento recente sobre o lançamento de produtos, realizado em São Paulo, a Huawei concentrou-se em anunciar o design inovador e as funções do novo smartwatch e fones sem fio (buds).
Foi algo bem diferente do visto anos atrás, antes da pandemia, quando a linha de negócios voltada aos consumidores expôs seus smartphones top de linha em um espaço com a presença de influenciadores digitais para experimentações que pareciam cenas de filme de ficção científica.
‘Efeito Orloff’
Na ocasião do 5G, “os americanos estavam desesperados em boicotar uma tecnologia que nem eles tinham”, disse-me à época o economista Paulo Gala. Agora, ele explica, as sanções mais recentes impostas pelos EUA visam limitar a capacidade da China de “subir até os degraus mais altos” da “escala tecnológica” e avançar na sofisticação produtiva.
Porém, o fogo amigo vem de Washington e o tiro pode sair pela culatra, atingindo a Nvidia - e não mais a Huawei ou outras fabricantes chinesas. Aliás, qualquer semelhança com o que aconteceu com a venda de smartphones da marca da maçã entre os consumidores asiáticos não é mera coincidência.
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