Na coluna de hoje, vou falar sobre a abertura de capital (IPO) da construtora e incorporadora Moura Dubeux.
Direto ao ponto
As empresas de capital aberto estão aproveitando o mercado de alta na Bolsa, com aumento do interesse dos investidores pelo investimento em ações.
O momento é tão único para o setor que para este ano já temos o IPO de duas empresas, Mitre e Moura Dubeux, além de notícias de que outras construtoras e incorporadoras também estariam interessadas em abrir capital.
Duas semanas atrás, comentei sobre o IPO da Mitre. Minha recomendação foi participar da oferta. Agora, analiso o caso da Moura Dubeux. Entretanto, o bom momento do setor de construção civil no país não significa liberdade para escolher qualquer empresa do setor.
A proposta e os números apresentados pela empresa não me convenceram. A minha recomendação é NÃO participar da oferta.
Os principais motivos para ficar de fora do IPO da Moura Dubeux são:
i. quase todos os recursos (90%) serão utilizados para reduzir o elevado nível de endividamento da companhia, cuja relação dívida líquida/patrimônio líquido está em 9,3x;
ii. a empresa possui um estoque concluído elevado de R$ 325 milhões e um alto nível de cancelamento de vendas, com provisão de R$ 153 milhões para distratos.
iii. menor exposição aos segmentos de renda média e alta renda (menos que 30% do banco de terrenos).
Perfil da incorporadora Moura Dubeux
A Moura Dubeux é a maior incorporadora da região Nordeste, com forte presença no segmento de edifícios de luxo, voltados para clientes de alta renda. Com sede em Recife (PE), ela é a primeira em market share nessa cidade. Também ocupa a liderança em Fortaleza e em Natal, e é uma das primeiras em Salvador. Por meio da sua marca Beach Class, ela atua no mercado de flats, hotéis e resorts, chamados de “Segunda Residência”. Além disso, também vende produtos econômicos voltados para a renda média, por meio da sua marca Vivex.
A companhia destaca seis pontos fortes que a diferenciam no mercado de construção civil, em especial na região Nordeste:
Experiência na região Nordeste: os 36 anos de atuação asseguram um conhecimento amplo da área, fator fundamental para o sucesso no mercado imobiliário;
Reconhecimento de marca e satisfação dos clientes: ela possui uma marca poderosa e reconhecida. Sua boa reputação a fez receber prêmios regionais de Melhor Marca de Construtora;
Flexibilidade e agilidade para expandir estoque de terrenos: a Moura Dubeux estima que o seu landbank atual corresponde a um VGV líquido de R$ 3,6 bilhões. Ela pretende desenvolvê-lo totalmente nos próximos dois anos;
Experiência para atuar em segmentos variados do mercado.
Vantagem competitiva
A principal vantagem competitiva da Moura Dubeux é ser a maior incorporadora da região Nordeste, que é o segundo maior mercado imobiliário do Brasil. A empresa tem um banco de terrenos com potencial de lançamentos de R$ 3,6 bilhões em Valor Geral de Vendas (VGV).
O poder e reconhecimento da sua marca, derivados de seus 36 anos de atuação local, também é um diferencial.
Detalhes da oferta
O IPO da Moura Dubeux apresenta quatro possíveis estruturas.
Nesta oferta inicial de ações, há a possibilidade de acréscimo de ações adicionais e suplementares, a ser definido pela Companhia em comum acordo com os Coordenadores da Oferta.
Oferta primária
Serão ofertadas 51.150.895 de ações ordinárias na oferta primária inicial. Esse montante equivale à totalidade das ações a serem vendidas no mercado.
Oferta secundária
Não haverá oferta secundária de ações, mesmo na hipótese de ofertas adicionais via Lote Adicional e Suplementar.
As possíveis estruturas são apresentadas abaixo:
Em todos os cenários possíveis, a oferta primária representará o total da oferta. Isso significa que nenhum dos acionistas atuais irá vender suas posições e todo recurso líquido levantado será destinado ao caixa da Companhia.
O preço por ação estará situado na faixa indicativa entre R$ 17,00 e R$ 21,00, podendo, porém, ser fixado acima ou abaixo desses valores.
Considerando o preço médio de R$ 19,00, a Moura Dubeux estima, segundo o Prospecto, que os recursos líquidos provenientes da Oferta Primária serão de aproximadamente R$ 900 milhões, considerando comissões e despesas de estruturação do IPO e desconsiderando o acréscimo de ações adicionais e suplementares.
Uso dos recursos
Os recursos líquidos provenientes da Oferta Primária serão destinados para:
Redução do nível de endividamento – 90%
Reforço de caixa – 10%
A dívida bruta no final do terceiro trimestre de 2019 é de R$ 1,155 bilhão com nível de caixa de aproximadamente R$ 29 milhões.
Riscos
Como a empresa utilizará quase a totalidade dos recursos captados para reduzir dívida, a sua capacidade de expansão e realizar novos lançamento fica em xeque. Consequentemente, o crescimento do nível de rentabilidade (ROE) pode ficar limitado.
Cronograma da Oferta
Análise financeira
A receita líquida deverá atingir R$ 401 milhões em 2019, R$ 500 milhões em 2020 e R$ 650 milhões em 2021, crescimento de 62% em dois anos.
Devido ao alto endividamento da Moura Dubeux, o resultado financeiro foi negativo em R$ 134,4 milhões de janeiro a setembro de 2019 (R$ 101,1 milhões de prejuízo no mesmo período de 2018), o que afetou bastante o resultado líquido da companhia.
Projeto lucro líquido de R$ 70 milhões em 2020 e de R$ 99 milhões em 2021, revertendo os prejuízos acumulados no passado.
Com a entrada de R$ 904 milhões no caixa da companhia e com o aumento do patrimônio líquido para R$ 1.025 milhões, projeto retorno sobre o patrimônio líquido médio (ROAE) de 6% em 2020 e de 8% em 2021.
Valuation
Na faixa do intervalo de preço da oferta de R$ 17,00 a R$ 21,00, o valor da oferta, sem lote adicional e suplementar, ficará entre R$ 879 milhões e R$ 1,074 bilhão.
O valor de mercado da Moura Dubeux ficará na faixa de R$ 1,324 bilhão a R$ 1,636 bilhão (R$ 1,629 bilhão a R$ 2,01 bilhões se houver lotes suplementar e adicional).
O múltiplo preço/valor patrimonial da ação (P/VPA) da Moura Dubeux varia de 1,3x a 1,6x conforme a faixa de preço da oferta.
As incorporadoras de São Paulo já listadas mais comparáveis à Moura Dubeux são EZTec e Trisul (SA:TRIS3). Ambas têm forte posição no segmento de média renda em São Paulo. Suas ações estão sendo negociadas a múltiplos P/VPA de 3,5x e 3,0x, respectivamente.
Preço alvo
O múltiplo de mercado mais utilizado para as empresas de construção civil é o P/VPA (Preço sobre Valor Patrimonial por Ação).
Existe uma relação direta entre o retorno sobre o patrimônio líquido (ROE) da Moura Dubeux e o seu múltiplo P/VPA, quanto mais alto o ROE, maior o múltiplo P/VPA.
Eu utilizei o modelo de Gordon para calcular o ROE implícito no preço das ações da Moura Dubeux e, também, calculei o preço justo das ações da empresa ao considerar o ROE sustentável de longo prazo.
Na faixa de preço de R$ 17,00 a R$ 21,00 por ação da Moura Dubeux, o múltiplo P/VPA varia de 1,3x a 1,6x, com ROE implícito de 10,9% a 12,9%.
As premissas utilizadas são as seguintes: custo de capital próprio (Ke) de 9% ao ano em termos reais (acima da inflação) e crescimento (g) de 2,5% ao ano, também em termos reais.
Acredito que a empresa terá dificuldades em alcançar uma rentabilidade (ROE) sustentável superior ao patamar de 13%, que é o que projetamos para 2021. Caso tal marca seja alcançada, o preço justo seria de R$ 21,26, em linha com a faixa superior de preço de R$ 21 por ação, sem potencial de valorização para a ação.
Apesar do desconto no múltiplo P/VPA da Moura Dubeux (1,3x a 1,6x) comparados com 3,5x da EZTec e de 3,0x da Trisul (SA:TRIS3), acredito que a relação risco retorno não é favorável para entrada no IPO da incorporadora.
Conclusão
Continuo gostando da exposição ao setor de construção civil, mas com características diferentes das apresentadas pela empresa. Acredito que o melhor mercado está localizado na região de São Paulo por conta da velocidade de recuperação que vem apresentando. Além disso, tenho preferência pelo nicho de alto padrão de moradias primárias, enquanto a Moura Dubeux tem exposição ao mercado de média renda e de segunda residência.
A minha recomendação é NÃO participar da oferta de IPO da Moura Dubeux.
Os principais pontos da tese de investimento para não comprar as ações são:
i. quase todos os recursos (90%) serão utilizados para reduzir o elevado nível de endividamento da companhia, com relação dívida líquida/patrimônio líquido de 9,3x;
ii. a empresa possui elevado nível de estoque concluído (R$ 325 milhões) e alto nível de cancelamento de vendas, com provisão para distratos de R$ 153 milhões.
iii. menor exposição ao segmento de média e alta renda (menos que 30% do banco de terrenos).
Os principais riscos associados são: alto nível de endividamento, elevado nível de cancelamento de vendas e manutenção do baixo nível atual de rentabilidade (ROE).