Moedas virtuais completamente anônimas podem incomodar muita gente – elas tornam fácil transferir quantidades de dinheiro de maneira digital e não-rastreável. Antes de sua emergência, a única maneira de fazer transações não-rastreáveis – sem uso de terceiros e esquemas complexos como os operados por doleiros – passam pelo o uso de ativos físicos, como objetos de ouro e malas de dinheiro. Com o advento dos criptoativos, a lavagem de dinheiro e diversas atividades ilícitas são facilitadas pelas Privacy Coins. Espera-se que governos, que são eventualmente contrários a essas atividades, tratem-nas diferentemente dos demais criptoativos, mesmo os interessados em ter políticas favoráveis às criptomoedas.
Esse é o caso do Japão, cuja autoridade financeira (FSA) pediu às exchanges reguladas para retirarem Dash, Monero e ZCash de suas listas. Essas três moedas têm como proposta – parcial ou total – possibilitarem que transações entre diferentes carteiras não sejam rastreáveis; nesse caso, o pesadelo de governos se torna realidade. Há relatórios sugerindo que criminosos já adotam essas tecnologias para evasão de recursos e outras atividades proibidas. Os governos agem conforme o esperado, trazendo a confirmação de perspectivas pessimistas para os investidores nessas moedas.
Não é pouco discutida na literatura acadêmica o potencial de governos asfixiarem o uso de criptoativos. O Japão estar focando nos agentes mais centralizadores e porta de entrada para o mercado – exchanges – é uma maneira de reduzir o custo de impor suas políticas. Isso revela, no entanto, que a ideia de retirar de circulação uma criptomoeda anônima pode ter algumas barreiras técnicas futuramente. Com o desenvolvimento de exchanges descentralizadas e outras evoluções, possivelmente os governos não terão organizações para pressionar tão diretamente. Nesse caso caberiam punições com maior capilaridade e, portanto, maior dificuldade.
Entretanto, o ponto mais crítico é a revelação de governos agirão diferenciadamente entre criptoativos. Isso é particularmente um desafio para plataformas baseadas em algoritmos de Proof-of-Stake. Conforme já disse aqui, essas redes podem facilmente sofrer ataques se a sua destruição interessar a players suficientemente grandes, exatamente como governos. No caso de uma plataforma sediar aplicativos descentralizados que possam desagradar um governo, a atitude do Japão mostra que possivelmente não haverá muitas ressalvas a talvez pressioná-la para a retirada desses projetos.
Concluo que essa medida japonesa, justamente por ter vindo de um país que não é exatamente dos mais contrários ao uso de criptoativos, acende um alerta amarelo aos interessados em risco. Ainda é cedo para afirmar que o Proof-of-Stake será usado para ataques governamentais – até porque ainda não há violações causadas por redes como Ethereum, NEO e similares – porém ao se tratar de censura, há duas condições para ela ocorrer: alguém querer censurar e este alguém poder censurar. Não há como conter a sanha de um eventual governante censurar uma aplicação qualquer, porém há como tentar impedir a possibilidade disso. Plataformas de aplicativos descentralizados que querem manter seus usos potenciais independentes de governos devem se preocupar com isso, portanto.
O debate sobre resistência a censura é importante para investidores porque a comunidade de desenvolvedores não necessariamente é controlável. Aplicações surgirão e suas consequências não são triviais politicamente. Particularmente, creio esse risco de takeover hostil – ataque de 51% na moeda baseada em Proof-of-Stake – nas plataformas de aplicativos descentralizados não se realizará, porém é uma possibilidade que se desenha. Esse risco de “cryptodefault” é baixo, porém existe e devemos ficar atentos.