Jason Crawford é um autor focado em história da tecnologia. Ele está habituado a olhar para o passado em um campo onde o valor é colocado na capacidade de prever o futuro. Ele percebeu um detalhe óbvio, ainda ignorado por muita gente boa, e que faz toda a diferença: é quase impossível prever o futuro.
A boa notícia é que existe uma segunda melhor alternativa: buscar entender o presente antes da maioria das pessoas, que ainda está vivendo no passado. Confuso? Parece que estamos presos em um episódio da série “Dark” com suas viagens temporais intermináveis? Veja se o exemplo a seguir é capaz de esclarecer melhor esta ideia.
No livro “The Making of the Atomic Bomb”, de Richard Rhodes, há uma descrição de fatos acontecidos na década de 1930: (1) Hitler tornou-se chanceler da Alemanha em janeiro de 1933; (2) no final de março daquele ano, juízes e advogados judeus começaram a ser impedidos de trabalhar; (3) no primeiro final de semana de abril iniciou-se um boicote nacional a negócios comandados por judeus; e (4) eles começaram então a ser perseguidos e agredidos nas ruas por simpatizantes do nazismo. Leó Szilárd, um físico nuclear húngaro depois naturalizado americano, comentou: “Peguei um trem de Berlim para Viena em uma certa data, perto de primeiro de abril de 1933. O trem estava vazio. O mesmo trem no dia seguinte estava superlotado, foi parado na fronteira, as pessoas tiveram que sair e foram interrogadas pelos nazistas. Isso só mostra que, se você quiser ter sucesso neste mundo, não precisa ser muito mais inteligente do que as outras pessoas, basta estar um dia adiantado”.
Claro, estar sempre na frente da multidão ainda parece algo difícil de se fazer. Mas, existem comportamentos que podem nos ajudar. Primeiro, pense de modo crítico. Se você só acredita no que é aceito pela maioria das pessoas (ou, ainda mais comum, pela maioria das pessoas em uma pequena “bolha” de pessoas que pensam parecido), estará fadado a sempre ficar para trás em um mundo em constante transformação.
Procure e ouça outros pensadores independentes. Ninguém consegue prestar atenção a tudo que está acontecendo em todas as áreas. Mas, cada um de nós tem a capacidade de, talvez, ser o primeiro a ver o que está acontecendo em um domínio bem estreito do conhecimento, quando nos tornamos especialistas naquele assunto. O segredo está em buscar pensadores que conhecem bem determinados assuntos relevantes. Isto o colocará na frente da fila para descobrir coisas novas. Com a tecnologia atual e o compartilhamento de informações, é questão de identificar quem vale a pena ser seguido. Isto é algo que toma tempo e, para ter bons resultados, provavelmente você terá que fazer para o resto de sua vida.
Por outro lado, não siga qualquer um apenas porque tem uma postura crítica ou se diz independente. É importante acompanhar o pensamento da pessoa, observar sua lógica (ou falta de), avaliar as fontes consultadas e as evidências que justificam determinadas conclusões. É uma arte. Obviamente ter títulos e outras credenciais são relevantes, mas podem não ser suficientes. Eventualmente, nem necessários. Em um mundo hoje repleto de influencers e pensadores de variadas matizes, não se preocupe em achar a “sua” turma, mas sim em achar uma turma bem variada, que o leve a pensar o mundo de modo original, com razoável profundidade e sem a necessidade de escolher este ou aquele “lado” ideológico. Não tente seguir “todo mundo”, pois não há tempo suficiente no mundo para isto. Pode acreditar em mim.
Também é preciso aceitar a incerteza inerente ao mundo. Mesmo quando você vê o presente mais cedo, você não o verá com toda a clareza. Você terá apenas um conjunto de probabilidades que são mais próximas da realidade do que a maioria das pessoas. E isto não é pouca coisa.
Em termos práticos, mesmo em dúvida, você pode tomar decisões mais simples e “baratas” que, ainda assim, podem ter grande impacto em sua vida. Por exemplo, você sabe qual é o animal mais mortal do mundo para seres humanos? Temos a tendência de nos focar em ataques mortais que geram muita mídia, como quando um tubarão mata um surfista. Mas uma consulta ao blog de Bill Gates (gatesnotes.com), nos informa que tubarões matam em média dez seres humanos por ano, ao redor do planeta. Os outros suspeitos habituais também têm contagens relativamente baixas: lobos (10), leões (100), crocodilos (1.000) e por aí vai. Já o animal mais mortífero para nós é o mosquito, responsável por cerca de 725 mil mortes por ano, além de todo mal-estar causado aos que pegam doenças e, felizmente, sobrevivem. Quem já pegou dengue sabe do que estou falando. Em um país tropical como o Brasil, um dos mais eficientes investimentos em sua saúde, e em seu conforto, é telar sua residência. Quantos fazem isto?
Abre parênteses rápido. Tubarões tem fama pior do que merecem por conta de um viés chamado “facilidade de lembrança”, associado à um atalho que usamos para tomar decisões chamado de “heurística da disponibilidade”. Tudo que é mais recente ou que foi impregnado de forte carga emocional, como a manchete de tubarão mata banhista na praiax, faz nosso cérebro pensar que é mais provável acontecer de novo. O antídoto é checar as reais probabilidades, procurando informações estatísticas se possível. E pensar de modo crítico.
Voltando às ações práticas. Em meio a uma pandemia como a da Covid-19, usar máscara, mesmo com estudos contraditórios causando alguma incerteza sobre sua eficiência, é fácil e barato. Tomar vacina também. Já gastar uma fortuna para ir tomar vacina no exterior um par de meses antes da sua vez no Brasil não faz tanto sentido, a menos que o custo (inclusive de tempo) seja pouco significativo para você. E arriscar tratamentos sem nenhuma evidência científica pode ser: (A) inócuo – faça se quiser, mas não deixe de fazer o simples que gera resultados mais comprovados; ou (B) ter efeitos colaterais, eventualmente muito danosos – não faça.
Em termos de investimentos, muito cuidado com a projeção de rentabilidades passadas para prever o futuro. Tal previsão só fará sentido se o contexto não estiver diferente ou se alterando. E desista de tentar prever com exatidão o que vai acontecer, é impossível. Foque em entender o que JÁ ESTÁ ACONTECENDO. Como disse com muito mais beleza o poeta alemão Rainer Maria Rilke: “o futuro entra nas nossas vidas, para modificar-nos, muito antes de acontecer”.
Otto Scharmer, da Sloan School of Management do Massachusetts Institute of Technology (MIT), trabalha o mesmo conceito com um jargão um pouco diferente. Ele diz que nós devemos aprender com o futuro conforme ele surge (em vez do passado). Para ele, é comum que organizações privadas e públicas tentem enfrentar os desafios aplicando o aprendizado do passado. Em alguns casos, porém, isto não será bom o suficiente. Ao contrário, defende Scharmer, o conhecimento do passado pode impedir que se chegue à própria solução que as pessoas estão procurando. As velhas maneiras de formular os problemas podem nos prevenir de realmente enxergar as novas possibilidades.
Em suma, ao contrário do que costuma ser dito, você não precisa estar um passo à frente das outras pessoas para ter sucesso. Elas geralmente já estarão alguns passos atrás em relação à realidade. Você precisa, isto sim, entender da melhor maneira o que está acontecendo ou começando a acontecer no mundo ao seu redor. Assim, você não será apenas mais um na multidão.
*Luís Antônio Dib é professor do quadro permanente do COPPEAD, consultor e palestrante.
Ele é mestre e doutor em Administração, além de possuir certificações da Harvard Business School. Dib já criou e coordenou diversos cursos de pós-graduação e ministra disciplinas nas áreas de Julgamento e Tomada de Decisão, Estratégia, Negociação e Internacionalização. Sua experiência profissional inclui cargos executivos na Shell, Telefônica (SA:VIVT3) e TIM (SA:TIMS3), além de vários anos como consultor de alta gestão pela Booz-Allen.
Dib discute conceitos complexos do mundo dos negócios e o impacto estratégico de novas tecnologias de forma clara, direta e bem-humorada, sendo um dos mais importantes interlocutores brasileiros para questões ligadas à gestão de empresas.