Horror ao vácuo
A natureza tem horror ao vácuo. Qualquer porção de matéria é imediatamente ocupada por outra.
A lição aristotélica transcende o mundo real e se aplica perfeitamente à psique humana: temos verdadeiro horror a lacunas, tratando de preenche-las com qualquer coisa. Não raro, com nossos próprios preconceitos ou esperanças — a depender, é claro, do tom da conclusão a que desejamos chegar.
Até a última terça-feira, Trump era visto como uma incógnita: suas propostas eram consideradas demasiado vagas para que, a partir delas, fossem traçadas estimativas minimamente razoáveis de como seria seu governo. Mas ninguém se preocupava com isso, pois se tratava então de nada mais do que mero exercício teórico: afinal de contas, a vitória democrata era dada como certa, não é mesmo?
Impressiona como, transcorrido um intervalo tão exíguo, estão todos tão cheios de certezas a respeito do que o topetudo fará ou deixará de fazer.
A narrativa da vez
Em meio à conversa de loucos que é o mercado, reverbera a tese de que o mandato republicano será marcado por uma forte expansão fiscal — mediante cortes de impostos e expansão do gasto público — e, por consequência, juros de longo prazo precisariam subir em resposta ao maior endividamento e às pressões inflacionárias.
O efeito se materializou no yield dos Treasuries de 10 anos:
Ante perspectivas de maiores retornos por lá, desencadeou-se um grande movimento global de migração de recursos, com saídas de mercados emergentes.
Como a porta é estreita, em termos de liquidez, o resultado foram oscilações significativas em ações, juros e câmbio em diversos mercados mundo afora — dentre os quais o Brasil.
Atenção às bases (que bases?) da tese
Não se deixe enganar pela aparência de consistência que a nova narrativa tem. Aqueles que a proferem são os mesmos que, no começo da semana, apostavam no apocalipse na hipótese que Trump vencesse.
Se trata tão simplesmente do comportamento adaptativo da maioria dos participantes do mercado: quando a realidade não confirma suas expectativas, o jeito é mudar a versão.
A tese é reação ao mercado, e não o contrário. Não julgo seu teor, mas sim suas bases — que, neste momento, são pouco mais do que uma mistura de chavões e wishful thinking.
Mais ou menos como quando, passado o Brexit, passou-se a acreditar em Abenomics 2.0 e “dinheiro de helicóptero” no Japão.
Mantenha o ceticismo
Não será da noite para o dia que se alcançará efetiva clareza sobre os efetivos planos do novo governo americano. Tampouco o horizonte de tempo em que tais medidas se concretizarão. Consequentemente, nesse interregno, há espaço de sobra para ouvirmos de tudo.
O mercado é prolífico em mudar de ideia, principalmente quando deixado pensar livre das amarras dos dados concretos. Prefere ser metamorfose ambulante e não terá qualquer problema em dizer, semana que vem, o oposto do que diz hoje.
É precisamente por isso que convém manter certo ceticismo e distanciamento, e ater-se à estratégia.
Ao largo disso tudo…
Se consolida por aqui a percepção de que retomada, no Brasil, será de fato mais lenta. Vem da equipe econômica do governo o corte da previsão do PIB de 2017 de 1,6 por cento para 1.
Já havíamos antecipado por aqui que havia cheiro de atividade mais fraca, com retomada muito mais lenta do que o inicialmente imaginado.
Com atividade mais lenta, recuo da inflação é ainda mais favorecido — o que contribui para a tese de aceleração da queda de juros. E seguimos na direção do Novo Brasil.