Goldman lista 2 razões pelas quais o ouro pode ultrapassar sua previsão de US$ 4.000
O crédito “antitarifaço” (ou “bolsa exportador”) anunciado pelo governo é mais do que um alívio tático para exportadores pressionados pelo aumento abrupto das tarifas norte-americanas; é um teste de estresse para a coordenação entre política industrial, financiamento público e diplomacia comercial. A portaria da Fazenda estabelece que terão prioridade de acesso as empresas cuja dependência das vendas aos EUA seja comprovada: quem exportou para aquele mercado mais de 5% do faturamento entre julho/24 e junho/25 entra na frente da fila, e quem tem 20% ou mais de exposição terá condições ainda mais vantajosas; micro, pequenas e médias empresas - inclusive MEIs - com receita anual abaixo de R$ 300 milhões também ganham preferência. É um recorte que tenta resolver dois problemas simultaneamente:
Primeiro: evitar “vazamento” de subsídio para quem não precisa e;
Segundo: proteger elos frágeis da cadeia exportadora, onde o crédito secou primeiro.
No desenho financeiro, o governo escolheu o caminho mais defensável: usar o Fundo Garantidor de Exportações (FGE) como lastro e o BNDES como operador, em vez de expandir gasto orçamentário direto. A diretriz oficial prevê até R$ 30 bilhões com funding do FGE, priorização por intensidade de impacto e condicionantes de manutenção de empregos, com reforço de garantias para pequenos e médios que, na prática, têm mais dificuldade de colateral e histórico alongado. Essa engenharia reduz o risco de crédito no balanço dos bancos repassadores e dá velocidade operacional - dois atributos críticos quando a incerteza comprime fluxo de caixa e margens. Também importa a condicionalidade trabalhista: sem ela, o pacote viraria mero “tapume” de resultados, em vez de preservar capacidade produtiva e competências exportadoras.
Já o braço operacional foi ampliado. Além do pacote-âncora de R$ 30 bilhões, o BNDES anunciou linhas adicionais e indicou que as empresas mais atingidas terão custo marginal abaixo da Selic, enquanto os casos com tarifa menor terão condições menos generosas. Na prática, isso cria uma curva de preço por intensidade de choque e tenta mitigar o risco clássico de alocação: subsídio raso demais não salva ninguém; subsídio amplo demais cria seleção adversa. Ao mesmo tempo, o banco vai operar um volume total de até R$ 40 bilhões para essa agenda, combinando capital de giro, reestruturação de passivos e recursos para prospecção de novos mercados - uma ponte entre socorro e adaptação estratégica, e não apenas “oxigênio” contábil.
Tudo isso tem por base a sobretaxa dos EUA que chegou a 50% em diversos itens. Tarifas desse tamanho reprecificam cadeias inteiras, deslocam demanda e bagunçam contratos. Mesmo setores poupados parcialmente sofrem por contágio - logística, seguros, câmbio e capital de giro ficam mais caros quando o risco de continuidade sobe. Para o investidor, isso muda o mapa de risco setorial no curto prazo e cria, ao mesmo tempo, janelas de assimetria: empresas com governança sólida, caixa defensivo e capacidade de redirecionar vendas para Europa, Ásia ou América Latina tendem a capturar valor, enquanto players excessivamente concentrados no mercado americano podem virar alvos de M&A ou exigir desinvestimentos mais robustos.
Já a leitura técnica pede três camadas. Primeiro, solvência de curto prazo: capital de giro em condições previsíveis reduz a probabilidade de “quebras ruins”, aquelas em que ativos específicos - certificações, P&D, canais de distribuição - se perdem por falta de ponte financeira. Segundo, elasticidade de demanda externa: setores com produto relativamente fungível e margens baixas (commodities processadas, intermediários industriais) sofrerão mais para repassar preço; linhas com diferenciação, marca ou barreiras tecnológicas têm maior capacidade de realocar destino e preservar preço líquido. Terceiro, fricções cambiais: a incerteza tarifária tende a aumentar volatilidade de real/dólar, o que exige hedge disciplinado para não transformar crédito barato em risco financeiro caro. Se o pacote empurra empresas a institucionalizar política de derivativos, alongar passivos em moeda compatível com receitas e elevar transparência de covenants (cláusulas contratuais), o ganho de produtividade financeira sobrevive ao choque e fica como legado.
E quanto aos riscos?
Moral hazard, captura setorial e “escolha de vencedores” acontecem quando o critério vira lobby. A portaria, ao ancorar prioridade em métricas objetivas (percentual de faturamento exposto e tabela MDIC de produtos efetivamente tarifados), reduz a discricionariedade e torna auditável a política, mas a execução precisa ser obsessiva com dados: cruzamento de NCM/empresa, notas de exportação e trilhas de auditoria.
Outro risco é transformar crédito emergencial em “carteira perpétua” de empresas insolváveis - os zombies corporativos que sugam funding barato e travam a concorrência. Por isso, duas amarras são saudáveis: horizonte de vigência finito, com sunset clause explícita, e condicionantes de transformação (por exemplo, parte do crédito atrelada a metas de diversificação de mercados, certificações ou upgrade tecnológico). Sem esses degraus, a ajuda vira muleta.
Para as contas públicas, a virtude do FGE é que o custo fiscal efetivo decorre de perdas realizadas, não da fotografia do compromisso. Ainda assim, risco contingente é risco. Se a curva de tarifas se alongar ou se a desaceleração americana for mais ampla, a inadimplência esperada cresce. O contrapeso é que preservar exportadores viáveis tem efeito fiscal de segunda ordem: protege arrecadação, reduz seguro-desemprego e diminui pressão por pacotes adicionais. O desenho atual - crédito com garantia, contrapartidas de emprego e operação por bancos públicos e privados - parece calibrado para resguardar o contribuinte tanto quanto possível num cenário que, por definição, não tem solução de custo zero.
Há, por fim, uma dimensão estratégica. O pacote de crédito mitiga a dor, mas não substitui diplomacia comercial agressiva, litígios bem fundamentados e cooperação com parceiros que compartilham interesse em conter escaladas protecionistas. A combinação de apoio financeiro focalizado, critérios transparentes, metas de transformação e ofensiva diplomática maximiza a chance de atravessar o choque preservando empregos, competências e valor de mercado. Se executado com disciplina, o “antitarifaço” deixa de ser mero paraquedas e vira trampolim: protege hoje e reposiciona a base exportadora para amanhã.