O custo da isenção do Imposto de Renda no seu colo

Publicado 10.06.2025, 12:38

Corrigir a tabela do Imposto de Renda custaria, segundo o próprio Ministério da Fazenda, mais de R$ 100 bilhões por ano - um volume equivalente a praticamente metade do que o governo federal destina hoje ao Bolsa Família. Esse número decorre de uma defasagem acumulada de cerca de 148% desde a última atualização, que deixou a faixa de isenção estagnada em R$ 1.903,98 mensais, mesmo com a inflação corroendo o poder de compra dos brasileiros. Em termos práticos, milhões de contribuintes hoje pagam alíquotas moderadas na teoria, mas, na prática, vêem sua renda ser engolida pelo chamado “bracket creep” - o empurrão para faixas mais elevadas de tributação provocado pelo reajuste insuficiente das bases.

Do ponto de vista macrofiscal, o ônus é elevado: recursos que poderiam financiar investimentos em infraestrutura ou reduzir gastos correntes terão de ser alocados para compensar essa renúncia. Sem uma fonte de receita alternativa - seja via aumento de alíquotas sobre dividendos ou tributos sobre grandes fortunas -, a proposta obriga o governo a cortar despesas ou repensar o próprio arcabouço fiscal (opções delirantes dado o histórico do atual governo e da baixíssima e decadente popularidade do atual presidente). Mas a conta vai chegar em 2026/27: mais cortes em programas sociais e adiamento de reformas estruturais, num momento em que a credibilidade fiscal já se encontra fragilizada.

Em comparação internacional, o Brasil não está sozinho. O “fiscal drag” - fenômeno semelhante ao bracket creep - é tema recorrente em economias avançadas e emergentes. Relatório recente do Banco de Espanha destacou como a defasagem de parâmetros tributários, quando não ajustados pela inflação, eleva automaticamente a carga efetiva sobre os contribuintes, ampliando receitas sem necessidade de novos tributos e, simultaneamente, estreitando o espaço para o consumo privado. Na Austrália, a falta de indexação anual dos limites de isenção fez com que, mesmo após cortes de alíquotas promovidos pelo governo, famílias de renda média perdessem até A$ 4.830 em alívio fiscal até 2029, resultado direto da corrosão inflacionária dos limites (“bracket creep wipes out Labor’s tax cuts”).

Esses exemplos deixam claro que corrigir apenas a tabela brasileira não se trata de um gesto de benevolência, mas de uma exigência de justiça tributária e de eficiência econômica. O problema é que essa correção não vem de maneira estratégica ou pensada, pelo menos em termos econômicas, mas como jogada populista barata cuja conta recai sobre o povo brasileiro travestida de juros mais elevados, inflação e dólar elevados.

Porém, o tema não se resume ao custo fiscal. A deterioração contínua da isenção “eleitoraliza” o debate e cria um campo fértil para decisões de investimento que penalizam o Brasil e os “isentos” de IR. Investidores estrangeiros, atentos a essa armadilha silenciosa, podem redirecionar recursos para economias com sistemas tributários mais previsíveis e competitivos. O Índice de Competitividade Tributária Internacional 2024 mostra que países que mantêm uma indexação automática de suas faixas de rendimento - como Alemanha e França - atraem maior volume de investimentos de portfólio, justamente por oferecerem menor risco de elevação inesperada de alíquotas.

Ainda assim, há oportunidades para quem souber se antecipar. Escritórios de planejamento tributário já aventam a expansão dos chamados “tax deferral products” e fundos estruturados que façam uso eficiente de incentivos fiscais setoriais (PIS/Cofins diferenciados, incentivos à inovação). Nos mercados de capitais, a correção da tabela mobiliza a demanda por instrumentos de crédito atrelados à inflação (NTN-Bs), que protegem o investidor contra a erosão do rendimento real. Além disso, o ambiente de debate sobre isenção para rendas de até R$ 5 mil mensais - com renúncia estimada em R$ 27 bilhões, mas compensada por um novo tributo de até 10% sobre rendas superiores a R$ 50 mil - demonstra que a agenda tributária terá desdobramentos ricos em produtos financeiros de nicho, especialmente para o segmento de alta renda.

Por fim, cabe uma reflexão mais ampla: não se trata apenas de redistribuir o ônus tributário, mas de assegurar que o sistema seja neutro, previsível e competitivo. Adotar mecanismos automáticos de correção anual - seja via IGPM, IPCA ou média móvel de inflação - afastaria a necessidade de debates eleitorais extemporâneos e daria estabilidade às expectativas de agentes econômicos. Ao mesmo tempo, garantir a compensação por meio de tributação progressiva sobre dividendos, grandes fortunas ou transações de alto valor poderia reconciliar justiça social com sustentabilidade fiscal.

Em suma, corrigir a tabela do IR é mais do que uma demanda social ou eleitoral: é um imperativo de modernização fiscal que afeta diretamente o dinamismo dos mercados, a atração de investimentos e o poder de compra dos contribuintes. Quem entender essa dinâmica e se posicionar com antecedência - seja por meio de estruturas financeiras, instrumentos de proteção ou inovação contratual - poderá transformar o contencioso tributário em oportunidade de crescimento. Afinal, em um mundo onde a inflação ainda corrói valor e a competição global exige eficiência, a previsibilidade tributária pode se tornar o maior diferencial competitivo de uma economia em transformação.

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