O novo normal do agronegócio: Como o protecionismo global está redefinindo acordos

Publicado 11.05.2025, 10:00

O protecionismo, antes considerado uma distorção pontual, tornou-se uma característica permanente do comércio global. Tarifas, subsídios e barreiras não tarifárias estão sendo amplamente utilizados, impactando diretamente o agronegócio brasileiro.

De exceção a regra

 

O protecionismo, outrora considerado uma resposta pontual a crises específicas, consolidou-se como uma característica permanente do comércio internacional. A recente escalada tarifária entre Estados Unidos e China exemplifica essa nova realidade. Em 2025, os EUA impuseram tarifas de até 145% sobre produtos chineses, ao que a China respondeu com tarifas de até 125% sobre produtos americanos, incluindo commodities agrícolas . Apesar de sinais públicos de disposição para negociar, a China condiciona qualquer diálogo à remoção prévia das tarifas unilaterais pelos EUA . Essa postura reflete não apenas uma estratégia de negociação, mas também as pressões internas enfrentadas por ambos os países, como a desaceleração econômica e instabilidade nos mercados.

O novo protecionismo global: além do Trump

O cenário atual evidencia que o protecionismo não se limita mais às tarifas unilaterais emblemáticas da era Trump. Ele evoluiu para uma combinação de medidas tarifárias, subsídios e barreiras não tarifárias, como exigências ambientais, sanitárias e trabalhistas, especialmente comuns em blocos como a União Europeia. Essas restrições impactam diretamente a competitividade de países exportadores como o Brasil, não apenas pela dificuldade de acesso, mas por moldarem o comportamento dos principais produtores globais, que reagem às incertezas com mudanças estratégicas.

Um exemplo claro disso está nos movimentos internos dos Estados Unidos em relação à sua safra de verão de 2025. Com a soja sob pressão de preço nos mercados futuros e menor expectativa de rentabilidade, produtores americanos decidiram ampliar significativamente a área plantada de milho, uma reação direta ao cenário externo incerto e à reconfiguração da demanda global. O relatório de março de 2025 do USDA mostra uma redução de 4% na área de soja (83,5 milhões de acres) e um crescimento expressivo no milho, que pode levar a uma safra recorde. Isso tende a ampliar ainda mais a oferta e acentuar a tendência de baixa nos preços futuros.

Tarifas dos EUA: A administração Trump implementou tarifas significativas sobre produtos agrícolas, afetando as exportações brasileiras. Por exemplo, o suco de laranja brasileiro enfrentou uma tarifa adicional de 10%, o que poderia reduzir as exportações de 1 bilhão para 261 milhões de litros anuais .

 

Retaliação da China: Em resposta às tarifas dos EUA, a China cancelou grandes pedidos de soja e carne suína dos EUA, voltando-se para fornecedores alternativos, como o Brasil .

 

União Europeia: A UE enfrenta desafios comerciais crescentes, com políticas protecionistas dos EUA e preocupações internas sobre importações agrícolas, especialmente devido a questões ambientais .

O gráfico a seguir apresenta uma análise qualitativa dos principais vetores protecionistas que têm impactado o agronegócio brasileiro no cenário global. Atribuímos uma escala relativa de impacto (%) para cada fator com base em sua frequência, intensidade e abrangência nos últimos anos. As tarifas diretas impostas por países como Estados Unidos e China ocupam o topo da lista, por sua capacidade imediata de afetar preços e volume de exportações. Em seguida, surgem barreiras ambientais da União Europeia e subsídios agrícolas praticados por EUA e UE, que distorcem a competitividade internacional. Também destacamos os acordos comerciais travados, como o impasse entre Mercosul e União Europeia, e por fim, as oportunidades em novos mercados, especialmente no Golfo e na Ásia, que têm ganhado relevância como alternativas estratégicas para diversificação comercial.

Impactos no agronegócio brasileiro

A leitura mais superficial dos desdobramentos entre Estados Unidos e China sugere que o Brasil seria automaticamente o principal beneficiado no setor agrícola. Com a China impondo tarifas sobre grãos e carne americanos, o “lugar vazio” no comércio bilateral seria ocupado por fornecedores alternativos e o Brasil, como principal player do Sul Global, parece o substituto óbvio.

Essa ideia, embora confortável, é uma meia verdade. O Brasil já possui um volume elevado de exportações agrícolas para a China, especialmente em soja, carnes e celulose. Para que esse fluxo aumente substancialmente, é necessário tempo, investimento em infraestrutura, renegociação de contratos e, sobretudo, previsibilidade diplomática. Um crescimento imediato acima de 3 a 4% nas exportações brasileiras para a China é possível, mas dificilmente explosivo. O potencial de substituição existe, mas tende a ocorrer de forma incremental e gradual, não como um desvio em massa.

Além disso, o processo de desacoplamento entre China e Estados Unidos, o chamado decoupling, não é novo. Ele vem se desenvolvendo desde pelo menos 2018, e o novo pacote de tarifas apenas acelera uma estratégia que já vinha em marcha. Nesse contexto, a China tem buscado diversificar seus fornecedores, não apenas concentrar-se no Brasil. Países como Rússia, Argentina, África do Sul e Indonésia têm sido alvo de investimentos e acordos bilaterais chineses.

Outro ponto relevante: com a queda nos preços da soja e milho, o Brasil também sofre impactos indiretos. Mesmo que exporte mais volume, a rentabilidade pode cair. E se o mundo entra num ciclo de excesso de oferta ou concorrência subsidiada, a posição brasileira se torna mais vulnerável, principalmente por depender de infraestrutura precária, custo logístico elevado e acesso limitado a mecanismos de proteção de preço (como hedge eficiente ou política comercial externa mais atuante).

Mais um desdobramento relevante do atual contexto é o movimento observado na União Europeia, especialmente após o novo pacote tarifário dos EUA. O “tarifaço” acabou gerando um efeito colateral geopolítico: aproximou, ainda que pragmática, UE e Mercosul. Recentemente o presidente francês Emmanuel Macron, um dos principais opositores ao acordo, admitiu publicamente a possibilidade de avançar com tratativas comerciais com os países sul-americanos, diante da nova realidade imposta pelos EUA. Isso indica que, para a Europa, diversificar suas parcerias também se tornou imperativo, especialmente no fornecimento de alimentos e matérias-primas agrícolas sustentáveis.

Essa reconfiguração de alianças reforça um ponto-chave: em um mundo cada vez mais fragmentado e politizado, quem depende de um único mercado, fornecedor ou rota logística, está vulnerável. O Brasil, portanto, precisa agir com inteligência para transformar sua relevância agroexportadora em uma plataforma de negociação mais plural, resiliente e estratégica.

No entanto, a aparente vantagem do Brasil em meio a esse cenário global complexo esconde desafios internos e externos que precisam ser superados para que o país possa efetivamente ocupar esse vácuo deixado por outros players.

Por que o Brasil ainda não consegue ocupar o vácuo global

Mesmo com oportunidades aparentes, o Brasil enfrenta obstáculos concretos para expandir sua presença nos mercados globais em meio ao novo protecionismo. Entre os principais desafios, destacam-se:

a) Capacidade logística e gargalos internos

Os portos brasileiros operam perto do limite, com infraestrutura defasada e alto custo de escoamento, especialmente em regiões produtoras afastadas da costa. Sem investimentos robustos em malha ferroviária, armazenagem e digitalização alfandegária, o país limita sua capacidade de reação rápida frente a novas demandas externas.

b) Preferências estratégicas da China e de outros parceiros

A China tem priorizado relações comerciais com países considerados “politicamente neutros” ou alinhados, como Rússia, Indonésia, Irã e países africanos. Ainda que o Brasil mantenha boas relações, a diplomacia comercial ativa será decisiva para não perder espaço para concorrentes geopoliticamente mais convenientes.

c) Risco de superdependência da China

Embora a ampliação das exportações para a China pareça positiva, ela também representa um risco: a concentração em um único cliente aumenta a vulnerabilidade do agro brasileiro a choques externos — sejam tarifários, sanitários ou diplomáticos.

d) Integração comercial limitada e baixo uso de moedas alternativas

A ausência de acordos bilaterais mais amplos e a dependência quase exclusiva do dólar limitam a capacidade brasileira de negociar com condições mais favoráveis. A crescente adoção do renminbi em trocas bilaterais com a China, por exemplo, ainda é incipiente no comércio brasileiro, o que reduz competitividade frente a países que já operam nesses moldes.

O reposicionamento dos acordos comerciais

Se o mundo caminha para uma nova era de blocos econômicos mais fechados, cada país precisa repensar sua posição e suas alianças. Para o Brasil, essa reconfiguração não pode se dar por inércia. O país precisa reavaliar sua estratégia comercial externa com base em três frentes: acordos formais, diplomacia ativa e credibilidade interna.

No centro desse debate está o acordo Mercosul–União Europeia, que há décadas avança a passos lentos. O cenário mudou recentemente com o agravamento das tensões entre EUA e Europa. Em 2025, as tarifas impostas pelos EUA a produtos europeus reavivaram o interesse da UE em fortalecer laços comerciais com parceiros alternativos, e o Mercosul voltou à pauta. A sinalização pública do presidente francês Emmanuel Macron, reconhecendo a necessidade de retomar as tratativas com os países sul-americanos, marca uma inflexão importante. A França, até então o principal obstáculo político ao acordo, parece agora mais aberta a encontrar uma solução pragmática.

Essa movimentação, no entanto, deve ser lida com cautela. A aproximação europeia não significa abertura automática, mas sim interesse estratégico diante de um cenário de insegurança comercial. O Brasil, por sua vez, precisa se apresentar como parceiro confiável, competitivo e ambientalmente responsável. A narrativa da sustentabilidade, muitas vezes usada como barreira disfarçada pode, se bem conduzida, tornar-se um ativo diplomático.

Paralelamente, ganha força uma estratégia de acordos bilaterais com países do Golfo, Sudeste Asiático e Norte da África. As negociações com Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Indonésia, Egito e Marrocos têm sido tratadas com menos burocracia e mais pragmatismo. Nesses contextos, certificações técnicas, garantias de fornecimento, acordos fitossanitários e uso de moedas alternativas têm, muitas vezes, mais peso que tarifas ou blocos formais. Esse modelo mais ágil, técnico e comercial pode se mostrar mais adaptável ao novo normal do comércio internacional.

O Brasil, portanto, está diante de um dilema: esperar avanços lentos em grandes acordos multilaterais ou adotar uma política comercial descentralizada e dinâmica, costurando alianças múltiplas, mesmo que menores. Em um cenário onde a previsibilidade é escassa, a flexibilidade se torna vantagem competitiva.

O agro precisa de diplomacia estratégica: a verdadeira parceria público-privada

O agronegócio brasileiro depende de acesso previsível e competitivo a mercados internacionais. Em um cenário de crescente protecionismo, disputas tarifárias e realinhamentos comerciais, esse acesso deixa de ser apenas uma questão de produtividade no campo e passa a ser uma questão de diplomacia.

No entanto, o Brasil ainda carece de uma estratégia estruturada que una governo e setor privado na defesa de seus interesses comerciais. Enquanto países como os EUA e a China mobilizam amplas estruturas estatais para abrir mercados, proteger produtores e garantir suprimentos, o Brasil muitas vezes atua de forma fragmentada, sem um plano nacional coordenado.

Considere o caso dos Estados Unidos. Lá, o produtor rural conta com seguros de receita agrícola subvencionados pelo governo, podendo até escolher porcentagens da produção para garantir preço mínimo junto ao próprio Estado. Além disso, o governo norte-americano mantém estoques estratégicos de grãos, o que permite estabilizar o mercado interno, intervir em momentos de crise e garantir previsibilidade para a agroindústria.

A China segue lógica semelhante, com estoques massivos de arroz, trigo, milho e soja, além de subsídios diretos para manter a segurança alimentar. Esses estoques permitem uma política comercial mais agressiva, comprando quando os preços estão baixos e se retraindo quando sobem, o que fortalece sua posição geopolítica e reduz vulnerabilidades externas.

Na União Europeia, o apoio estatal é ainda mais institucionalizado. A Política Agrícola Comum (PAC) destina bilhões de euros todos os anos a subsídios diretos, incentivos à sustentabilidade e programas de modernização da produção rural. Mais do que proteção econômica, essa política visa garantir coesão social no campo europeu, um objetivo claramente estratégico.

Enquanto isso, no Brasil, parte relevante deste suporte foi terceirizada à iniciativa privada. Um exemplo é o sistema de barter, onde produtores antecipam sua produção em troca de insumos fornecidos por grandes tradings, muitas vezes, multinacionais estrangeiras que concentram poder sobre a cadeia agrícola. Não há estoques estratégicos nacionais significativos, nem mecanismos eficazes de seguro agrícola estatal de larga escala.

Outros países, como Índia, também merecem destaque: o governo indiano compra grãos diretamente de pequenos produtores a preços mínimos garantidos, armazenando em silos públicos para abastecer programas sociais e controlar preços. Esse tipo de atuação protege o produtor e o consumidor simultaneamente.

Se o Brasil quiser assumir um papel de protagonismo no comércio agrícola internacional, precisará ir além da eficiência no campo. Mesmo com apoio institucional limitado, o país já figura entre os maiores produtores do mundo, com destaque em produtividade, qualidade e boas práticas. No entanto, para transformar essa força produtiva em influência estratégica, é necessário construir uma atuação coordenada entre governo e setor privado, com inteligência comercial, presença diplomática ativa e políticas estruturantes que sustentem nossa competitividade no longo prazo.

O mundo fechou as janelas, o Brasil precisa abrir portas

O mundo agrícola que conhecemos está mudando. Barreiras se erguem, alianças se fecham, o protecionismo volta a ditar as regras do jogo. Mas para quem produz com excelência e resiliência como o Brasil, cada obstáculo pode ser um convite à reinvenção.

O futuro não pertence aos que se acomodam esperando que as janelas voltem a abrir, mas aos que constroem novas rotas, firmam novos pactos e lideram a transformação. O Brasil tem o que o mundo precisa, alimentos, energia, inovação e precisa transformar essa força produtiva em força diplomática e comercial.

Diversificar não é mais uma escolha, é uma urgência. Diversificar destinos, produtos, parcerias e formatos de atuação. Mais do que exportar soja ou milho, exportar confiança, previsibilidade e compromisso de longo prazo.

Se o cenário global é de incertezas, o Brasil pode ser a certeza que falta. Mas para isso, precisa parar de esperar convites e começar a bater nas portas certas, ou melhor, construir as suas próprias.

Bons investimentos.

 

 

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