O que as iniciativas da Comissão Europeia sobre IA representam para o Brasil?

Publicado 03.10.2025, 15:06
Atualizado 03.10.2025, 15:06

Em 24 de setembro de 2025, a Comissão Europeia informou aos parlamentares do bloco alertando que monitora formas de integração de aplicações de inteligência artificial (IA) aos serviços das Big Tech já existentes, garantindo conformidade com as regras de concorrência digital da UE, principalmente o Regulamento Europeu sobre Mercados Digitais - o ‘Digital Markets Act’ (DMA). O receio da Comissão Europeia está no fato de que empresas como Google, Meta e Microsoft, como ‘gatekeepers’, possam incorrer em abuso de posição dominante ao cruzar dados para treinar IA ou impor serviços integrados de forma anticompetitiva, restringindo a concorrência no mercado.

Alguns exemplos têm sido citados, como a integração de AI Assistant no Instagram pelo Meta e a exibição de resumos de IA no topo de resultados de buscas pelo Google, os quais, na visão da Comissão, não podem restringir a escolha do usuário nem consolidar monopólios no mercado de IA. Pelas regras europeias e do DMA, gatekeepers devem seguir obrigações sobre tratamento e uso cruzado de dados, e serviços de IA integrados devem permitir que os usuários possam escolher entre alternativas de serviços. Uma revisão do Regulamento DMA no âmbito da UE, iniciada em julho de 2025, é hoje vislumbrada para tornar o segmento de IA mais competitivo e impedir que as grandes plataformas ampliem a posição dominante nos mercados.

Indiscutivelmente, a especialização de setores tecnológicos emergentes é base para justificar um aprimoramento das regras concorrenciais aplicadas às novas tecnologias de IA vis-à- vis mercados já consolidados e altamente concentrados de serviços de plataformas. 

Do ponto de vista regulatório, trata-se de uma nova geração de fiscalização antitruste (o “Antitruste 4.0”), que não se limita ao controle de concentrações econômicas ou de condutas anticompetitivas envolvendo plataformas digitais tradicionais, mas se expande para serviços e aplicações de IA e integração de dados. A Comissão Europeia, com a esperada revisão do Regulamento DMA, sinaliza ao mercado global que pretende evitar que empresas dedicadas a tratamento intensivo de dados imponham barreiras de entrada no setor de IA.

Para o Brasil e América Latina, a reorientação da Comissão Europeia no campo antitruste digital e da revisão do DMA já representam uma pressão indireta sobre regulação local de IA, necessidade de alinhamento dos sistemas latino-americanos com boas práticas em proteção de dados, concorrência digital e IA responsável, além de oportunidade de desenvolver ecossistemas de IA locais antes que poucos desenvolvedores e fornecedores consolidem posições globais.

No Brasil, agora em setembro de 2025, o Executivo federal enviou à Câmara o PL 4.675/2025, que busca fortalecer a concorrência em mercados digitais por meio de medidas voltadas a plataformas que operam em múltiplos segmentos. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) poderá identificar agentes econômicos de relevância sistêmica (similar à categoria dos ‘gatekeepers’ dominantes do Regulamento DMA na União Europeia e impor obrigações específicas, incluindo multas, para prevenir abusos de poder econômico.

O Projeto de Lei 2.338/2023, que objetiva estabelecer o Marco Legal da Inteligência Artificial no Brasil, ainda está em tramitação no Congresso Nacional. A proposta estabelece o arcabouço regulatório para IA no Brasil, com foco na proteção dos direitos fundamentais, segurança e confiabilidade dos sistemas, transparência e auditabilidade e promoção de inovação e desenvolvimento científico e tecnológico. O texto prevê a criação do Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial (SIA), coordenado pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados - ANPD.

Importante observar que todas essas propostas se alinham ao movimento global iniciado pela União Europeia, em meio à disputa tecnológica entre China e Estados Unidos. Os alertas da Comissão Europeia sobre a integração de IA por plataformas dominantes também têm relevância para o Brasil. Isso especialmente se levado em conta o fato de o país representar um mercado adquirente (leia-se ‘consumidor’) de tecnologias, levantando questões muito legítimas – do ponto de vista social, regulatório e concorrencial-, sobre o uso intensivo, direcionado e massivo de dados, de um lado, e a excessiva concentração de poder econômico por parte de poucos agentes no mercado, de outro.

De todo modo, para o Brasil, as propostas legislativas representam espaço para um debate mais qualificado, articulando-se com a Comissão Especial da Câmara sobre IA e o Grupo de Trabalho do Plano Brasileiro de IA (PBIA), no âmbito do Executivo, liderado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação – MCTI. Espera-se que o debate assegure que startups e empresas inovadoras não enfrentem obrigações excessivas, como auditorias e compliance complexos, e que mantenha a possibilidade de regimes regulatórios experimentais (sandboxes) no setor.

Na outra ponta, os Projetos de Lei de IA e de Concorrência nos Mercados Digitais devem avançar em sintonia com o potencial brasileiro no campo de tecnologias baseadas em IA, com aprendizados que possam impulsionar a inovação tecnológica de forma responsável e equilibrada com marco legal vigente, para que retrocessos insustentáveis na atualidade não sejam impostos diante de uma pressão por ‘não regular’ absolutamente nada. As propostas devem inserir definitivamente o Brasil em contexto mais reforçado de regulação digital alinhada às tendências globais, destacando sua posição estratégica em mercados emergentes, na cooperação internacional em matéria digital e coparticipação nos foros internacionais especializados.

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