O sonho da casa própria cada vez mais distante

Publicado 12.02.2025, 10:08

Quando pensamos em financiar um imóvel, para algumas pessoas pode ser mais prático focar apenas no valor da parcela e no prazo de pagamento. Mas, no contexto brasileiro, as taxas de juros e a disponibilidade de crédito são fatores que podem alterar drasticamente o valor total pago ao longo dos anos.

A seguir, vamos comparar dois cenários hipotéticos de financiamento imobiliário - um contratado em 2023 e outro em 2025 - ambos para um imóvel de R$ 350.000,00 a ser quitado em 30 anos (360 meses).

O intuito deste exercício é revelar como as variações nas políticas monetárias (taxa de juros) e na captação de recursos (por exemplo, a poupança) afetam profundamente as finanças pessoais de quem decide financiar.

Cenário 1: financiamento em 2023

Em 2023, o mercado de crédito imobiliário oferecia taxas na casa dos 11,5% ao ano, em média, para quem não se enquadrava nos programas governamentais, como o MCMV. Vamos, agora, analisar qual seria o custo do financiamento em 2023:

  • Valor financiado: R$ 350.000,00

  • Taxa de juros: 11,5% ao ano

  • Prazo: 30 anos (360 meses)

Ao aplicarmos essa taxa no cálculo de uma prestação a juros compostos mensais, chegamos a uma parcela aproximada de R$ 3.315,00.

  • Custo total ao longo de 360 meses: cerca de R$ 1.193.739,00.

Neste cenário, embora os juros não sejam considerados “baixos”, ainda se encontram em um patamar menor do que o projetado para 2025, o que se traduz em menor comprometimento mensal da renda e um custo total mais acessível ao longo das três décadas.

Cenário 2: financiamento em 2025

Já em 2025, estima-se que a Selic possa chegar a algo em torno de 15% ao ano no fim de seu ciclo de alta. Não seria surpreendente, então, que as instituições financeiras repassem esse encarecimento do dinheiro para as linhas de crédito imobiliário, resultando em taxas por volta de 14% ao ano (igualmente fora dos programas de incentivo, como o Minha Casa Minha Vida).

  • Valor financiado: R$ 350.000,00

  • Taxa de juros: 14% ao ano

  • Prazo: 30 anos (360 meses)

Nesse caso, a prestação mensal sobe para aproximadamente R$ 3.919,00.

  • Custo total após 360 meses: cerca de R$ 1.411.029,00.

Ou seja, quem fechar o financiamento em 2025 pagará, ao longo de todo o contrato, cerca de R$ 217.290,00 a mais em relação ao cenário de 2023.

Por que o crédito pode ficar ainda mais caro?

Um fator importante a ser considerado é a captação de recursos pelos bancos, principalmente via poupança. Com a alta dos juros no mercado de renda fixa, é comum que investidores retirem dinheiro da poupança em busca de aplicações mais atraentes (títulos públicos, CDBs, etc.). Esse movimento gera saídas líquidas da poupança, reduzindo o montante disponível para o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE).

Com menos recursos à disposição para conceder financiamentos, o crédito tende a ficar mais caro - um clássico caso de oferta e demanda. Assim, mesmo que você tenha planejado um financiamento para 2025, poderá se deparar com taxas de juros superiores e uma parcela mensal bem mais salgada.

Além disso, quando o governo não controla adequadamente seus gastos, aumentam as pressões inflacionárias e a necessidade de manter (ou elevar ainda mais) a Selic para conter a alta geral de preços. Uma Selic mais elevada não só encarece o financiamento imobiliário, mas também leva muitos investidores a buscarem imóveis como forma de proteção patrimonial em um cenário de inflação elevada. Com a demanda em alta, os preços podem subir, o que também se reflete em um custo maior para aqueles que financiam.

Não bastassem todos os fatores acima, as próprias construtoras veem aumento nos juros para as suas construções, além de enfrentarem aumentos de preços de materiais e escassez de mão-de-obra.

Diferenças práticas no orçamento mensal

A disparidade entre as parcelas dos dois cenários (cerca de R$ 3.315,00 em 2023 contra R$ 3.919,00 em 2025) é de R$ 604,00 por mês. Essa quantia, que pode parecer pequena num primeiro momento, tem grande relevância ao longo de 30 anos.

Imagine se a pessoa que financiou em 2023 investisse mensalmente esses R$ 604,00 em um produto com rentabilidade média de 5% ao ano. Ao final de três décadas, esses aportes poderiam atingir aproximadamente R$ 492.000,00, valor que faria enorme diferença na aposentadoria ou em outros projetos de longo prazo. Claro, sabendo que esse valor daqui a 30 anos terá um poder de compra menor que hoje. Mas ainda assim, é bem melhor que não fazer nada a respeito.

Comprometimento de renda

Se considerarmos um salário fixo de, por exemplo, R$ 7.000,00:

  • No cenário de 2023, a parcela de R$ 3.315,00 compromete cerca de 47% do salário.

  • Em 2025, com a prestação de R$ 3.919,00, esse comprometimento sobe para cerca de 55,9%.

Além de reduzir a qualidade de vida no presente, esse comprometimento maior também mina a capacidade de fazer investimentos, montar reservas de emergência ou mesmo de suportar imprevistos. Não raro, um orçamento apertado leva ao endividamento em outras linhas de crédito, o que pode agravar a situação financeira familiar.

Dificuldade em comprovar renda para a maioria da população

Um ponto que muitas vezes é subestimado nos debates sobre crédito imobiliário é a dificuldade de comprovar renda. Grande parte da população brasileira atua em empregos informais, é autônoma ou pequena empreendedora, o que dificulta a obtenção de um financiamento para um imóvel de valor “normal”, ou seja, fora de faixas de programas governamentais mais acessíveis.

Sem a apresentação de contracheques formais, declarações de imposto de renda consistentes ou histórico de faturamento empresarial estável, a análise de crédito por parte dos bancos torna-se mais rigorosa. Isso faz com que muitos potenciais compradores acabem esbarrando nas exigências e, por consequência, não consigam evoluir para a assinatura do contrato, mesmo que tenham a intenção e disciplina de pagamento.

Mudança de hábitos das novas gerações: sonho da casa própria ou aumento do valor do aluguel?
Há quem diga que as novas gerações estejam menos focadas no “sonho da casa própria” e mais abertas à mobilidade e à flexibilidade de morar de aluguel. Mas será que essa postura continuaria a mesma se o valor dos aluguéis subisse ainda mais? De acordo com uma pesquisa realizada pela Croma Consultoria, 63% dos brasileiros entre 27 e 42 anos pretendem adquirir um imóvel nos próximos 2 anos.

Esses dados mostram que, apesar das mudanças comportamentais, a propriedade do imóvel permanece relevante. Fatores como família, estabilidade e possível aumento dos custos de aluguel podem impulsionar o interesse pela compra. Nesse cenário, a atenção às taxas de juros e ao planejamento financeiro se torna ainda mais crucial, especialmente para quem está na faixa etária de maior decisão sobre moradia.

Conclusão

A comparação entre financiamentos de 2023 e 2025 mostra que oscilações nas taxas de juros influenciam diretamente o bolso de quem financia. No Brasil, a volatilidade econômica e as políticas de captação de recursos pelos bancos podem elevar (e muito) o valor das prestações, além de afetar o custo total ao final do contrato.

  • Para quem pensa em financiar: vale a pena acompanhar de perto as projeções da taxa Selic e pesquisar diferentes instituições para tentar negociar condições mais favoráveis.

  • Para quem já financiou: em alguns casos, pode ser interessante avaliar a portabilidade do financiamento, caso surjam oportunidades mais baratas no futuro.

  • Para quem pode esperar: fique de olho no panorama macroeconômico. Às vezes, aguardar alguns meses (ou anos) pode render uma economia substancial, além de aliviar a parcela mensal.

Contudo, há um dilema que atinge quem pensa em comprar: se a pessoa decide esperar, corre o risco de ver os juros subirem ainda mais; se se antecipa, pode encontrar o mercado aquecido, com preços de imóveis em alta pela maior demanda.

Diante desse cenário, é essencial planejar bem a entrada para não ficar sem liquidez logo de início. Além da entrada em si, existem custos adicionais (impostos, documentação e eventuais reformas) que podem desequilibrar o orçamento, principalmente se o comprador precisar complementar tudo com outras linhas de crédito. Para evitar começar o financiamento “no vermelho”, vale ter uma reserva financeira e manter a parcela dentro de um teto saudável, preferencialmente sem ultrapassar 30% da renda.

Em suma, entender como a variação dos juros e a disponibilidade de crédito afetam o financiamento imobiliário não só ajuda a fazer boas escolhas hoje, mas também cria melhores condições para um futuro financeiro mais tranquilo. Afinal, comprar um imóvel é um grande passo, mas evitar pagar muito mais do que ele vale é um passo ainda maior rumo à solidez financeira.

Disclaimer:

Metodologia de cálculo das parcelas e aviso de estimativas: para efeito de comparação, consideramos uma simulação baseada na Tabela Price, utilizando juros compostos mensais para chegar ao valor aproximado da prestação.

Ressaltamos que cada instituição financeira pode adotar diferentes modalidades de amortização, como SAC, além de taxas administrativas e seguros embutidos, o que influencia o valor final das parcelas. Portanto, todos os números servem apenas como referências estimadas.

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