Muitas pessoas adoram receber dividendos das empresas em que investem, mas será que esse foco é realmente a melhor estratégia de longo prazo? Vamos analisar se pagar dividendos é sempre um sinal de boa saúde financeira e por que algumas empresas preferem reinvestir seus lucros em vez de distribuí-los.
O que são dividendos e JCP?
Dividendos são parte do lucro de uma empresa distribuídos aos acionistas como forma de remuneração. No Brasil, além dos dividendos, temos um parente próximo, o Juros sobre Capital Próprio (JCP), que oferece vantagens fiscais para a empresa. Enquanto os dividendos são isentos de imposto para o acionista, o JCP é tributado na fonte, mas a empresa pode deduzir esse valor do seu imposto de renda, tornando-o uma alternativa interessante para algumas companhias.
A legislação das sociedades anônimas (S/A) no Brasil, de 1976, determina que o total de dividendos a serem pagos deve estar definido no estatuto da empresa. Se não houver uma definição clara, a lei estabelece que, no mínimo, 25% do lucro líquido do período deve ser distribuído aos acionistas, conforme decidido pela assembleia geral. Algumas empresas, no entanto, podem optar por percentuais superiores.
O mito dos dividendos altos como único caminho
Existe um saber convencional, que sustenta a ideia de que empresas que pagam altos dividendos são sempre bons investimentos. Quanto mais dividendos uma empresa paga, com regularidade e previsibilidade, melhor seria para o investidor, certo? Bom, não necessariamente.
No Brasil, poucas empresas listadas na B3 (BVMF:B3SA3) não pagam dividendos regularmente. Uma matéria publicada na Infomoney por Katherine Rivas, em 15/06/2023, listou apenas oito empresas que não distribuíram dividendos aos acionistas nos últimos cinco anos. Entre elas estão: Azul (BVMF:AZUL4), BRF (BVMF:BRFS3), Eneva (BVMF:ENEV3), Fertilizantes Heringer (BVMF:FHER3), Gafisa (BVMF:GFSA3), Gol (BVMF:GOLL4), Log-In (BVMF:LOGN3) e PetroRio (BVMF:PRIO3).
Num total de 429 empresas listadas, apenas essas oito não pagaram dividendos recentemente. Em muitos casos, isso se deve a grandes dificuldades financeiras enfrentadas pelas companhias. No entanto, será que o pagamento de dividendos é sempre um sinal de força e boa gestão?
Dividendos no Brasil x nos EUA
Nos EUA, o cenário é diferente. Não há uma regra que obrigue as empresas a distribuir dividendos, como ocorre no Brasil. Entre as empresas listadas no S&P 500, cerca de 80 não pagam dividendos regularmente. Entre elas estão gigantes como Meta, Alphabet (NASDAQ:GOOGL), Berkshire Hathaway (NYSE:BRKa), Adobe (NASDAQ:ADBE), Amazon (NASDAQ:AMZN), Salesforce, eBay (NASDAQ:EBAY), Netflix (NASDAQ:NFLX) e PayPal (NASDAQ:PYPL).
Essas empresas, apesar de não pagarem dividendos, são grandes vencedoras em seus setores. Elas optam por reinvestir seus lucros para expandir operações, inovar e gerar ainda mais valor para seus acionistas no longo prazo.
Gestão de capital: o papel do CEO
Um ponto que os investidores focados em dividendos muitas vezes ignoram é a questão da gestão de capital da empresa. O CEO de uma companhia tem três principais responsabilidades: entregar resultados de acordo com a estratégia estabelecida pelo Conselho de Administração, fazer a melhor gestão de pessoas e ser um excelente gestor de recursos financeiros.
A melhor gestão de recursos é quando o CEO tem total controle sobre o capital da empresa. Quando ele tem debaixo da sua guarda os recursos da companhia, ele pode reduzir o endividamento, investir em ativos promissores e ampliar as operações. Isso é fundamental para a diferenciação estratégica de uma empresa. Uma companhia sem alavancagem (o nome bonito para dívida), tem muito mais capacidade de enfrentar crises e dificuldades do que uma empresa endividada. Assim como acontece com as finanças pessoais.
Por outro lado, quando uma empresa tem a obrigação de distribuir 30%, 40% ou até 50% de seus lucros em dividendos, isso pode se tornar uma “armadilha”. Essa regra pode limitar as alternativas estratégicas do CEO, que perde flexibilidade para alocar o capital de forma mais eficiente.
Dividendos vs. Reinvestimento: o que é melhor para o longo prazo?
Nos EUA, essa lógica é bem compreendida. Se os acionistas acreditam que podem alocar o dinheiro melhor do que o CEO da empresa, talvez fosse o caso de se candidatarem ao cargo. O sucesso de uma empresa no longo prazo depende de uma gestão eficiente dos recursos. Muitas vezes, isso significa reduzir o pagamento de dividendos para reinvestir no crescimento da companhia.
Alguns investidores argumentam que certas empresas, como as do setor elétrico, não têm muitas oportunidades de reinvestir os lucros. No entanto, essa ideia precisa ser avaliada com cautela. Mesmo em setores mais estáveis, as empresas podem encontrar formas inteligentes de usar o capital para gerar mais valor aos acionistas no longo prazo, em vez de simplesmente reduzir o poder do CEO com a obrigatoriedade de distribuir lucros.
Reavaliando a estratégia de dividendos
Embora os dividendos sejam atrativos para muitos investidores, focar exclusivamente neles pode limitar o crescimento da empresa e reduzir as opções de gestão do CEO. Em muitos casos, reinvestir os lucros pode ser mais benéfico no longo prazo, especialmente em um país com taxas de juros elevadas como o Brasil (pois o alto custo de capital limita a captação de recursos pela companhia).
Assim, antes de priorizar empresas que pagam dividendos altos, é importante avaliar se a estratégia de reinvestimento não traria retornos ainda maiores no futuro. Se o acionista precisar de dinheiro derivado de seu investimento, ele sempre pode vender ações no mercado. Porém, limitar a gestão de capital da empresa com a obrigação de pagar dividendos pode ser um tiro no pé para quem deseja lucrar mais a longo prazo.