Postergar consumo é mesmo riqueza? Ninguém te conta o sacrifício envolvido

Publicado 27.11.2025, 15:32

 

 

O seu salário não é o objetivo, é só o meio. Quando você recebe salário, você está recebendo poder de compra, uma moeda de troca que facilita acessar bens e serviços. 

Na teoria econômica, algo é considerado dinheiro quando cumpre três funções básicas: 

  1. Meio de troca – serve para pagar por bens e serviços. 
  2. Unidade de conta – permite medir preços, salários, dívidas.
  3. Reserva de valor – guarda poder de compra ao longo do tempo. 

Antes do dinheiro, as pessoas faziam escambo: trocavam diretamente trigo por sapatos, gado por ferramentas, serviço por serviço. Isso era lento, difícil de combinar, e exigia que os dois lados quisessem exatamente o que o outro tinha (o famoso “duplo coincidência de desejos”). 

Com o tempo, surgiram moedas-mercadoria (sal, gado, grãos, metais), depois moedas metálicas, papel-moeda e, mais recentemente, moeda fiduciária e digital – dinheiro que tem valor não porque é ouro, mas porque o governo e a sociedade concordam em aceitá-lo. A palavra fiduciária vem do latim “fiducia”, que significa confiança, fé, crédito. Esse dinheiro só funciona porque existe um acordo coletivo de confiança, nada mais. 

Se hoje você recebe salário em reais, é como se antigamente estivesse recebendo sacas de cevada, ouro ou sal, só que numa forma muito mais prática. 

Liquidez

Liquidez é a facilidade e rapidez com que um ativo pode ser transformado em dinheiro sem perder muito valor. 

Dinheiro em espécie ou na conta = altíssima liquidez. Um imóvel = baixa liquidez (leva tempo pra vender, pode ter desconto).  Um carro usado = liquidez média (dá pra vender, mas às vezes com grande deságio). 

Por isso o dinheiro é tão poderoso, ele é o ativo mais líquido da economia. É o que faz as trocas acontecerem. 

Seu salário é basicamente um fluxo de liquidez que você recebe em vez de receber produtos físicos. Você troca seu tempo/serviço por algo que pode virar quase qualquer coisa: comida, aluguel, viagens, investimentos, doações, etc. 

Dinheiro para o consumo e a inflação que não perdoa

Começamos a chegar ao ponto.  Se dinheiro é meio de troca, faz sentido dizer que ele existe para viabilizar consumo (presente ou futuro). E aí entra o inimigo silencioso: inflação. 

No Brasil, a inflação sempre foi um tema central. Ao longo do século 20, tivemos décadas de inflação alta, hiperinflação e várias tentativas de estabilização. 

Mais recentemente, o IPCA em 12 meses tem girado em torno de algo próximo a 4–5% ao ano. 

Na prática, se hoje você tem R$ 1.000 para consumir, e a inflação de 1 ano for de aproximadamente 4,7%, daqui a um ano, esses R$ 1.000 vão comprar algo em torno de R$ 953 em bens (em poder de compra real). 

Segurar dinheiro parado é quase sempre trocar consumo de hoje por menos consumo amanhã. O dinheiro é feito para ser trocado por bens/serviços. Se você não consome nem investe, a inflação consome por você. 

Trocar consumo de hoje por talvez mais consumo amanhã

Quando você investe, você está fazendo uma escolha bem direta: “Eu abro mão de consumir hoje esperando poder consumir mais no futuro.” 

Na prática, quando você investe em: 

  • Poupança, CDB, Tesouro Selic, LCIs, LCAs (renda fixa); 
  • Tesouro IPCA+, debêntures, fundos de crédito privado; 
  • Ações, ETFs, fundos imobiliários;
  • Criptomoedas; 

Você está postergando consumo para tentar ter mais poder de compra lá na frente.

Investir vai me deixar rico? a parte que quase ninguém fala

 Se a pessoa investe pouco todo mês, em aplicações que rendem próximo da inflação, e ainda paga taxa alta ou escolhe mal os ativos, então ela está apenas trocando consumo de hoje por consumo parecido no futuro, na melhor das hipóteses. 

Em países como o Brasil, a bolsa de valores teve, historicamente, retornos reais altos no longo prazo, mas com volatilidade enorme. Um estudo sobre os retornos de longo prazo do Ibovespa entre 1968 e 2019 aponta um retorno real médio acima de 20% ao ano, porém com desvio-padrão anual em torno de 67% (pode ter anos extremamente positivos e anos extremamente negativos). Uma montanha-russa emocional e financeira. 

Se a pessoa investe pouco e não tolera volatilidade, e entra/ sai do mercado em momentos ruins, é bem possível que não enriqueça; às vezes apenas preserve, e às vezes até perca capital. 

Investir não é mágica. Não é “não consumir agora = virar rico amanhã”. O que existe é probabilidade de melhorar o futuro, não garantia.  

A importância de entender no que você está colocando seu dinheiro

Antes de investir, existe um passo que a maior parte das pessoas ignora, e é o que mais causa prejuízo, entender exatamente no que você está investindo. Sem conhecimento, muitos acabam comprando criptomoedas só porque “todo mundo está falando”, entrando em ações que estão no hype do momento, ou pior, caindo em esquemas que prometem retornos anormais e garantidos, como 2% a 5% ao mês, o que já é um sinal clássico de pirâmide financeira. 

Há estudos sólidos que mostram isso: 

  • Um relatório da NASAA (North American Securities Administrators Association) afirma que pessoas com pouca educação financeira são mais vulneráveis a golpes, decisões impulsivas e investimentos inadequados. 
  • Um estudo publicado na revista International Journal of Economics and Financial Issues demonstrou que investidores que realizaram análise adequada (fundamental ou técnica) antes de investir tiveram retornos significativamente maiores do que aqueles que entraram sem entender o ativo. 
  • O World Economic Forum (2024) relatou que, embora jovens estejam investindo mais do que nunca, muitos não possuem as ferramentas e conhecimentos necessários, o que aumenta a chance de decisões ruins. 

Essas pesquisas reforçam uma verdade simples: investir sem saber no que está entrando é apostar, não investir. 

Antes de colocar seu dinheiro em qualquer ativo, você deve entender como o investimento funciona, de onde vem o retorno, quais riscos carrega, quem regula, qual é a liquidez, e se faz sentido para seus objetivos. 

Ignorar isso faz milhares de pessoas perderem dinheiro todos os anos, não por má sorte, mas por falta de informação. 

E quem consome tudo hoje?

Aqui entra o fator humano, que quase sempre é ignorado no discurso “invista tudo, gaste nada”.  

“No longo prazo, todos estaremos mortos.” –– John Maynard Keynes. 

Lembrar que só pensar em longo prazo e ignorar o presente também é um erro.  

Além disso, pesquisas em psicologia econômica mostram que Aaforma como gastamos o dinheiro pode ser tão importante quanto o dinheiro que temos. Estudos de Elizabeth Dunn, Lara Aknin e Michael Norton sugerem que gastar com outras pessoas e com experiências significativas pode aumentar o bem-estar mais do que gastar com bens materiais. 

Se uma pessoa opta conscientemente por consumir hoje, em coisas que melhoram seu bem-estar, suas relações, sua saúde física e mental, ela não está necessariamente “errada”, ela está colocando valor no presente. 

Quem prefere consumir agora, em vez de investir, não é automaticamente irresponsável. Às vezes, faz todo sentido trocar um futuro incerto por um presente certo que realmente importa para aquela pessoa. 

Invista

Postergar parte da renda para o futuro pode ser uma decisão inteligente, especialmente porque a vida é imprevisível e ter um colchão financeiro traz segurança mental. Ao mesmo tempo, consumir hoje também é legítimo, desde que isso não leve a dívidas tóxicas e esteja alinhado aos valores pessoais de cada um: saúde, família, experiências e bem-estar. 

Mas existe um tipo de investimento que merece a atenção: investir em si mesmo. Diferentemente da bolsa, da renda fixa ou de qualquer aplicação financeira, aquilo que você aprende, desenvolve e fortalece nunca mais pode ser tirado de você. Educação, idiomas, saúde física e mental, habilidades profissionais e experiências de vida criam um patrimônio intangível que só cresce com o tempo. Investir em conhecimento amplia seu potencial, aumenta sua capacidade de resolver problemas, eleva sua autoconfiança e melhora sua tomada de decisão. 

Ao se tornar alguém mais capacitado, você automaticamente se torna mais desejado no mercado de trabalho. Profissionais que investem em si mesmos valem mais, e ganham mais. Salários melhores, oportunidades maiores e mais portas abertas surgem justamente porque o indivíduo ampliou seu valor. E quanto maior sua renda, maior também é seu poder de escolha, mais capital para transformar em bem-estar, experiências, qualidade de vida, investimentos, produtos ou serviços que realmente importam para você. 

Nem todo investimento aparece no extrato bancário, alguns aparecem em forma de saúde, oportunidades e qualidade de vida. 

A Ideia

Dinheiro é só um meio de troca com altíssima liquidez, uma evolução sofisticada do escambo, não um fim em si mesmo. E a inflação corrói o poder de compra, guardar dinheiro parado é aceitar consumir menos no futuro.  

Investir é postergar consumo na aposta de poder consumir mais à frente, seja por rendimento financeiro, seja por mais segurança. Pessoas que escolhem consumir agora não estão automaticamente erradas, desde que isso faça sentido para sua vida e não destrua o futuro. 

Adquirir conhecimento básico sobre risco, liquidez, inflação, juros e produtos financeiros é a forma mais eficiente de proteger seu patrimônio. Investir é importante, mas só quando você realmente entende o que está fazendo. Caso contrário, você não está investindo, está torcendo. 

O ponto de equilíbrio não é “investir tudo” nem “torrar tudo”, mas encontrar uma combinação que respeite as suas necessidades de hoje, sua capacidade de lidar com imprevistos, e seus objetivos de longo prazo. 

Entre o discurso de ‘quem não investe é irresponsável’ e a cultura do ‘viva como se não houvesse amanhã’, existe um meio-termo: entender que dinheiro é um meio de troca. Parte dele faz sentido virar consumo hoje; outra parte, consumo futuro. O erro não é gastar ou investir, mas fazer isso sem consciência. 

 

Últimos comentários

Instale nossos aplicativos
Divulgação de riscos: Negociar instrumentos financeiros e/ou criptomoedas envolve riscos elevados, inclusive o risco de perder parte ou todo o valor do investimento, e pode não ser algo indicado e apropriado a todos os investidores. Os preços das criptomoedas são extremamente voláteis e podem ser afetados por fatores externos, como eventos financeiros, regulatórios ou políticos. Negociar com margem aumenta os riscos financeiros.
Antes de decidir operar e negociar instrumentos financeiros ou criptomoedas, você deve se informar completamente sobre os riscos e custos associados a operações e negociações nos mercados financeiros, considerar cuidadosamente seus objetivos de investimento, nível de experiência e apetite de risco; além disso, recomenda-se procurar orientação e conselhos profissionais quando necessário.
A Fusion Media gostaria de lembrar que os dados contidos nesse site não são necessariamente precisos ou atualizados em tempo real. Os dados e preços disponíveis no site não são necessariamente fornecidos por qualquer mercado ou bolsa de valores, mas sim por market makers e, por isso, os preços podem não ser exatos e podem diferir dos preços reais em qualquer mercado, o que significa que são inapropriados para fins de uso em negociações e operações financeiras. A Fusion Media e quaisquer outros colaboradores/partes fornecedoras de conteúdo não são responsáveis por quaisquer perdas e danos financeiros ou em negociações sofridas como resultado da utilização das informações contidas nesse site.
É proibido utilizar, armazenar, reproduzir, exibir, modificar, transmitir ou distribuir os dados contidos nesse site sem permissão explícita prévia por escrito da Fusion Media e/ou de colaboradores/partes fornecedoras de conteúdo. Todos os direitos de propriedade intelectual são reservados aos colaboradores/partes fornecedoras de conteúdo e/ou bolsas de valores que fornecem os dados contidos nesse site.
A Fusion Media pode ser compensada pelos anunciantes que aparecem no site com base na interação dos usuários do site com os anúncios publicitários ou entidades anunciantes.
A versão em inglês deste acordo é a versão principal, a qual prevalece sempre que houver alguma discrepância entre a versão em inglês e a versão em português.
© 2007-2025 - Fusion Media Limited. Todos os direitos reservados.