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Previdência: cuidado na escolha preserva o capital

Publicado 26.09.2023, 09:36
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Quando falamos em previdência, estamos falando em ser previdente, prudente. O objetivo é a formação de uma poupança de longo prazo com o objetivo de termos tranquilidade no momento em que cessa a entrada de recursos provenientes do nosso trabalho. E a prudência começa na hora da escolha sobre onde investir e a matemática por trás disto.

Os fundos de previdência disponíveis no mercado variam em termos de risco e estratégia. E é preciso estar atento na hora fazer a opção. Apesar de mais de 60% do volume ser aplicado em títulos públicos, uma parte considerável, quase 30% do patrimônio destas instituições, é destinado a papéis privados de renda fixa, o restante se divide entre ações e outros ativos alternativos.

Aplicar uma grande parte dos recursos em renda variável ou de crédito privado corporativo traz um risco adicional aos poupadores que pensam em sua aposentadoria futura.

Quando falamos de futuro, não estamos pensando em 5 anos, mas em 25, 30 anos. E a pergunta que fica é se vale a pena correr este tipo de risco constante em troca de uma possível rentabilidade maior, durante todo o período de acumulação, já que o investimento é de longo prazo.

A resposta padrão passaria pelo “depende do perfil do investidor, seu apetite ao risco, idade etc.” Mas não é bem assim que eu penso.

Os recursos em previdência não são voltados para o enriquecimento do investidor, nem tampouco deveriam assumir riscos desnecessários que, muitas vezes, podem levar à perda permanente do patrimônio. Vide o que aconteceu recentemente no caso Americanas (BVMF:AMER3) e Light (BVMF:LIGT3).

O objetivo da previdência é justamente evitar grandes perdas para que os juros compostos - chamado por Einstein como a oitava maravilha do mundo - possam trabalhar livremente ao longo do período de trabalho. Interromper este processo além de pouco inteligente, pode causar danos que, dependendo da fase de vida do investidor, há a possibilidade de não existir tempo hábil suficiente para que se recupere.

A crise de crédito, que se agravou nos primeiros meses do ano com empresas deixando de honrar seus compromissos financeiros, está aí para comprovar. A questão é que este tipo de episódio tem se tornado cada vez mais recorrente.

Há mais de uma década, pelo menos uma vez por ano, um evento similar acontece. Tem sido algo rotineiro, pois de uma hora para outra, fundos supostamente de baixo risco, vistos como um porto seguro por seus cotistas e que deveriam possuir baixa volatilidade, passaram a registrar variações negativas. São riscos que não estavam mapeados pelos investidores e, consequentemente, geram surpresas negativas para quem estava contando com o dinheiro. Quando acontece em fundos de previdência, pior ainda.

O crédito privado corporativo conta com um risco difícil de se avaliar, pois se o credor não paga a dívida, o investidor perde todo o capital investido, e isso classificamos como a pior perda possível, chamada de perda permanente de capital.

Desta forma, uma das consequências é que a máquina dos juros compostos, tão importante para o acúmulo de recursos na previdência, acaba sendo interrompida. E o dano é permanente para o investidor quando isto acontece.

Para o gestor, o risco é limitado, pois na maioria dos fundos de crédito privado, tendo em vista a complexidade de se gerir este tipo de produto, a cadeia de prestadores de serviços fica com quase todo o ganho, enquanto o cliente assume o risco com um retorno insuficiente para arcar com a possível perda que está assumindo. Na minha opinião, não há equilíbrio nesta relação. E somente um perdedor de fato.

O mesmo alerta fica para os fundos de previdência que possuem um percentual considerável de seus recursos em renda variável. Obviamente, investir em renda variável possui uma probabilidade de ganhos muito mais relevantes no futuro. Mas qual o preço efetivamente que se paga para assumi-los, como funcionam os incentivos e de novo, quem fica com o ganho e quem fica com o risco?

Com a agravante que fundos com renda variável ainda possuem uma volatilidade de cotas muito maior. Mesmo conceitualmente sendo um bom ativo de longo prazo, é preciso tomar cuidado com este tipo de exposição e, é claro, a performance vai depender da escolha das ações que comporão a carteira … por 30 anos!

Imagine um fundo que colocou os recursos de aposentadoria de seus cotistas nas ações da Via Varejo (BVMF:BHIA3). Em julho de 2020, os papéis chegaram a ser cotados acima de R$ 21,00. Já no dia 14 de setembro de 2023, as ações eram negociadas a R$ 0,90, uma perda de 95,7% em pouco mais de três anos e que dificilmente se recupera, mesmo no longo prazo. Existem diversos casos somente nos últimos anos, como Saraiva (BVMF:SLED4), ações de empresas de varejo, as recentes aberturas de capital de empresas de tecnologia, fora negócios cíclicos que de tempos em tempos perdem 70% de seu preço em bolsa, enfim a lista é bem longa.

Para se investir em ações para previdência, a regra de bolso é que os riscos precisam ser muito bem dimensionados, mais até do que em fundos abertos. Mas não é o que tenho visto acontecer também. É muito fácil tomar risco quando os recursos são dos clientes. Mais fácil ainda quando este cliente só espera precisar do capital daqui 25 ou 30 anos.

Conclusão: alguns fundos com excesso de renda variável em previdência têm como consequência remunerar melhor a cadeia de fornecedores e ainda ter espaço para remunerar o canal. Sem contar a obrigação de bater os índices de mercado anualmente. Tudo isto com uma volatilidade próxima a 30% ao ano. Na grande maioria das vezes, a matemática simplesmente não fecha a conta.

Desta forma, na minha visão, esta estratégia não faz muito sentido para o cliente. Ou, se faz, ela funcionaria melhor nos primeiros anos de acumulação, não durante todo o período. Afinal, quanto mais perto o cliente está da sua aposentadoria mais os danos gerados por volatilidade e riscos excessivos podem ser permanentes.

Ninguém quer arriscar a poupança de uma vida inteira em um investimento que possa destruir o patrimônio acumulado rapidamente, forçando-o a trabalhar por mais tempo do que o previsto, porque houve um revés de mercado, do governo, do mundo ou de coisas que o gestor não tem como antecipar.

O que acontece com um cliente de previdência que ficou alocado 35 anos em um fundo, com 70% de renda variável e três anos antes de ele se aposentar um fator exógeno leva o fundo cair 40% ou 50%? Observe ainda que uma queda de 50% precisa ser compensada por uma alta de 100% para que o investimento retorne ao zero. Faltando poucos anos para se aposentar, se um evento fortuito acontecer, talvez não haja mais tempo para recuperar o que foi perdido.

Arriscar tanto em ações quanto em crédito privado corporativo para obter maior rentabilidade pode parecer correto quando se trata de longo prazo, pois os retornos prometidos são maiores que as opções de mercado livres de risco. Também faz muito sentido em ambientes estáveis, com juros e inflação baixos e sob controle por longos períodos de tempo. Não é o caso do Brasil.

Quando os olhos brilham para a expectativa de ganho, poucos param para avaliar o que ocorreria em um momento de revés e a interrupção do processo mais importante que existe em investimentos previdenciários, o papel dos juros compostos.

De quem é a culpa? Ora, o gestor cumpriu seu mandato, a seguradora disponibilizou o produto, os riscos estavam devidamente descritos, e o investidor alocou por dezenas de anos. Não há culpados de fato, mas no final quem fica com o prejuízo e sem dormir é somente uma pessoa: o cliente. 

Dá para fazer melhor que isto!

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