Promessas e armadilhas no mundo dos M&As: O divórcio de Soma e Arezzo

Publicado 10.04.2025, 10:35

M&As sempre figuram entre as estratégias mais ambiciosas no mundo corporativo. A ideia de unir empresas para somar forças, expandir mercado ou obter novas capacidades é sedutora – mas também carregada de riscos. Décadas de pesquisas trazem um alerta sóbrio: muitas transações não entregam o valor prometido ao comprador. Ainda assim, o apetite por deals não diminuiu – pelo contrário, o volume global de M&As superou US$ 3,2 trilhões em 2023 e, no Brasil, as transações voltaram a crescer, com 1.582 operações em 2024 (+5% vs 2023).

O cenário atual mistura otimismo e cautela: se por um lado novos dados indicam melhora na taxa de sucesso das fusões, por outros casos recentes, como o iminente “divórcio” entre Arezzo&Co (BVMF:AZZA3) e Grupo Soma, lembram que armadilhas clássicas como conflitos culturais, avaliação equivocada de ativos e desalinhamento estratégico – continuam presentes.

Sinais de que uma fusão pode fracassar

Muitas fusões começam sob aplausos e expectativas nas alturas – apenas para naufragarem silenciosamente nos bastidores da integração. Quais os indícios precoces de que um deal pode não dar certo? 

  • Choque de culturas e liderança conflituosa: “Culture eats strategy for breakfast” já dizia o guru Peter Drucker. Diferenças profundas na cultura organizacional costumam minar fusões; valores e estilos de gestão incompatíveis geram desconfiança interna e êxodo de talentos. Um estudo da McKinsey indica que cerca de 70% das falhas em M&A decorrem de problemas de integração pós-aquisição, incluindo falhas de comunicação, conflitos culturais e perda de pessoal-chave. No Brasil, a Fundação Dom Cabral apurou proporção semelhante: 60% das transações fracassadas por aqui têm raízes em integração/cultura mal conduzida. Um sinal de alerta é quando lideranças das empresas combinadas não conseguem estabelecer uma relação de confiança e propósito comum logo nos primeiros meses – divergências nesse alto escalão tendem a contagiar toda a organização.

  • Avaliação inadequada e “overpayment”: pagar caro demais por uma aquisição é outro erro comum. Muitas vezes, executivos se deslumbram pelos alvos e superestimam sinergias, aceitando preços que somente se justificariam em cenário onde “todo dia faz sol”. Um estudo da KPMG com ~9.000 M&As mostrou que a sinergia projetada é frequentemente superestimada e usada para embasar avaliações infladas. Depois do fechamento, a realidade cobra seu preço: receitas que não se materializam e economias de custo aquém do esperado destroem valor. Indicativos disso incluem múltiplos de aquisição muito acima dos comparáveis de mercado, ou pressa excessiva em fechar negócio sem a due diligence (na tradução literal: “devida diligência”) bem feita. Vale lembrar: quando uma empresa é adquirida, geralmente é ótimo para os acionistas da vendida – o desafio é fazer o prêmio pago valer a pena para o comprador.

  • Desalinhamento estratégico e desvio de foco: todo M&A precisa ter uma tese clara de investimento. Se os motivos da transação não estiverem alinhados à estratégia de longo prazo das partes, o resultado tende a decepcionar. Às vezes, a aquisição parece o caminho mais rápido para crescer, mas acaba desviando foco da gestão e consumindo energia que poderia ter sido empregada no “core business”. Cada grande aquisição implica renunciar a oportunidades de crescimento orgânico – e quanto maior o deal, maior o esforço de integração e o risco de a empresa “engasgar”. Sinais de alerta: justificativas vagas do tipo “comprar para diversificar” sem sinergias específicas; ou quando a empresa compradora não possui competências para gerir o novo negócio, entrando num segmento totalmente estranho. Nesses casos, o M&A pode virar um “elefante branco” que distrai a administração e consome capital e tempo desproporcionalmente.

  • Problemas financeiros ocultos e due diligence insuficiente: embora menos visível externamente, a má avaliação de passivos, riscos legais ou situação financeira da empresa adquirida pode sabotar uma fusão. Descobrir só depois do fechamento que a adquirida tinha um passivo contingente relevante ou tecnologia obsoleta, por exemplo, é devastador. Due diligence apressada ou incompleta – seja por sigilo excessivo ou empolgação – deixa de identificar bombas-relógio. Um alerta claro é quando poucos meses após a aquisição surgem reestruturações não planejadas, revisões negativas de projeções ou necessidade de aportes adicionais de capital no negócio adquirido. Isso indica que a compra pode ter sido feita “no escuro”, sem pleno entendimento do ativo.

  • Falta de plano de integração e estrutura: concluir a transação é apenas o começo. Sem um plano robusto de integração (comitês dedicados, responsáveis claros, metas de 100 dias etc.), as sinergias “ficam no papel”. A ausência de governança para unir as operações – ou disputas internas por poder e cargos na estrutura combinada – ameaça diluir os supostos benefícios. Empresas experientes em M&A costumam ter equipes internas especializadas em integração e playbooks para guiar o processo. Quando um comprador não demonstra essa preparação, ou trata a integração como algo secundário, é um mau presságio. O mercado percebe: atrasos na captura de sinergias e comunicação confusa da nova estrutura aos investidores se refletem em queda nas ações.

Em resumo, conflitos culturais, avaliação irrealista, estratégia difusa e “integração improvisada” compõem a receita do fracasso em M&A. A boa notícia é que todos esses fatores emitem sinais antecipados – cabendo aos executivos e investidores identificá-los e questionar os “deal makers” antes que seja tarde. 

Para fins de exemplificação, tomemos o caso recente de Arezzo–Soma:

Menos de oito meses após anunciarem uma fusão celebrada pelo mercado, Arezzo&Co e Grupo Soma – gigantes do setor de moda brasileiro – viraram notícia não pelo sucesso, mas pelo risco de uma separação litigiosa. Em março de 2025, surgiram reportagens de que Alexandre Birman e Roberto Jatahy, principais acionistas e responsáveis pelo deal, estavam negociando um fim pacífico para a sociedade, numa espécie de “divórcio” empresarial. O caso, ainda em andamento, já oferece lições valiosas sobre o que pode dar errado em um M&A:

Contexto da fusão: Em 2024, as empresas anunciaram união sob a holding “Azzas 2154” (AZZA3), combinando calçados (Arezzo) e moda feminina (Soma). A divisão acionária foi quase meio a meio (54% Arezzo, 46% Soma) – fusão de iguais, com dois núcleos de poder.

Choque de estilos: Desde o início, falava-se no contraste entre Alexandre Birman (CEO da Arezzo e do grupo Azzas) e Roberto Jatahy (líder da divisão de moda). O desgaste dificultou decisões e levou à contratação de assessores por ambos, preparando-se para uma possível cisão.

Resultados decepcionantes: Nos primeiros trimestres, a Azzas teve lucros pressionados por estoques descontinuados e altos custos de integração. Analistas notaram queda de margem e queima de caixa, frustrando expectativas de sinergia.

Reação do mercado: Com os rumores de cisão, AZZA3 caiu até 13% em um só pregão. A Azzas passou a valer R$ 4,6 bi – menos da metade dos R$ 11,8 bi combinados antes da fusão. A criação de valor virou destruição.

Contudo, algumas lições emergem claramente:

  1. Alinhamento de liderança é tudo: Não basta juntar ativos, é preciso unir pessoas-chave em torno de uma visão comum. Em fusões de iguais, talvez seja sábio definir claramente papéis e plano de sucessão, ou até considerar ter um CEO independente para evitar choque de egos.

  2. Sinergias requerem tempo (e transparência): Investidores entendem que sinergias não surgem da noite para o dia, mas esperam ver um plano concreto e milestones. No caso Azzas, a falta de clareza sobre metas de integração e a decepção já no primeiro resultado geraram desconfiança.

  3. Cultura e foco de negócios: Arezzo e Soma atuam em moda, porém segmentos distintos (calçados vs. vestuário feminino). No papel havia complementaridade, mas culturas organizacionais podem diferir mesmo em setores próximos. Talvez tenha havido subestimação das diferenças de operação. A lição é realizar um due diligence cultural tão rigoroso quanto o financeiro – mapeando desde políticas de RH até estilo de tomada de decisão – e planejar como harmonizá-las.

  4. Estruturas de poder e governança:* a fusão criou uma companhia sem controlador único, com dois blocos de acionistas equilibrados. Essas estruturas exigem acordos de acionistas sólidos e governança bem desenhada para dirimir conflitos. Fica claro que, em M&As, “quem manda em quê” deve ser resolvido logo no início. Se persistir uma ambiguidade, decisões triviais podem virar impasses e transbordar para o mercado.

  5. Preparação para o pior cenário: Nenhum executivo inicia uma fusão pensando no divórcio, mas, como em casamentos, pactos pré-nupciais ajudam. Ter cláusulas de saída, opções de compra/venda de participação e mecanismos de resolução de disputas pode evitar que um desentendimento vire um drama público.

O caso Arezzo–Soma ilustra, em escala bilionária, que uma fusão mal concebida ou mal executada pode rapidamente degenerar em destruição de valor e reputação. Para empresários, fica o recado: “M&A não é vitória garantida; é preciso humildade para integrar e agir rápido se as coisas não forem bem.” Para investidores, o recado é outro: “Quando as dificuldades pós-fusão ficam claras, a tempo de virar memes, o mercado já terá precificado o fracasso – fique atento aos sinais antes do meme.”

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