Ray Dalio está prevendo outra crise financeira, novamente

Publicado 30.05.2025, 13:35

Ray Dalio, fundador da gestora Bridgewater Associates, voltou a ocupar espaço na imprensa ao declarar que o “déficit fiscal dos EUA se tornou crítico”.

“É como se eu fosse um médico analisando um paciente e dissesse: você está acumulando problemas sérios. É muito, muito grave, e embora eu não possa cravar o momento exato, diria que, se olharmos para os próximos três anos, com uma margem de um ou dois para mais ou para menos, estaremos diante de uma situação extremamente crítica.”

Em entrevista à Bloomberg, reforçou:

“Se não houver um compromisso para reduzir o déficit, haverá consequências. Não sei dizer exatamente quando, é como um ataque cardíaco, ele se aproxima. Meu palpite seria em torno de três anos, com alguma margem de erro.”

Como de praxe em previsões alarmistas, essas falas vieram acompanhadas de um gráfico impactante do Deutsche Bank:

“Relembramos que o projeto de lei atualmente no Congresso, apelidado de ’Big, Beautiful Bill’, adicionaria aproximadamente US$ 5 trilhões à dívida pública, levando os EUA ao que chamamos de ’Dia do Juízo Final Fiscal’, basicamente, uma troca entre prosperidade de curto prazo (alguns trilhões a mais em quatro anos) e colapso econômico no longo prazo (com uma relação dívida/PIB projetada em 220%).”

Dívida pública federal dos EUA em poder do mercado
De fato, o gráfico impressiona. A projeção tem como base as estimativas do Escritório de Orçamento do Congresso (CBO), que calcula os impactos fiscais futuros das propostas legislativas com base na diferença entre arrecadação e gasto público.O Grande e Ambicioso Projeto de Lei

Mas tanto Dalio quanto o CBO estão longe de apresentar previsões confiáveis. E há razões claras para isso.

O histórico de previsões equivocadas de Dalio

É importante reconhecer que Ray Dalio, figura influente no mercado financeiro, também é suscetível a erros como qualquer outro profissional. Seu desempenho à frente da Bridgewater merece respeito, mas seu histórico em previsões sobre crises de dívida deixa muito a desejar. Uma breve retrospectiva:

  • Março de 2015 – Dalio alerta que o Fed poderia repetir os erros de 1937.
  • Janeiro de 2016 – Afirma que o superciclo de dívida de 75 anos estaria chegando ao fim.
  • Setembro de 2018 – Compara o cenário à década de 1930 e prevê recessão em dois anos.
  • Janeiro de 2019 – Vê risco elevado de recessão nos EUA.
  • Outubro de 2022 – Alerta para uma “tempestade perfeita” na economia (que coincidiu com o piso do mercado).
  • Setembro de 2023 – Afirma que os EUA caminham para uma crise de dívida.

E é possível ir ainda mais longe. Em relato pessoal, Dalio reconhece um de seus maiores erros, ainda em 1981-1982:

“Naquela época, eu tinha convicção de que os EUA entrariam em depressão. Minha análise me levava a crer que a política monetária do Fed, combinada ao elevado endividamento, desencadearia uma onda global de calotes. E se o Fed reagisse imprimindo dinheiro, a inflação explodiria. Estava tão certo da depressão que publiquei em jornais, fui à televisão e até testemunhei no Congresso.”

Apesar de ter compreendido o erro dos anos 1980, Dalio tem repetido o padrão ao longo da última década.

Quem seguiu suas previsões apocalípticas perdeu a oportunidade de participar de uma das maiores tendências de valorização do mercado acionário dos EUA.

Não se trata de questionar sua competência. Dalio é um gestor com profundo conhecimento. Mas inteligência não garante acerto em previsões econômicas. Ele errou nos anos 80, e voltou a errar nos últimos dez anos.Ray Dalio – Colapso da dívida é iminente

Isso significa que ele jamais estará certo? Claro que não. Mas, para o investidor comum, os prejuízos de reagir a previsões desse tipo tendem a ser maiores do que os riscos de ignorá-las, mesmo que um ou outro cenário venha eventualmente a se concretizar.

E quanto às projeções do CBO?

As falhas estruturais das previsões do CBO

Anualmente, o Escritório de Orçamento do Congresso (CBO) publica projeções sobre déficits fiscais e níveis de endividamento para os dez anos seguintes. Essas estimativas, amplamente repercutidas por parlamentares e veículos de imprensa, ajudam a moldar o debate sobre política fiscal e decisões orçamentárias. O problema é que, com frequência alarmante, elas simplesmente não se concretizam.

Assim como no caso de Dalio, as projeções do CBO sofrem com viés metodológico e omissões relevantes. Muitas vezes, desconsideram ajustes dinâmicos na atividade econômica, mudanças comportamentais e transformações nas políticas públicas, o que compromete sua capacidade de prever com precisão.

Essas limitações geram modelos que mais confundem do que informam. E no próximo trecho, veremos detalhadamente por que isso acontece.

A natureza estática dos modelos do CBO

O modelo analítico utilizado pelo Escritório de Orçamento do Congresso (CBO) é baseado em premissas estáticas. Ou seja, parte da suposição de que políticas públicas, como alíquotas de impostos, níveis de gastos e programas assistenciais, permanecerão inalteradas ao longo dos dez anos de projeção, salvo se novas leis já tiverem sido aprovadas. Na prática, isso raramente ocorre. Por exemplo, se um corte de impostos tem prazo de validade, o CBO assume que ele será encerrado, mesmo que haja alta probabilidade de prorrogação. O mesmo se aplica a tetos de gastos discricionários, reduções previstas em repasses do Medicare e orçamento militar. O resultado são projeções que frequentemente incorporam "abismos fiscais" ou contrações abruptas de gastos públicos que, na realidade, são evitadas pelo Legislativo, tornando as estimativas obsoletas antes mesmo de se tornarem úteis.

Desconsideração de efeitos dinâmicos da política fiscal

Talvez o ponto mais crítico do modelo do CBO seja a utilização limitada de “scoring dinâmico”, conceito que reconhece a influência das decisões fiscais sobre o desempenho da economia, afetando, em contrapartida, a arrecadação e as despesas. Em vez disso, o CBO se apoia em projeções econômicas básicas que assumem uma trajetória suave de crescimento e inflação, normalmente baseadas em médias históricas ou em consensos do setor privado. O problema é que essas premissas são retrospectivas, e não calibradas para as condições atuais ou esperadas.

Premissas irrealistas sobre crescimento e juros

Outro ponto problemático nas projeções do CBO está na relutância em adotar estimativas mais realistas para o crescimento econômico de longo prazo. Em horizontes de dez anos, até pequenos ajustes nas expectativas de crescimento do PIB real podem alterar significativamente a relação dívida/PIB. Apesar disso, o CBO parte de um crescimento médio de 1,8% a 2,0% ao ano, baseado na produtividade e na expansão da força de trabalho, sem considerar mudanças estruturais ou cíclicas relevantes.

Esse viés pessimista ignora cenários de aceleração econômica decorrentes, por exemplo, de ganhos de produtividade com novas tecnologias, transformações demográficas ou políticas expansionistas bem-sucedidas. Por outro lado, tampouco modela adequadamente os riscos negativos, como recessões, crises geopolíticas ou eventos de crédito. O resultado é uma narrativa “mediana” que raramente reflete a realidade observada.

Da mesma forma, o CBO pressupõe um ambiente de juros em alta gradual, partindo da ideia de que o aumento da dívida levará a elevações progressivas nos custos de financiamento. A experiência histórica, no entanto, mostra que as taxas de juros podem permanecer deprimidas mesmo com o crescimento da dívida pública. De fato, os juros tendem a cair quando os déficits aumentam, principalmente quando os gastos públicos não geram produtividade e, portanto, reduzem o crescimento.

O recente salto nos juros foi uma consequência direta da inflação provocada por estímulos emergenciais, como os cheques enviados às famílias durante o fechamento da economia. Com o esgotamento desse impulso artificial, tanto o crescimento quanto as taxas de juros tendem a recuar. Dalio e o CBO ignoram essa origem conjuntural e assumem erroneamente que a alta dos juros foi estrutural. À medida que a atividade econômica desacelera, as futuras intervenções dos bancos centrais colocarão em xeque a narrativa recorrente do CBO de que a elevação da dívida levará inevitavelmente a uma crise fiscal por meio de pagamentos crescentes de juros.Superávit/Déficit do Fed versus rendimento do título de 10 anos

O futuro é profundamente incerto

É importante reconhecer o papel fundamental do CBO na promoção de transparência fiscal nas contas públicas dos Estados Unidos. No entanto, suas projeções devem ser vistas como cenários possíveis, não como certezas. Diversos economistas já defenderam a adoção de intervalos de projeção, considerando diferentes premissas de crescimento, juros e política fiscal. Outros sugerem ampliar o uso de modelos dinâmicos, que incorporam efeitos comportamentais e impactos macroeconômicos das políticas públicas.

O ponto central é que o futuro carrega um alto grau de incerteza. Qualquer estimativa que se projete a uma década certamente estará errada, para melhor ou para pior. Por exemplo, os EUA estão possivelmente à beira de uma nova revolução industrial, com impactos ainda incalculáveis sobre a economia, o trabalho e a estrutura produtiva.

A inteligência artificial pode provocar transformações profundas na produtividade, nos salários e no mercado de trabalho. Ao mesmo tempo, sua adoção exigirá investimentos vultosos em infraestrutura intensiva em capital. Como discutido em “A eletricidade pode resolver a preocupação com a dívida”:

“A IA generativa tem potencial para automatizar grande parte das tarefas laborais e, com isso, impulsionar o crescimento econômico global. Espera-se que ela comece a influenciar o PIB dos EUA de forma mensurável já em 2027, com efeitos posteriores em outras economias. As estimativas indicam que até 25% das atividades profissionais nas economias avançadas e de 10% a 20% nas emergentes poderão ser automatizadas.”

Atualmente, a expectativa é de que a IA adicione 0,4 ponto percentual ao crescimento anual do PIB dos EUA, o que reduziria, naturalmente, o impacto do aumento da dívida pública sobre a trajetória fiscal.Cenário de crescimento do PIB segundo o Goldman Sachs

As projeções do CBO são relevantes, mas sofrem limitações severas quanto às premissas que adotam. Ignoram a evolução política, a adaptabilidade das economias e, sobretudo, o caráter imprevisível do futuro. Não consideram passivos relevantes, desconsideram efeitos de retroalimentação econômica e assumem uma rigidez fiscal que simplesmente não condiz com a realidade.

Considerações finais

Para investidores, formuladores de política e cidadãos, o essencial não é descartar o trabalho do CBO, mas compreender seus limites. E, no caso de figuras como Ray Dalio, que reiteradamente alertam sobre os níveis de dívida em relação ao PIB, é importante colocar tais alertas em perspectiva.Dívida/PIB: Japão versus EUA

O Japão, por exemplo, é um país com características menos favoráveis que os EUA:

  • Não é emissor da moeda de reserva global;
  • Tem menor potencial de crescimento econômico e acesso a recursos naturais;
  • Enfrenta problemas demográficos graves;
  • E não possui poderio militar comparável ao norte-americano.

Apesar disso, o Japão não colapsou economicamente nem entrou em insolvência. Ou seja, apostar contra os EUA por causa de uma relação dívida/PIB em torno de 120%, ignorando o potencial transformador da inteligência artificial, pode ser uma aposta bastante equivocada.

Para o investidor, entender as limitações dos dados que utiliza para embasar decisões é crucial. Como mostrou a experiência com Dalio, partir da suposição de que uma crise de dívida está prestes a ocorrer compromete seriamente o processo de acumulação patrimonial.

O CBO e Dalio podem, um dia, estar certos? É possível. Mas a questão mais relevante é: isso acontecerá dentro do seu horizonte de investimento? E mais importante ainda: o que você fará depois?

A escolha é sua. Mas decisões baseadas em premissas erradas podem comprometer profundamente sua trajetória de construção de riqueza e o alcance dos seus objetivos financeiros.

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