A conversa que mais se ouve entre empresários no mundo inteiro é de que o Brasil é um verdadeiro manicômio tributário. Aposto que você já deve ter escutado essa expressão por aí, associando esse fato ao exagerado número de tributos, taxas e contribuições que a economia brasileira possui. Também aposto que você acompanhou toda a discussão da reforma tributária nas últimas semanas.
São décadas e mais décadas em que a situação só piora, o que vai além do número de tributos. A loucura é atiçada pelos três níveis de recolhimento (federal, municipal e estadual), alíquotas, isenções, desonerações, imunidades, cobranças em cascata e a própria metodologia do cálculo (com os famosos “por dentro” e “por fora”), além de outros incontáveis requintes de crueldade.
Todo o processo é custoso, complexo e lento. Cria um universo paralelo para advogados e contadores, além de fomentar fraudes e alimentar uma indústria corrupta de fiscalização. O resultado final é um só: a corda sempre estoura para o lado do consumidor final.
Diante desse quadro, a Câmara dos Deputados aprovou em 07 de julho a primeira fase da reforma tributária, que reformula a tributação sobre o consumo. É bem provável que qualquer simplificação que resultar dessa reforma deixará o sistema tributário brasileiro melhor do que está.
Imposto sobre vendas ou Imposto sobre Valor Agregado?
Não vamos muito longe com os IPTUs e IPVAs da vida. Vamos nos concentrar apenas na Hidra de 5 cabeças que tira o sono do empresário brasileiro: PIS, Cofins e IPI (federais); ICMS (estadual); ISS (municipal).
É claro que o número de tributos deve ser reduzido para otimizar o sistema e facilitar a vida de todo mundo. Mas como otimizar esse sistema de arrecadação? Qual é o melhor modelo a ser adotado?
Muita gente tem dúvidas a respeito do que foi aprovado na primeira fase da reforma e confundindo alguns conceitos. Empresários e consumidores estão se perguntando se vão ter que pagar o imposto na boca do caixa, confundindo o IVA com os impostos sobre vendas, o famoso Sales Tax, usado nos Estados Unidos.
Isso nos leva a diferenciar, primeiro, os dois modelos.
Sales Tax (imposto sobre vendas)
O Sales Tax, ou imposto sobre vendas, é um imposto aplicado sobre o consumo de bens e serviços. Nos Estados Unidos, esse tributo é de competência de cada estado, enquanto no Canadá ele é mesclado com outro imposto federal, sendo recolhido pelas províncias.
É muito comum que os brasileiros mencionem a facilidade desse imposto, resumindo a também complexa estrutura tributária americana a ele, esquecendo que há, por exemplo, impostos de renda estaduais e federais por lá.
Contudo, no quesito tributação sobre o consumo (e produção), que inclui os cinco tributos brasileiros a serem substituídos, o Sales Tax é, sim, muito mais simples. Esse tributo incide apenas na venda final de bens e serviços ao consumidor final; nenhum estado está autorizado a receber o tributo até que esse estágio ocorra.
Vamos usar como exemplo o caso do estado da Flórida. Lá, cada venda, armazenamento ou aluguel é tributável, a menos que a transação seja isenta. O imposto sobre vendas é adicionado ao preço dos bens ou serviços tributáveis e cobrado do comprador no momento da venda.
A alíquota geral de imposto sobre vendas do estado da Flórida é de 6%, com recolhimento de responsabilidade do vendedor. Assim, para a construção e venda de uma simples cadeira:
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A marcenaria não pagaria o tributo pela compra das madeiras;
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O varejista não pagaria o tributo pela compra das cadeiras da marcenaria;
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O comprador da cadeira (seja uma dona de casa ou uma empresa que está mobiliando seu escritório) pagaria 6% sobre o preço do produto, discriminado na nota fiscal.
Veja que o Sales Tax é um imposto indireto cobrado apenas do consumidor final, e não incide nas etapas intermediárias da cadeia de produção e distribuição. Isso significa que o imposto é adicionado ao preço final do produto ou serviço quando é vendido ao consumidor. Nesse estágio, o varejista ou prestador de serviço coleta o Sales Tax sobre o valor total da venda e repassa esse valor ao governo.
Isso torna o sistema mais simples e fácil de administrar, já que cada empresa não precisa calcular e repassar o imposto em cada etapa da cadeia. E eu já imagino o que você deve estar pensando: “mas o ônus do imposto é suportado totalmente pelo consumidor final”.
Sim, é verdade. Mas, apesar de algumas especificidades (porque alguns municípios também podem cobrar o imposto junto com o estado), a alíquota máxima do Sales Tax não passa de 10%. Não se esqueça de que no Brasil, apenas o ICMS gira em torno de 18%, enquanto o PIS e Cofins chegam a 9,25%. E eu nem falei do IPI, que chega a 30% em várias operações.
IVA (Imposto sobre Valor Agregado, Adicionado ou Acrescentado)
Os países europeus adotam o chamado IVA para a tributação do consumo de bens e serviços. Diferentemente do Sales Tax, esse tributo é federal e calculado em todas as fases da produção.
A União Europeia definiu uma taxa mínima de 15%, com a possibilidade de outras duas faixas inferiores. Na parte continental de Portugal, por exemplo, a alíquota principal do IVA é de 23%, com uma intermediária de 13% e outra reduzida de 6% para alguns produtos e serviços.
Dessa forma, em nosso simples exemplo da cadeira:
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A marcenaria pagaria o tributo pela compra das madeiras, que seria repassado para a esfera federal pela madeireira;
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O varejista pagaria o tributo pela compra das cadeiras da marcenaria, que recolheria o tributo ao governo;
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O comprador da cadeira também pagaria o IVA sobre o preço do produto, que seria repassado ao governo pelo varejista.
Só que aqui há um detalhe crucial: se o varejista comprou a cadeira por €50,00 e vendeu para o consumidor final por €80,00, o IVA será calculado apenas sobre o valor que ele adicionou à prática comercial (por isso o nome do tributo é Imposto sobre o Valor Adicionado), que foi de €30,00. No caso de Portugal, o IVA a ser recolhido pelo varejista seria de €6,90.
Como será no Brasil?
Eu prefiro o Sales Tax, de longe. A produção se torna mais barata e o recolhimento é infinitamente mais simples. E se você conhece a economia americana e já viu como ela funciona ao vivo, percebe que grande parte de sua pujança está ligada à menor agressividade dos impostos sobre a produção. E nem precisamos falar sobre a folha de pagamento.
O IVA da União Europeia buscou simplicidade e neutralidade, sendo muito transparente e com pouca burocracia (mesmo em Portugal, acredite). Mas e aqui?
A proposta é de que três tributos federais (PIS, Cofins e IPI) seriam extintos, formando a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que seria arrecadada pela União. Trata-se de uma contribuição, o que desobriga a União a dividir a receita com outro ente da federação.
Segundo o Ministério da Fazenda, cada empresa pagará apenas sobre o valor que agrega ao produto ou ao serviço (como explicamos), em uma tributação uniforme de bens e serviços. Isso seria simples para as empresas e transparente para o consumidor, com o fim da cumulatividade (cascata).
O próprio exemplo do Ministério demonstra a simplicidade dos créditos em cada etapa de produção:
Ainda segundo o governo, com a CBS haverá uma redução de 52 para 9 campos na Nota Fiscal e de 70% das obrigações acessórias (você tem ideia do que é uma nota com 52 campos?). Também haverá a extinção de vários regimes diferenciados e de desonerações.
Sim, e outros dois abacaxis? O ICMS (dos estados) e o ISS (dos municípios) seriam fundidos, criando o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços). Em resumo, o IVA será dual, em que:
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A União definirá a alíquota do CBS;
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Estados e municípios definirão a alíquota do IBS. Aqui os governos estaduais e as prefeituras deverão entrar em acordo por uma alíquota única, o que eliminaria a guerra fiscal.
Outro fator que encerraria de vez a guerra fiscal entre estados se dará com a mercadoria e o serviço sendo tributados no local do consumo, em vez do estado de origem, como ocorre atualmente. Só que esse processo só será finalizado em 2078 (isso mesmo, você não leu errado).
No IVA dual brasileiro não haverá cumulatividade plena, o que significa que a CBS e o IBS não incidirão em cascata em nenhuma fase da cadeia produtiva, já que, se isso ocorresse, não seria um IVA.
As expectativas giram em torno de uma alíquota total de 25%. Os três tributos federais serão unificados em 2026, quando será avaliada uma alíquota de teste a ser abatida do total dos três. O CBS só entrará em vigor em 2027, ano em que as alíquotas do IPI serão zeradas.
O último ano do ICMS e do ISS será em 2028, quando serão unificados e o IBS será adotado. A previsão é de que o IBS esteja completamente implantado apenas em 2033.
Bom, ruim ou regular?
Primeiramente, não são comuns IVAs duais, e esse é o primeiro ponto discutível. Depois, a alíquota de 25% esperada pelo governo já começa considerando vários regimes especiais (como a Zona Franca de Manaus e o Simples Nacional), alíquotas reduzidas e até “cashback”, o que desidratou a ideia inicial. O IPEA calcula que essa alíquota final alcance, inclusive, 28%, tornando-se a maior do mundo.
O perigo dessa alíquota muito alta é que muitos países europeus, como o próprio Portugal, além de Polônia, Itália e Grécia, foram atingindo alíquotas maiores com o tempo, criando mais "jabuticabas" de quando em quando. Se o Brasil começar com 28%, é bem provável que em menos de uma década essa alíquota se distancie ainda mais da média mundial de 19%.
Pensando nisso, o Senado já se movimenta para definir algumas travas para alíquotas e para a criação de novos tributos, numa tentativa de evitar que a carga tributária possa ainda aumentar (ao invés de diminuir, como era o esperado).
Confesso que a possibilidade de várias alíquotas e o seu inchaço desceram meio quadrado. E o que faria o governo arrecadar mais para almejar uma alíquota de IVA menor, livrando ainda mais a produção? Bom, você já deve fazer ideia, até porque não são muitas alternativas. Renda e patrimônio devem ser os próximos alvos.
Então, já vá lidando com uma carteirinha de dividendos anoréxica para os próximos meses, porque neste momento eles estão sendo fortemente cobiçados. Ah, e quando eu digo dividendos, também estou falando de você aí, que emite nota para trabalhar.
Afinal, a conta precisa fechar.