O Reino Unido surpreendeu o mundo com sua decisão em sair da União Européia e empurrou os ativos de risco para baixo. A libra-esterlina negociou no menor nível desde 1985, chegando a perder 11% na madrugada de sexta-feira. Índices de bolsas na Europa e Ásia tiveram quedas de até 12% na sequência da contagem de votos na Grã-Bretanha, onde 51.8% dos votantes escolheram não fazer mais parte do bloco.
Há muita incerteza sobre as consequências, principalmente sobre um desdobramento que eventualmente venha atrair países para a debandada, como por exemplo: a França, a Espanha, a Itália e até mesmo a Holanda. Por ora, graças à crise de 2008 e às medidas de maior requerimento de capitais aos bancos com regulamentação bastante severa, os riscos devem se limitar a uma realocação de recursos que favorecerá os “portos-seguros” – dentre eles o dólar americano e o iene japonês.
Para as commodities o efeito pode ser negativo não apenas ocasionado pela valorização do dólar, mas também em função de riscos deflacionários que podem vir de carona caso o Reino Unido tenha uma recessão e arraste alguns de seus vizinhos para o buraco.
Os índices das matérias-primas cederam na semana, tendo apenas o ouro, a prata e o cobre subido entre os componentes do CRB. O café em Nova Iorque, que na quinta-feira teve o melhor fechamento desde outubro de 2015, foi contaminado pelo cenário macroeconômico perdendo US$ 5.75 centavos em apenas uma sessão e fechando tecnicamente negativo – justamente quando os fundos tem sua maior posição líquida-comprada desde 2 de dezembro de 2014 e considerando somente a parte-comprada (bruto) o maior número de lotes desde 17 de agosto de 2010.
A movimentação do físico melhorava antes do “Brexit”, apesar da disponibilidade ser mais limitada após as chuvas. No mercado interno brasileiro o apetite de compra da indústria local em um ano de safra menor no conilon fez com que os diferenciais pouco enfraquecessem. O tempo bom previsto para as próximas semanas pode ajudar quem precisa comprar café, entretanto a bolsa e o dólar podem não ser tão favoráveis.
O USDA em seu relatório que sumariza a oferta e procura mundial prevê uma produção de 155.7 milhões de sacas em 2016/2017 e um consumo de 150.8 milhões de sacas, resultando em um superávit de 4.9 milhões de sacas. O número é composto pela soma dos relatórios individuais das principais origens, que apontaram uma produção de 55.95 milhões de sacas no Brasil, 27.28 milhões de sacas no Vietnã, 13.3 milhões de sacas na Colômbia e 10 milhões de sacas na Indonésia.
Os estoques mundias no começo do atual ano-safra, segundo o órgão, totalizam 31,5 milhões de sacas, sendo 11.8 milhões da Europa, 5.8 milhões nos Estados Unidos, 3.5 milhões no Vietnã, 3.4 milhões no Japão e apenas 2,53 milhões no Brasil – entre outros.
A demanda no FOB se aqueceu para os cafés do Vietnã, cujos diferenciais pontualmente contribuíram – dada a puxada do terminal Londrino. No arábica a indústria busca preços que não encaixam na reposição e que certamente vão ficar mais distantes se Nova Iorque atrair uma liquidação parcial da posição dos especuladores.
Talvez a estratégia de quem precise cobertura de café (ou do basis) vai ser desviar o foco e esperar uma queda acentuada do contrato “C”, em um momento que curiosamente se acham poucos baixistas e muitos participantes ávidos para comprar em níveis próximos a US$ 130.00 centavos. Não que resolva o problema dos que tem um livro de físico pouco comprado, mas no final mesmo que se tenha que pagar diferenciais mais caros, ao menos comprasse futuros mais baratos e alguns centavos a mais no FOB/spot não machucará tanto.
O volume negociado na bolsa na quinta-feira foi o pior do ano e na sexta-feira foi também abaixo da média, mesmo com o terminal perdendo quase 5%. É de se imaginar que os fundos mal tenham liquidado uma parte de suas posições, de forma que a aposta dos altistas no curto-prazo deve se concentrar em uma nova solução dos bancos centrais para conter a crise na Europa, ou em uma nova enxurrada de compra em commodities pelos fundos (sabe-se lá porque), ou em algum evento climático que provoque mais perdas de qualidade no Brasil e/ou geadas.
De resto no curto-prazo me parece que a volatilidade deve permanecer alta e a tendência deve ser de baixa até o mercado ficar mais leve e o ambiente macroeconômico acalmar. Claro que o FED deixando para aumentar os juros apenas no fim do ano pode ajudar, mas é pouco depois de tanto capital ter fluído para as commodities e os britânicos terem surpreendido a todos – aparentemente até a eles mesmos.