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Risco Vem de Não Saber o Que Você Está Fazendo

Publicado 26.11.2019, 07:05

Hoje irei falar sobre o processo de recuperação judicial da empresa concessionária de Rodovias Tietê. Tratarei do possível calote de mais de R$ 1,0 bilhão em debêntures incentivadas de infraestrutura emitidas pela companhia. Se confirmada, a inadimplência vai afetar mais de 18 mil investidores pessoas físicas.

Com o vencimento antecipado declarado no dia 8 de novembro e o não pagamento da dívida, foi realizada a marcação a mercado das debêntures, que tiveram o seu valor reduzido para zero (calote) nos fundos de investimento no mercado.

Você sabe o risco que está correndo ao investir?

O título do texto de hoje é uma frase de Warren Buffett, o maior investidor do mundo, conhecido como o “Oráculo de Omaha”. Essa frase é bastante aplicável ao caso da Rodovias Tietê. Tenho certeza de que a maioria dos investidores não tinha a menor ideia do risco que corria quando investiram nas debêntures incentivadas (isentas de imposto de renda) de infraestrutura da concessionária.

Aqui pretendo listar três grandes riscos que os investidores muito provavelmente não levaram em consideração ao investir nessas debêntures: risco de liquidez, risco de crédito e risco de execução da empresa de concessão.

“Para encurtar a história: quando ouvimos algo bom demais para ser verdade - não é” Tenente Aldo Raine dos Bastardos Inglórios

Quem investiu nas debêntures incentivadas em 15 de junho de 2013 (estreia da Tietê) contratou um polpudo rendimento de IPCA+8% ao ano, com isenção de imposto de renda, bem acima da remuneração dos títulos públicos Tesouro Direto IPCA+ (antiga NTNB), que pagavam à época IPCA+ 5,5% ao ano.

A diferença de rentabilidade entre as debêntures e os títulos do Tesouro Direto de base equivalente era bastante grande, especialmente após os impostos. Considerando-se a mesma base de comparação, o prêmio pago pelas debêntures era de 3,3 pontos percentuais, usando-se como referência que o rendimento dos títulos do Tesouro Direto seria tributado em 15% (o Imposto de Renda para aplicações de prazo superior a 24 meses). Em base comparável: IPCA+ 8,0% ao ano para as debêntures da Tietê (isento de impostos) versus Tesouro Direto IPCA+ 2024 com rendimento após impostos de 4,7% acima da inflação (IPCA).

A debênture tem um rendimento bruto de 3,3 pontos percentuais acima do rendimento do Tesouro Direto (IPCA+). Parece bom demais para ser verdade, não é mesmo tenente Aldo Raine?

Risco de liquidez

Quem investe numa debênture incentivada praticamente “casa com o papel”, pois a liquidez no mercado secundário é bastante reduzida. As debêntures incentivadas da Rodovias Tietê tinham um prazo longo, de 15 anos, e seu vencimento só ocorreria em junho de 2028.

A liquidez dos títulos do Tesouro Direto é elevada, apesar dos vencimentos longos. Os recursos da venda são creditados na conta do cliente em um dia útil (D+1).

Quem investiu, se arrependeu e desejou vender as debêntures da Rodovias Tietê antes do vencimento (em 7 anos após a emissão, para não perder a isenção fiscal) provavelmente não encontrou um comprador e teve de conceder um grande desconto para conseguir sair do investimento.

Debêntures não têm garantia do Fundo Garantidor de Crédito (FGC)

As aplicações financeiras tradicionais, tais como Certificados de Depósito Bancário (CDB) e operações compromissadas de bancos, assim como investimentos como Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) estão protegidas pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC).

As debêntures incentivadas de infraestrutura não têm proteção do FGC se a empresa emissora não conseguir honrar os seus pagamentos de dívida.

Taxa livre de risco e prêmio de mercado

Os títulos públicos do Tesouro Direto são os títulos com menor risco do Brasil, pois o risco de calote é soberano do Governo Federal.

Os investidores que compram títulos de crédito privado, como por exemplo as debêntures de infraestrutura, têm de exigir um retorno mais alto em relação à taxa de livre de risco (Tesouro Direto IPCA+). Essa diferença é o chamado prêmio de risco, que deveria ser pago para investir num ativo que não tem a mesma liquidez, sem cobertura do FGC e ainda sujeito aos riscos de execução da empresa ou da concessionária.

Risco de execução da empresa

No caso de uma concessão rodoviária existem riscos relativos à concessionária: realização dos investimentos na rodovia, ampliação do tráfego e operação dos pedágios.

No caso da Rodovias Tietê a companhia começou a ter problemas na execução das obras na rodovia, o que deixou as agências de classificação de risco preocupadas, com sucessivos rebaixamentos da nota de crédito das debêntures emitidas pela companhia.

Conclusão

A minha mensagem final para o investidor pessoa física é a seguinte: sempre saiba todos os riscos de uma aplicação financeira antes de investir. Procure sempre saber antes de acontecer algum evento importante, porque depois não adianta ficar chorando sobre o leite derramado.

Desconfie sempre de algo que parece ser muito bom para ser verdade, ou seja, um ativo que tem um retorno muito superior aos ativos considerados sem risco (ex: Tesouro Direto). A principal lei dos investimentos é a seguinte: quanto mais alto for o retorno, maior deve ser o risco.

Os principais riscos a serem investigados são: 1) liquidez: “eu consigo vender e sair do investimento?”; 2) risco de crédito: “tem proteção do FGC?” E; 3) risco da empresa, qualidade da empresa e/ou instituição financeira.

Obviamente que as debêntures da Rodovias Tietê não têm valor zero. Os investidores deverão receber algum valor no processo de recuperação judicial da empresa. Entretanto, o rendimento obtido ficará MUITO abaixo dos títulos públicos (Tesouro Direto) no período.

Portanto, aquele rendimento esperado inicialmente das debêntures incentivadas da Rodovias Tietê, que prometiam 3,3 pontos percentuais acima do Tesouro Direto IPCA+, ficou pelo caminho devido ao maior risco da operação.

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