Dissemos no comentário de 02 de junho passado, ou seja, há pouco mais de quatro meses, que alguns riscos escondidos podem emergir a qualquer momento trazendo ainda mais devastação aos preços… a recompra de hedge por parte das usinas para gerar caixa vai pressionar o mercado mais cedo ou mais tarde.
Bem, a fatura chegou. Não há dúvidas que um dos pontos mais inibidores de uma recuperação no preço do açúcar na bolsa de NY foi a recompra (que obriga a usina a ter de fixar mais tarde) e também a rolagem (que transfere o hedge de um mês para o seguinte na esperança de preços melhores).
Estima-se que 20% do percentual de fixação do outubro (entre 37-42% do volume anual de açúcar exportado pelo Brasil) tenha sido rolado para março. E que a fixação de março, por ser o último mês de negociação da safra do Centro-Sul, tenha alcançado no máximo 50% do volume previsto para ser fixado contra aquele mês, mesmo porque as usinas esperam o ritmo de produção antes de fazerem o hedge na totalidade de seu volume previsto.
Com isso, podemos ter ainda nada menos que 4.8 milhões de toneladas de açúcar a serem fixadas, ou cerca de 95.000 lotes, volume bem próximo dos 106.000 lotes que os fundos estão vendidos. As turbulências continuam. Como disse um implacável executivo recentemente numa roda de amigos, “o mercado está cheio de Super-Homem que pulou do prédio e descobriu que não sabe voar”. Usinas que recompraram hedge ou ficaram olhando a tela na esperança de que os preços voltariam a subir descobriram que não sabem voar.
O mercado de açúcar fechou a sexta-feira com o vencimento março/2018 negociado a 13.98 centavos de dólar por libra-peso, queda de 12 pontos em relação à sexta-feira anterior. A pressão nos demais meses foi menor, reforçando a tese de que o mercado tem um teto enquanto a necessidade de zerar os livros (usinas fixando) perdurar.
Na semana passada divulgamos a primeira estimativa de produção de cana do Centro-Sul para 2018/2019. São 591 milhões de toneladas de cana, divididas entre uma produção de 35.5 milhões de toneladas de açúcar e 24.6 bilhões de litros de etanol, dos quais 13.6 bilhões de litros de hidratado e 11 bilhões de litros de anidro. A previsão baseia-se em amostragem e levou em consideração limitada expansão do canavial. Conservamos o mesmo mix de produção e reduzimos a produção de ATR por tonelada de cana. Consideramos ainda prematuro fazer mudanças no mix e nos concentramos apenas na produção de cana.
A próxima safra de cana do Centro-Sul será a primeira a contar com um novo e importante componente na formação de preço do açúcar que deverá introduzir um pouco mais de volatilidade no mercado: o preço do petróleo no mercado internacional. A política de formação de preço dos combustíveis introduzida pela Petrobras (SA:PETR4) tomando por base as variações do preço do petróleo no mercado internacional e com alterações diárias no preço da gasolina na refinaria, adicionam um componente com o qual o mercado de açúcar terá que aprender a conviver.
No passado recente, sob os governos petistas de Lula e Dilma, alterações substanciais no preço do petróleo no mercado internacional não alteravam o preço da gasolina na refinaria. Na época de altos preços do petróleo no mercado internacional, o setor sucroalcooleiro ficou chupando o dedo e não obteve um centavo sequer de ganho com a trajetória altista do ouro negro. Os preços administrados pelo governo populista do PT, surrupiaram centenas de milhões de reais do bolso das usinas via congelamento do preço da gasolina. Ou seja, pouco importavam as oscilações dos preços do petróleo pois seu efeito internamente era próximo de zero. Isso está mudando.
Pairam dúvidas se a política de risco da Petrobras estabeleceria um teto máximo de oscilação a ser repassada para a refinaria. Mas, se assim for, temos razões para acreditar que oscilações no preço do petróleo ou da gasolina lá fora terão impacto imediato no preço dos combustíveis na bomba fazendo com que o etanol incorpore essa alteração com reflexo no preço do açúcar.
Dessa forma, o que certamente veremos, é o preço do açúcar no mercado internacional passando a refletir não apenas a oferta e demanda do produto, mas também a do mercado de energia. As usinas atravessaram décadas produzindo uma commodity cujo preço pode ser hedgeado em bolsa, e um subproduto cujo preço de venda era desconhecido por depender da política fiscal do governo de plantão. Um negócio injusto que explica parcialmente o tamanho da dívida do setor.
Agora os participantes do mercado futuro de açúcar vão ter que aprender a tratar açúcar e energia como componentes de uma única matriz. A intercomunicabilidade dos preços do petróleo com o etanol e deste com o açúcar, no médio e longo prazos, deverão melhorar a rentabilidade das usinas por meio da utilização de instrumentos financeiros que propiciem a proteção de preços e/ou mínimo retorno.
Outros componentes deverão atuar fortemente na trajetória de preços no próximo ano. E eles são o que poderíamos chamar de riscos escondidos. Por exemplo, o mercado e os baixistas desconhecem que o consumo de combustíveis está em ligeira trajetória de alta. A sensível melhora da economia vai impulsionar o consumo de combustíveis. Se com PIB negativo de 3.7% crescemos zero, com PIB positivo de 2%, quanto podemos crescer? Lembrando que nos últimos dez anos, o crescimento do consumo de combustíveis (gasolina equivalente) foi de 6% ao ano, e nos últimos cinco anos foi de 3.4%. Estamos preparados para crescer esse percentual?
Alguns traders argumentam que o mínimo de produção de hidratado necessária para 2018/2019 numa eventual recuperação da economia seria de 15 bilhões de litros. Para podermos atingir esse número, a produção máxima de açúcar no Centro-Sul teria uma redução de 4 milhões de toneladas. Mas é claro que esses riscos continuam bem escondidos.