Riscos desnecessários
Terminado o M5M de ontem, fui para o hospital em busca de solução para minha coluna. Me foi negada a oportunidade de ter uma nova alucinação (ainda lembram?), pois a medicação intravenosa foi substituída por uma injeção nas nádegas. Isso não significa, em absoluto, que a jornada não rendeu uma mensagem a compartilhar com vocês.
Eu, que já tinha tido dificuldade de caminhar do apartamento até o carro e do carro até o hospital, e que por pouco não aceitei a cadeira de rodas que me foi oferecida ao lá chegar, deixei o local munido de uma receita e convicto de que logo ao lado haveria uma farmácia - afinal, sempre há uma farmácia colada a um hospital, não é mesmo?
Quem em sã consciência se propõe a, com dificuldades para caminhar, sair sozinho na rua? Pois é. A farmácia não era ao lado, nem logo em seguida. Em meio quarteirão, a dor me venceu: ali fiquei até o Uber chegar.
Corri um risco desnecessário - sair sozinho na rua, naquelas condições - para satisfazer uma necessidade (comprar os remédios) que poderia ter atendido de outra maneira mais segura. Tudo muito parecido com o que vejo muita gente fazer com seus investimentos.
Bolsa de apostas?
Abro o Estadão e vejo uma reportagem que diz que pessoas físicas voltaram a apostar na bolsa.
Recorro ao dicionário:
aposta. s.f.
1. Acordo entre duas ou mais pessoas de opiniões diferentes, devendo quem não estiver certo pagar algo previamente convencionado.
2. A quantia ou a coisa que se aposta.
3. Quantia que se paga num jogo visando à percepção de uma soma.
Eu tenho um enorme problema com o uso desse substantivo no contexto de investimentos, porque muito embora a primeira definição seja perfeitamente aplicável ao mercado - que efetivamente é, no limite, um embate de opiniões -, o uso corriqueiro geralmente é o terceiro.
E isso não é por acaso: existe toda uma indústria voltada a incitar o pequeno investidor a encarar o mercado como um jogo. E eu vi, ao longo de minha carreira, muitas pessoas que encaravam bolsa da mesmíssima maneira que um páreo no jockey clube - as salas de ações das corretoras estão cheias de pessoas assim.
Os motes são sempre os mesmos: "compre esta ação, pois ela vai bombar", "rompeu a resistência, vai subir mais 30 por cento", "olha o ombro-cabeça-ombro invertido", "agora o céu é o limite pra bolsa". Isso não se restringe a ambientes físicos: na internet, os fóruns sobre ações se multiplicam e o Twitter é uma terra sem lei onde uma multidão, não necessariamente habilitada e tampouco bem intencionada (acorda, CVM!), compartilha "dicas" de operações.
Ignore William Bonner
A bolsa fechou outubro a 64.925 pontos, com alta da ordem de 40 por cento no ano. A despeito de riscos nos fronts local e internacional, as perspectivas para nosso mercado de capitais são boas. Não vai demorar até que o William Bonner (o daqui, não nosso sócio americano) fale em pleno Jornal Nacional que "a bolsa está atraindo novos investidores a cada dia".
E então chegará uma nova leva de candidatos a investidor, sem preparo algum, prontos para serem pilhados por gente inescrupulosa - do que, convenhamos, este mercado está cheinho. Se você está chegando agora, minha mensagem é: se você quer apostar (na pior acepção da palavra), vá para o jockey, lute pela legalização dos bingos, faça bolão para a Mega Sena... qualquer coisa, mas não venha para a bolsa.
Desconfie de promessas de ganho fácil e rápido, de "dicas quentes", de gurus autoproclamados: peça os resultados e julgue-os a partir deles. Certifique-se de que aqueles que lhe aconselham fizeram a lição de casa sobre o assunto e estão livres de conflitos de interesse. Enfim, assegure-se de que você está investindo consciente do que (e por quê) está fazendo.
Ao não proceder assim, você corre riscos desnecessários e acaba que nem eu: morrendo de dor, no meio da rua e aguardando socorro.
Faça como Daniel (e, em breve, Jéssica e Malena)
A propósito, o Daniel, investidor entrevistado pelo Estadão para a matéria, é nosso assinante : longe de estar "apostando" na bolsa, está seguindo recomendações fundamentadas e elaboradas com a isenção de quem, pela própria natureza do negócio - vivemos exclusivamente das receitas de assinaturas -, só diz o que realmente pensa.
Bolsa é via de construção de patrimônio, não balcão de apostas. É essa a cultura de investimentos que precisa ser construída no país. É essa a missão da Empiricus, que chega ao seu sétimo aniversário sem perder isso de vista.
Em tempo, às jornalistas responsáveis pela matéria, Jéssica Alves e Malena Oliveira : eu sei que não foi por mal. Tanto queremos construir uma cultura de investimentos melhor no país que convidamos vocês, formadoras de opinião, a experimentar o mesmo conteúdo que o Daniel. Entrem em contato conosco para receber a cortesia, sim?
Trumpetes do Apocalipse
Bolsas reagem, hoje, a uma pesquisa apontando Trump à frente de Hillary. Dia vermelho. Engraçado como Donald é retratado pelos Democratas como "o candidato de Wall Street" mas, ao mesmo tempo, o pessoal da Rua da Parede tem medo dele.
Isso vai ser outro Brexit. Preparem-se para choro e lágrimas da imprensa left-lib. Já falamos aqui algumas vezes sobre a possibilidade de dar Trump por lá - e o Felipe acertou em cheio em trazer o assunto à tona no Palavra do Estrategista.
Ainda bem que você, que nos acompanha, montou seguros para sua carteira. Não montou?
Medo de ficar de fora
Atividade industrial na China veio melhor - PMI oficial cravou o melhor nível em mais de dois anos em outubro (51,2), acima da previsão (50,3).O mesmo dado, medido pelo setor privado (Caixin) deu os mesmíssimos 51,2. Consistência assustadora que, vindo de China, sempre me deixa com pé atrás.
E dá-lhe rally de commodities. Não que alguém esteja fazendo conta do impacto efetivo da melhora de atividade na demanda pelas matérias-primas, mas sabe como é, não dá pra correr o risco de ficar de fora.
Com o risco de soar repetitivo, insisto: a fé dos mercados financeiros no planejamento estatal chinês é digna de estudo.
|