Só o Tempo Vai Dizer

Publicado 02.05.2017, 11:06

Depois de vários anos, a economia americana parece dar sinais consistentes de recuperação sustentada. Algumas estatísticas, recém-divulgadas, mostram um quadro mais harmonioso, pós-crise de 2008. A inflação de 2,1%, medida pelo IPC anual, além do mercado de trabalho próximo do chamado pleno emprego, ensejam que a normalidade, finalmente, está de volta. Nesse sentido, os mercados passarão a olhar com ainda mais atenção as indicações do Fed, pois a carestia está praticamente no limite da meta da autoridade monetária (2%).

No cenário macroeconômico que tracei para os clientes da Órama no fim do ano passado (disponível no site), projetei três elevações de juros nos EUA para 2017 (uma já ocorreu), pois essa melhora estava em meu radar. Já me antecipando, prevejo ao menos três outras altas em 2018. Assim, se estiver correta minha análise, a taxa de juro americana atingirá o intervalo entre 2% e 3% a.a. no médio prazo. Em outras palavras, chegou a hora de o Fed desmontar seu arsenal “heterodoxo”, usado para debelar as consequências recessivas da debacle das subprimes e promover uma correção de rota. Dessa forma, é de se esperar que encerre os quantitative easing (QEs) e volte a apresentar um balanço mais “limpo”, consistente e equilibrado.

A política monetária americana sempre foi motivo de discussão. Desde Breton Woods (a começar pelo famoso “Dilema de Triffin”), até os dias presentes (quando o BC criou os QEs, por muitos criticados), a atuação do Fed é questionada. Teorias à parte, o certo é que a direção apontada pelo principal BC do planeta afeta os fluxos de capitais internacionais. Num mundo de globalização financeira, tal fato é determinante para a saúde dos balanços de pagamentos dos países emergentes, via conta financeira.

Todo esse preâmbulo tem a ver com a dificuldade do nosso país em lidar com os ajustes que se fazem imperiosos. Apesar das recentes delações da Odebrecht terem causado uma forte turbulência no mundo político, as indicações de que as reformas vão caminhar no Congresso parecem alvissareiras. Contudo, aqui no Brasil, o ótimo é inimigo do bom. Por quê?

Parece bastante claro que a Reforma da Previdência, a mais importante de todas, passará bastante desfigurada. Ainda assim é positiva, pois reduz a taxa de crescimento do déficit. Mas a chance de termos de promover uma nova reforma em uma década beira os 100%. Assim, mais uma vez, a sociedade desperdiçará a oportunidade ímpar de ajustar o nosso mais grave desequilíbrio fiscal e que compromete as gerações futuras.

Minha preocupação refere-se exatamente à volta da normalidade econômica nos EUA. Com a economia de lá nos eixos, os capitais internacionais tendem a retornar para casa, o que provoca, como dito, impacto nos fluxos para os emergentes. Assim, muitos países que atraíram as chamadas operações “carry and trade” perderão dólares. Sob essa ótica, ao ficarem mais seletivos, os capitais abandonarão com mais intensidade e rapidez aqueles países que apresentam maiores desajustes macroeconômicos, que é o nosso caso.

O que quero dizer é que nosso país resolveu “brincar de cabra-cega na beira do precipício”. Apesar, repito, de ser positiva a minirreforma, em breve ficará claro para os mercados que os ajustes são temporários. Isso torna o ambiente em que viveremos a campanha eleitoral do ano que vem menos amistoso. Podemos, no limite, nos ver diante de uma eleição presidencial com perspectiva de crise cambial, colocando nosso BC em xeque. Teríamos de abrir a porta do cofre e começar a vender reservas internacionais, o que certamente é desfavorável.

O que resta ao país, agora, é voltar o mais rapidamente ao crescimento, para que possamos aumentar a arrecadação e reduzir o déficit pelo lado da receita e não do gasto. Para tal, o ambiente político precisa desanuviar e o cenário internacional colaborar. Ambos os eventos são complexos. Se lograremos êxito? Só o tempo vai dizer.

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