Tarifaço dos EUA: Impacto nas exportações de carne bovina brasileira será limitado

Publicado 17.08.2025, 10:35

O setor exportador de carne bovina brasileira vive um momento curioso, enquanto os Estados Unidos, segundo maior destino em 2024, anunciaram uma tarifa que praticamente inviabiliza o acesso ao seu mercado, os números do ano indicam que o Brasil caminha para bater novos recordes históricos. Essa aparente contradição se explica por um fator-chave, a força estrutural do mercado global de carne bovina e a posição privilegiada que o Brasil ocupa nesse cenário.

Ao olharmos com atenção para os números e para a dinâmica do comércio internacional, a conclusão sobre o tarifaço é: o impacto será muito menor do que muitos imaginam. O Brasil segue com mercados diversificados, demanda sólida e capacidade de adaptação já comprovada.

O peso real de cada parceiro: China isolada na liderança

O primeiro ponto essencial para entender a real dimensão do tarifaço é reconhecer a importância relativa dos Estados Unidos para as exportações brasileiras de carne bovina. Entre janeiro e julho de 2025, a China importou 790 mil toneladas do produto brasileiro, quase cinco vezes mais do que os Estados Unidos, que adquiriram 169 mil toneladas no mesmo período.

Fonte: Elaborado por Geraldo Isoldi Terra Investimentos. Dados SECEX

Essa distância coloca a China não apenas como principal destino, mas como verdadeiro pilar de sustentação das exportações brasileiras. E a tendência segue de alta: o gráfico de evolução mensal mostra que, a partir do início de 2025, as compras chinesas vêm acelerando, alcançando em julho o patamar mais alto do período analisado.

Um ano já marcado por recordes

O impacto psicológico de um tarifaço pode sugerir perdas inevitáveis, mas os números contam outra história. Até julho de 2025, o Brasil já exportou 1,563 milhão de toneladas de carne bovina, o maior volume da série para o período. Mesmo com as restrições americanas, o país ampliou embarques para outros destinos e sustentou o ritmo de crescimento.

O desempenho é parte de uma trajetória consistente: 2024 já havia sido histórico, com 2,89 milhões de toneladas exportadas e receita de US$ 12,8 bilhões, superando em 26,2% o volume de 2023.

Fonte: Elaborado por Geraldo Isoldi Terra Investimentos. Dados B3

Esse desempenho é reflexo de dois fatores combinados:

  1. Diversificação de mercados, com aumento das vendas para destinos como México, Filipinas, Arábia Saudita e Egito.
  2. Fortalecimento dos contratos com clientes estratégicos, em especial na Ásia.

Na prática, a redução de embarques para os EUA foi compensada por outros compradores. E, como veremos adiante, isso não é por acaso, mas sim reflexo da lógica global de oferta e demanda.

A lógica global: a demanda não some, muda de endereço

O mercado mundial de carne bovina é caracterizado por ciclos longos de produção. A criação e engorda de bovinos não permite aumentos ou quedas bruscas na oferta. Isso significa que, mesmo diante de uma barreira tarifária ou de uma restrição pontual, a carne disponível precisa encontrar outros destinos — e encontra.

No médio prazo, a demanda global permanece estável, sustentada pelo crescimento populacional, pela urbanização e pelo aumento de renda em países emergentes. O que muda, em casos como o tarifaço, não é o volume total negociado, mas sim o nome dos compradores. Se um mercado reduz ou interrompe suas compras, outros tendem a absorver essa oferta.

Essa reorganização já está visível. Enquanto os EUA reduziram participação — de 6,8% das exportações brasileiras em junho para 5,9% em julho — mercados como México, Filipinas e Arábia Saudita ampliaram suas compras. O papel da China nesse processo é ainda mais evidente: em um momento de retração americana, ela aumenta seu apetite.

Fonte: Elaborado por Geraldo Isoldi Terra Investimentos. Dados SECEX

Comparando antes e depois: o peso real dos EUA

A tarifa de 50%, somada à alíquota anterior de 10%, elevou a carga total para 76,5% sobre a carne bovina brasileira. Na prática, trata-se de um fechamento quase total do mercado americano, justificado oficialmente por razões políticas e protecionistas, não por desequilíbrios comerciais.

Apesar disso, especialistas e a própria indústria reconhecem que o impacto estrutural é limitado: a participação dos EUA nas exportações brasileiras de carne bovina é relativamente pequena e, historicamente, o setor já demonstrou capacidade de adaptação diante de restrições semelhantes.

Fonte: Elaborado por Geraldo Isoldi Terra Investimentos. Dados SECEX

Diversificação: a estratégia que garante resiliência

A diversificação de mercados não é uma reação pontual ao tarifaço, mas uma necessidade estrutural para reduzir a dependência de grandes compradores e equilibrar o poder de negociação.

Exemplos práticos dessa diversificação já aparecem nos dados de 2025:

  • China isolada na liderança.
  • EUA em segundo lugar, mas com menos de um quarto do volume comprado pelos chineses.
  • Crescimento nas vendas paraMéxico, Emirados Árabes Unidos e Filipinas;
  • Consolidação do Oriente Médio como destino estratégico;
  • Negociações em andamento para abertura de mercados comoJapão, Vietnã, Turquia e Coreia do Sul.
  • México, Chile e Rússia disputando posições intermediárias, todos com volumes relevantes.
  • Mercados emergentes como Arábia Saudita e Egito também ganharam espaço.

Essa composição é saudável porque reduz riscos. Caso um mercado sofra restrições (tarifárias, sanitárias ou políticas), a perda tende a ser absorvida pela base mais ampla de parceiros comerciais.

O efeito psicológico vs. o efeito real

Nas semanas que antecederam a entrada em vigor do tarifaço, alguns frigoríficos reduziram compras de gado e houve pressão baixista sobre os preços internos. Importadores chineses aproveitaram o momento para negociar descontos.

No entanto, o próprio Cepea destaca que empresas com operações internacionais têm flexibilidade para realocar embarques por meio de unidades em países não afetados pelas tarifas, reduzindo perdas e mantendo acesso ao mercado americano por vias indiretas.

Medidas como o tarifaço provocam um impacto inicial mais psicológico do que econômico. A notícia gera apreensão, especialmente entre produtores e investidores, e pode influenciar expectativas de preços, mas apenas no curto prazo, quando a análise se apoia em dados concretos, percebe-se que:

  • O principal cliente brasileiro (China) está em trajetória de crescimento.
  • A fatia americana, embora relevante, é substituível.
  • O volume total exportado pelo Brasil em 2025 caminha para um novo recorde anual.

Em outras palavras, o tarifaço pode mudar a rota de alguns contêineres, mas não vai frear a locomotiva das exportações brasileiras.

Perspectivas para os próximos anos

No médio prazo, a expectativa é que o cenário global siga favorável para a carne bovina brasileira. A demanda não deve sofrer grandes alterações estruturais e a oferta mundial continuará limitada pela natureza do ciclo produtivo.

Isso significa que, mesmo que barreiras tarifárias ou comerciais surjam, os fluxos comerciais tendem a se reorganizar. O Brasil, pela sua competitividade, qualidade sanitária e escala de produção, continuará sendo um fornecedor central para diversos mercados.

O setor já provou que consegue se adaptar rapidamente: em menos de sete meses, conseguiu redirecionar embarques e ainda registrar desempenho recorde.

A tarifa vem em um momento de menor rebanho bovino nos EUA em meio século. Isso significa que o país precisa importar carne para atender à demanda interna. Ao dificultar a compra do Brasil, um fornecedor de escala e preço competitivo, os EUA provavelmente terão de buscar alternativas mais caras ou menos eficientes, como Argentina e Austrália.

Essa pressão pode gerar efeitos colaterais no próprio mercado americano, elevando preços ao consumidor — algo que já preocupa a National Restaurant Association nos EUA.

Serenidade e foco na competitividade

O tarifaço dos EUA é um episódio relevante no noticiário, mas longe de ser uma ameaça estrutural. O Brasil segue com demanda robusta, mercados diversificados e histórico de adaptação rápida.

Em 2025, mesmo com barreiras, já temos recorde histórico de exportações no acumulado de janeiro a julho. O cenário mais provável é que o Brasil encerre o ano com novos recordes e, no médio prazo, com uma base de clientes ainda mais diversificada.

A meta agora não é apenas compensar eventuais perdas, mas aproveitar o momento para consolidar novos mercados e fortalecer a presença onde já é líder.

Em suma, a locomotiva das exportações brasileiras de carne bovina segue firme nos trilhos. O tarifaço pode até mudar alguns passageiros, mas o destino final — crescimento e protagonismo global — continua o mesmo.

Quem entende o agro, entende o futuro.

Bons investimentos. 

 

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