Calendário Econômico: Fed é centro das atenções por motivos econômicos, políticos
O setor exportador de carne bovina brasileira vive um momento curioso, enquanto os Estados Unidos, segundo maior destino em 2024, anunciaram uma tarifa que praticamente inviabiliza o acesso ao seu mercado, os números do ano indicam que o Brasil caminha para bater novos recordes históricos. Essa aparente contradição se explica por um fator-chave, a força estrutural do mercado global de carne bovina e a posição privilegiada que o Brasil ocupa nesse cenário.
Ao olharmos com atenção para os números e para a dinâmica do comércio internacional, a conclusão sobre o tarifaço é: o impacto será muito menor do que muitos imaginam. O Brasil segue com mercados diversificados, demanda sólida e capacidade de adaptação já comprovada.
O peso real de cada parceiro: China isolada na liderança
O primeiro ponto essencial para entender a real dimensão do tarifaço é reconhecer a importância relativa dos Estados Unidos para as exportações brasileiras de carne bovina. Entre janeiro e julho de 2025, a China importou 790 mil toneladas do produto brasileiro, quase cinco vezes mais do que os Estados Unidos, que adquiriram 169 mil toneladas no mesmo período.
Fonte: Elaborado por Geraldo Isoldi Terra Investimentos. Dados SECEX
Essa distância coloca a China não apenas como principal destino, mas como verdadeiro pilar de sustentação das exportações brasileiras. E a tendência segue de alta: o gráfico de evolução mensal mostra que, a partir do início de 2025, as compras chinesas vêm acelerando, alcançando em julho o patamar mais alto do período analisado.
Um ano já marcado por recordes
O impacto psicológico de um tarifaço pode sugerir perdas inevitáveis, mas os números contam outra história. Até julho de 2025, o Brasil já exportou 1,563 milhão de toneladas de carne bovina, o maior volume da série para o período. Mesmo com as restrições americanas, o país ampliou embarques para outros destinos e sustentou o ritmo de crescimento.
O desempenho é parte de uma trajetória consistente: 2024 já havia sido histórico, com 2,89 milhões de toneladas exportadas e receita de US$ 12,8 bilhões, superando em 26,2% o volume de 2023.
Fonte: Elaborado por Geraldo Isoldi Terra Investimentos. Dados B3
Esse desempenho é reflexo de dois fatores combinados:
- Diversificação de mercados, com aumento das vendas para destinos como México, Filipinas, Arábia Saudita e Egito.
- Fortalecimento dos contratos com clientes estratégicos, em especial na Ásia.
Na prática, a redução de embarques para os EUA foi compensada por outros compradores. E, como veremos adiante, isso não é por acaso, mas sim reflexo da lógica global de oferta e demanda.
A lógica global: a demanda não some, muda de endereço
O mercado mundial de carne bovina é caracterizado por ciclos longos de produção. A criação e engorda de bovinos não permite aumentos ou quedas bruscas na oferta. Isso significa que, mesmo diante de uma barreira tarifária ou de uma restrição pontual, a carne disponível precisa encontrar outros destinos — e encontra.
No médio prazo, a demanda global permanece estável, sustentada pelo crescimento populacional, pela urbanização e pelo aumento de renda em países emergentes. O que muda, em casos como o tarifaço, não é o volume total negociado, mas sim o nome dos compradores. Se um mercado reduz ou interrompe suas compras, outros tendem a absorver essa oferta.
Essa reorganização já está visível. Enquanto os EUA reduziram participação — de 6,8% das exportações brasileiras em junho para 5,9% em julho — mercados como México, Filipinas e Arábia Saudita ampliaram suas compras. O papel da China nesse processo é ainda mais evidente: em um momento de retração americana, ela aumenta seu apetite.
Fonte: Elaborado por Geraldo Isoldi Terra Investimentos. Dados SECEX
Comparando antes e depois: o peso real dos EUA
A tarifa de 50%, somada à alíquota anterior de 10%, elevou a carga total para 76,5% sobre a carne bovina brasileira. Na prática, trata-se de um fechamento quase total do mercado americano, justificado oficialmente por razões políticas e protecionistas, não por desequilíbrios comerciais.
Apesar disso, especialistas e a própria indústria reconhecem que o impacto estrutural é limitado: a participação dos EUA nas exportações brasileiras de carne bovina é relativamente pequena e, historicamente, o setor já demonstrou capacidade de adaptação diante de restrições semelhantes.
Fonte: Elaborado por Geraldo Isoldi Terra Investimentos. Dados SECEX
Diversificação: a estratégia que garante resiliência
A diversificação de mercados não é uma reação pontual ao tarifaço, mas uma necessidade estrutural para reduzir a dependência de grandes compradores e equilibrar o poder de negociação.
Exemplos práticos dessa diversificação já aparecem nos dados de 2025:
- China isolada na liderança.
- EUA em segundo lugar, mas com menos de um quarto do volume comprado pelos chineses.
- Crescimento nas vendas paraMéxico, Emirados Árabes Unidos e Filipinas;
- Consolidação do Oriente Médio como destino estratégico;
- Negociações em andamento para abertura de mercados comoJapão, Vietnã, Turquia e Coreia do Sul.
- México, Chile e Rússia disputando posições intermediárias, todos com volumes relevantes.
- Mercados emergentes como Arábia Saudita e Egito também ganharam espaço.
Essa composição é saudável porque reduz riscos. Caso um mercado sofra restrições (tarifárias, sanitárias ou políticas), a perda tende a ser absorvida pela base mais ampla de parceiros comerciais.
O efeito psicológico vs. o efeito real
Nas semanas que antecederam a entrada em vigor do tarifaço, alguns frigoríficos reduziram compras de gado e houve pressão baixista sobre os preços internos. Importadores chineses aproveitaram o momento para negociar descontos.
No entanto, o próprio Cepea destaca que empresas com operações internacionais têm flexibilidade para realocar embarques por meio de unidades em países não afetados pelas tarifas, reduzindo perdas e mantendo acesso ao mercado americano por vias indiretas.
Medidas como o tarifaço provocam um impacto inicial mais psicológico do que econômico. A notícia gera apreensão, especialmente entre produtores e investidores, e pode influenciar expectativas de preços, mas apenas no curto prazo, quando a análise se apoia em dados concretos, percebe-se que:
- O principal cliente brasileiro (China) está em trajetória de crescimento.
- A fatia americana, embora relevante, é substituível.
- O volume total exportado pelo Brasil em 2025 caminha para um novo recorde anual.
Em outras palavras, o tarifaço pode mudar a rota de alguns contêineres, mas não vai frear a locomotiva das exportações brasileiras.
Perspectivas para os próximos anos
No médio prazo, a expectativa é que o cenário global siga favorável para a carne bovina brasileira. A demanda não deve sofrer grandes alterações estruturais e a oferta mundial continuará limitada pela natureza do ciclo produtivo.
Isso significa que, mesmo que barreiras tarifárias ou comerciais surjam, os fluxos comerciais tendem a se reorganizar. O Brasil, pela sua competitividade, qualidade sanitária e escala de produção, continuará sendo um fornecedor central para diversos mercados.
O setor já provou que consegue se adaptar rapidamente: em menos de sete meses, conseguiu redirecionar embarques e ainda registrar desempenho recorde.
A tarifa vem em um momento de menor rebanho bovino nos EUA em meio século. Isso significa que o país precisa importar carne para atender à demanda interna. Ao dificultar a compra do Brasil, um fornecedor de escala e preço competitivo, os EUA provavelmente terão de buscar alternativas mais caras ou menos eficientes, como Argentina e Austrália.
Essa pressão pode gerar efeitos colaterais no próprio mercado americano, elevando preços ao consumidor — algo que já preocupa a National Restaurant Association nos EUA.
Serenidade e foco na competitividade
O tarifaço dos EUA é um episódio relevante no noticiário, mas longe de ser uma ameaça estrutural. O Brasil segue com demanda robusta, mercados diversificados e histórico de adaptação rápida.
Em 2025, mesmo com barreiras, já temos recorde histórico de exportações no acumulado de janeiro a julho. O cenário mais provável é que o Brasil encerre o ano com novos recordes e, no médio prazo, com uma base de clientes ainda mais diversificada.
A meta agora não é apenas compensar eventuais perdas, mas aproveitar o momento para consolidar novos mercados e fortalecer a presença onde já é líder.
Em suma, a locomotiva das exportações brasileiras de carne bovina segue firme nos trilhos. O tarifaço pode até mudar alguns passageiros, mas o destino final — crescimento e protagonismo global — continua o mesmo.
Quem entende o agro, entende o futuro.
Bons investimentos.