A taxa de juros de curto prazo, conhecida no Brasil como Taxa Selic, é um importante instrumento regulatório para qualquer economia. Guiada pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil, a taxa básica é empregada com o objetivo de controlar a inflação, assegurar crescimento econômico sustentável e estabilizar a moeda nacional. Dada a importância de tal mecanismo, no entanto, historicamente, decisões erradas acerca do aperto e afrouxamento monetário trouxeram grandes prejuízos até mesmo às economias mais desenvolvidas. Seria essa a situação atual do Brasil? Está na hora de suavizar a corrente que tem segurado o consumidor assíduo?
O cenário atual
Após um ciclo de igual agressividade nos cortes da Taxa Selic, o Comitê de Política Monetária passou a adotar uma estratégia hawkish de aperto monetário. Partindo dos 2,00% ao ano em Março de 2021, através de consecutivos incrementos à taxa básica recorrentemente superiores a 100 bps, chegamos ao atual nível de 13,75% ao ano em pouco mais de 15 meses.
Contemplado com a maior taxa de juros real (descontada a variação no índice de preços ao consumidor) do mundo, o Brasil fica atrás apenas da Argentina, onde há hiperinflação, quando o assunto é taxa de juros nominal. Como esperado, tal posição tem se provado motivo mais que suficiente para despertar críticas à atuação do Banco Central.
Munido de um discurso populista, o atual presidente Lula tem demonstrado sua insatisfação com os altos níveis da taxa básica há algum tempo. Mesmo antes de assumir o governo, o Chefe do Executivo já expressava seu desejo por uma política dovish, de afrouxo monetário, por parte do Copom. Mais recentemente, Lula pôs em xeque até mesmo a independência do órgão, afirmando que “não há nenhuma razão para os níveis atuais” e que pode rever o modelo da autoridade monetária após o fim do mandato do atual presidente Roberto Campos Neto, em 2024. O presidente fez ainda questão de afirmar que deseja “ao menos 1% a mais na meta de inflação” e “1,75% a menos na meta para a taxa de juros” ainda em 2023.
O que a História nos diz
EUA - Anos 80
Atingida por um choque de inflação jamais visto neste século, a economia norte-americana ganhou as manchetes dos principais jornais econômicos em 2022. Apesar dos esforços do banco central estadunidense, o Federal Reserve System, a variação no índice de preços ao consumidor da maior economia do mundo beirou os dois dígitos, atingindo níveis intocados há mais de 40 anos. Para entender como a potência mundial lidou com tamanho problema, no entanto, é fundamental compreender primeiro como chegaram até lá.
Durante as décadas de 60 e 70, os Estados Unidos passaram pelo período compreendido como “The Great Inflation” (A Grande Inflação): “a maior falha da política macroeconômica americana”, de acordo com Siegel (1994). Partindo da casa dos 1% em 1964, o índice de preços ao consumidor passou dos 14% ao ano no início de 1980. Apesar dos constantes debates acerca dos fatores específicos geradores de tamanha crise, a origem é certa: uma política monetária populista que, sob a promessa de atingir o pleno emprego, permitiu crescimento excessivo na oferta de moeda – políticas estas oriundas do Federal Reserve System.
Após o declínio da Grã-Bretanha, a divisa americana assumiu o posto de reserva mundial. Em 1944, nasceu o Bretton Woods System: substituindo o padrão-ouro, o dólar seria agora a única moeda vinculada ao metal, enquanto as outras seriam atreladas a ela. O Fed tornou-se, portanto, o que chamamos de “banco central mundial”. Havia, no entanto, um claro conflito de interesses: se por um lado era a política da instituição estimular o pleno emprego, esta assumia um compromisso de não incentivar a inflação (o que violaria o acordo de Bretton Woods).
O Federal Reserve, no entanto, optou por ignorar o pacto e passar a prover liquidez ao mercado. Em outras palavras, “imprimir dinheiro”. Apesar do cenário inicialmente positivo de baixa inflação e pleno emprego, a conta logo chegou: com a criação de diversos programas sociais e injeção de dinheiro na máquina de guerra no Vietnã, os gastos governamentais decolaram e levaram consigo os níveis gerais de preços.
Mediante tal cenário, a decisão racional seria um aumento na taxa de juros, desincentivando a produção e o consumo, provavelmente criando uma recessão a curto prazo. Porém, o então presidente Lyndon Johnson não estava disposto a sacrificar o apoio popular: para assegurar o sucesso de seus programas sociais, o Chefe de Estado pressionou o banco central norte-americano para que este não elevasse a taxa básica.
Não suficiente, seu sucessor, Richard Nixon, põe um fim oficial ao padrão-ouro, dando aos Estados Unidos a liberdade para imprimir qualquer quantidade de sua moeda sem qualquer respaldo real. O dólar perde então, novamente, a credibilidade no mercado internacional, restando ao novo presidente do Federal Reserve, Arthur Burns, reconquistar a confiança do exterior. Apesar do evidente cenário crítico, no entanto, a esperança dos americanos se vê diluída quando o recém-chegado economista cede à pressão política de Nixon e da elite.
Ao final dos anos 70, o dólar já tinha perdido metade de seu valor e a inflação beirava os 12%. Insatisfeito com a condução da política monetária, o novo presidente Jimmy Carter aponta Miller, oriundo do setor privado, como o sucessor de Burns. Novamente, a nova cara do Fed não atinge as expectativas e é expulso pelos demais membros da instituição. Com poucas saídas à vista, Carter se vê obrigado a convocar Paul Volcker para ocupar a cadeira mais importante da economia americana.
Por volta de 1974, com o aumento exponencial no preço dos combustíveis, a inflação nos Estados Unidos cai de forma aguda, levando a cortes igualmente agressivos na taxa de juros doméstica. Poucos anos depois, no entanto, o efeito do petróleo no nível geral de preços é diluído e evidencia a precocidade do afrouxamento monetário: nos 36 meses seguintes, a inflação do país decola e atinge novas máximas históricas.
Formado em Princeton University e com mestrado pela Universidade Harvard, Volcker era a face que o banco central estadunidense necessitava para reinstalar a credibilidade da moeda no mundo. Criticado até mesmo pelo famoso economista Milton Friedman, Paul demonstra a coragem para fazer o inimaginável: em meio a uma das maiores crises financeiras da história dos Estados Unidos, Volcker eleva a taxa de juros de curto prazo para 20% ao ano, retomando, finalmente, as rédeas da economia americana.
Era Dilma
Quando falamos em macroeconomia brasileira, é impossível deixar de lado o período compreendido entre 2010 e 2016. Apesar dos holofotes voltados principalmente à destruição do então símbolo de orgulho nacional, a Petrobras BVMF:PETR4, os dois mandatos da ex-presidente Dilma Rousseff apresentam um caso claro de como uma má condução da política monetária pode afetar os mais diversos componentes de uma economia.
Para analisar as decisões do Copom durante e após o período em questão, fizemos uma modelagem de três variações da Regra de Taylor, fórmula desenvolvida pelo economista e professor da Universidade de Stanford, John Brian Taylor, visando padronizar políticas monetárias mundiais. Para tais estimativas, foram utilizados os dados referentes ao hiato da inflação, hiato do produto e coeficientes de agressividade para cada desvio. Em azul, a taxa de juros básica brasileira (Selic); em vermelho, a taxa básica indicada pela Regra de Taylor; em verde e amarelo, variações da Regra de Taylor.
Como observável através do gráfico acima, de acordo com o cálculo sugerido por Taylor para a taxa básica de uma economia em desenvolvimento, a política monetária adotada durante os dois mandatos da então presidente Dilma foi demasiadamente dovish (branda): enquanto em alguns momentos, como em Janeiro de 2016, a taxa indicada superava a casa dos 20% ao ano, a taxa meta praticada não passava dos 14,25%. Vale destacar ainda que os altos valores sugeridos observados acima são reflexo não somente dos erros na tomada de decisão como um todo, mas principalmente da lentidão de tais ações. Tendo adotado uma política hawkish (restritiva) de forma imediata perante a deterioração do panorama geral, um afrouxo monetário saudável tenderia a ganhar espaço mais rapidamente e de forma menos danosa à população.
Para permitir uma outra visualização dos dados, disponibilizamos acima o gráfico do spread entre a taxa sugerida por Taylor e aquela praticada na economia brasileira. Na imagem, os valores são normalizados de forma que o 0% representa as bandas inferior e superior de 1 desvio padrão para os spreads. Ou seja: se o surplus na imagem é de -4,00%, a taxa de juros indicada pela Regra de Taylor é 1 desvio padrão + 4% superior à taxa praticada no período.
Analisando os dados através desta perspectiva, fica ainda mais evidente a passividade com qual a política monetária foi conduzida durante os dois mandatos: enquanto a média atual dos spreads tende a zero, o valor para os anos compreendidos entre 2013 e 2016 beirou os -2%, indicando que a Selic praticada era recorrentemente inferior à ideal.
Como todo erro a nível nacional, a abordagem dovish do Comitê de Política Monetária trouxe consequências percebidas até hoje pela população brasileira: o PIB concretizou um recuo médio anual de 1,2% (pior valor nos 120 anos anteriores), conseguindo ainda estourar o centro da meta de inflação em todos os anos de ambos os mandatos.
O que Taylor nos diz?
Ao ser bombardeado por notícias acerca do fato de que o Brasil possui a maior taxa de juros real do mundo, é fácil concluir que já passou da hora de começar a executar cortes na Selic. Essa decisão pode não ser, no entanto, a melhor resposta perante o atual panorama macroeconômico brasileiro. Como cobrimos anteriormente, um corte prematuro (como aquele observado durante a The Great Inflation) pode custar caro até mesmo às economias mais desenvolvidas.
Apesar de uma estabilização e convergência clara entre a taxa básica praticada e aquela estimada como ideal por Taylor, vejo com particular cautela qualquer movimento de afrouxo monetário realizado nos próximos 12 meses. Considerando a postura adotada pelo atual Chefe do Executivo, um cenário de breve melhora seguido por total calamidade definitivamente não está fora do meu radar. Com base nas expectativas para inflação e crescimento real do produto, portanto, deixo abaixo os dois cenários que considero prováveis para os próximos quatro anos.