O comportamento do preço da moeda americana no mercado global ontem parecia incompatível com os bons dados econômicos da economia americana divulgados pela manhã, pois não os repercutia de forma simétrica, muito pelo contrário.
Afinal, o número de pedidos de seguro-desemprego nos Estados Unidos registraram o menor nível desde o fim de novembro de 2013, o que permite a leitura de que ocorra nova melhora no mercado de trabalho americano. Foram 315 mil até o dia 8, abaixo da projeção média de 330 mil de 53 economistas ouvidos pela Bloomberg e menor 9 mil em relação ao dado da semana anterior.
Além disto, as vendas no varejo nos Estados Unidos tiveram alta de 0,3% em fevereiro na comparação com janeiro, representando uma reversão já que em janeiro registrara queda de 0,6% (revisado) em relação a dezembro e neste também uma queda de 0,3%. A projeção média dos economistas era de incremento de 0,2%.
Estes números estão em linha com a expectativa que temos salientado manter face ao término mais agudo e absolutamente severo de efeitos dos problemas climáticos sobre a economia americana.
Contudo, bastou colocar no radar dos mercados o problema geopolítico que envolve Ucrânia e Rússia e as demais potencias no entorno da questão para que os receios e temores deprimissem os demais ativos, imediatamente valorizando a moeda americana e os T-Bills que passaram a valorização e fecharam fortemente seus rendimentos “yelds”, sempre considerado o melhor refúgio em tempos de incertezas.
Afinal, Estados Unidos e Europa estão opostos a Rússia nesta questão e já se posicionaram através o secretário de Estado, John Kerry, e a Primeira Ministra, Angela Merkel, que se a Crimeia realizar referendo, sanções serão anunciadas provavelmente na segunda feira, dia 17.
Este estado de tensão deve afetar o comportamento dos ativos hoje e colocar pressão apreciando um pouco mais o dólar frente as demais moedas, em especial a dos países emergentes, que são os mais prejudicados nestes momentos de atenção, pois os recursos são direcionadas para aplicações consideradas de melhor risco, preferencialmente os T-Bills americanos.`
À margem deste quadro de tensão, o Brasil convive com a expectativa das reuniões iniciadas ontem entre representantes da Agência de “rating” S&P e representantes do Ministério da Fazenda e Banco Central do Brasil, com o foco na “revisão” da nota de crédito brasileira. Há muita expectativa em torno deste tema, extremamente relevante para o Brasil, visto que o país vem sendo observado com muito rigor pelas agências de risco face à expressiva deterioração da sua política fiscal, inflação elevada e baixo crescimento.
Um rebaixamento de nota num ambiente que já sugere desempenho bastante adverso no setor externo seria extremamente negativo para o Brasil, acentuando ainda mais a tendência de saída de recursos externos do país, já fomentada por inúmeros fatores sabidos e conhecidos.
Como o país tem tido desempenho desapontador no cumprimento de metas assumidas, a credibilidade que busca recuperar encontra obstáculos, visto que agora o mercado internacional parece desejar a entrega dos resultados para que a credibilidade seja reconstruída gradualmente.
A inflação de fevereiro, embora com inúmeras justificativas, acabou por derrubar o cenário traçado pelo MF e BC. O IPCA de 0,69% divulgado na quarta-feira comprometeu o ambicionado pelas autoridades monetárias. O IPCA acumulado em 12 meses até fevereiro chega a 5,68% e para cair até 5,5% no 1º trimestre o índice de março não poderia ser maior do que 0,3%, o que parece bastante improvável.
O Brasil colheu um dado bom de vendas do varejo com alta de 0,4% em janeiro em relação a dezembro. Contudo, o próprio IBGE se prestou a quebrar eventual otimismo ao salientar que o comportamento do varejo em janeiro não tira o setor da estagnação.
Continuamos com a percepção de que uma taxa de câmbio mais apreciada é do interesse do BC com o claro objetivo de atrair mais investidores para renda fixa, usando a atratividade de uma taxa de conversão mais interessante combinada com juros elevados.
A qualidade dos recursos poderá não ser a melhor, mas de toda forma ajudará o mercado autogerar sua liquidez e reduzir parcialmente a necessidade do BC financiar a liquidez via posições de bancos vendidas ancoradas em linhas de financiamentos em moeda estrangeira concedidas pelo próprio. Na margem encarece as importações e estimula a indústria nacional dando-lhe mais competitividade no mercado interno, já que a ação-reação no mercado externo é mais lenta neste momento e há muita concorrência.
A verdade é que o BC precisa agir para buscar melhorar o fluxo de ingressos num momento em que a perspectiva sugere incremento das saídas e apreciação do dólar frente ao real.
O estimulo ao ingresso de capital especulativo, em particular, com taxa cambial e juro elevados nos parece a estratégia mais viável neste momento, até porque as projeções para a balança comercial tendem a ser revistas com os problemas na Argentina e indicadores sugerindo desaceleração da China.
Tudo leva a crer que teremos mais um ano com fluxo cambial negativo e com resultado final insuficiente de ingressos para suportar o financiamento do déficit em transações correntes, mas é preciso que o BC busque minimizar este impacto nas reservas cambiais, que devem ser preservadas pelo país.
Nossas projeções colocam como possível a taxa cambial atingir R$ 2,50 no curto prazo e R$ 2,60 ao final do ano, não devendo haver embate do BC com a tendência do mercado, tão somente monitorando a liquidez, preservando as reservas cambiais .