“Se os fatos não confirmam a minha versão, pior para os fatos”. Nelson Rodrigues.
Vivemos, realmente, tempos turbulentos. Nos últimos meses foram constantes as crises, ora no meio político, ora na economia, gerando constantes momentos de stress nos mercados. Tivemos aumento das dificuldades na evolução do ajuste fiscal, um clima ainda polarizado na esfera política, avanços nas investigações da Lava-Jato e, para completar, a eleição de um candidato outsider nos EUA, Donald Trump, que muito mais volatilidade e incertezas trouxe aos mercados globais. Em sete meses de governo Temer foram poucos os momentos de calmaria. Foram crises atrás de crises. Para terminar, nas duas últimas semanas uma série de eventos serviu ainda mais para tumultuar a governabilidade do país.
Primeiro, tivemos o constrangedor episódio da demissão do ministro da Cultura, Marcelo Calero, por ter se negado a “acomodar” um pedido pessoal do articulador político do governo, Geddel Vieira, num claro e tolo conflito entre público e privado. Ambos acabaram saindo do governo, mas ficou a sensação de que a traficância continua como norteadora das decisões dos agentes públicos. Depois, para piorar e diante do avanço da Lava-Jato e da delação premiada da Odebrecht, um desordenado (e porque não dizer desesperado) movimento no Congresso tratou de tentar frear seu ímpeto. Tivemos o projeto popular (mais de 2,6 milhões de assinaturas) “Dez Medidas contra a Corrupção”, totalmente descaracterizado na Câmara, em votação a toque de caixa na madrugada, e, em seguida, num debate totalmente fora de hora, o Senado, liderado por Renan Calheiros, convocou o plenário para tratar do “abuso de autoridade”. Claramente, foi um recado ao Ministério Público e ao juiz Sergio Moro. Os poderes, Judiciário e Legislativo, assumiram o seu estranhamento mútuo.
Neste ambiente, o debate em torno da retomada da economia até ganhou algumas adesões, com muitos pedindo uma “agenda mais positiva de crescimento”, o que acabou ensejando críticas veladas ao ministro Henrique Meirelles, e consultas, mesmo que informais, a Armínio Fraga. Ficou, no entanto, em segundo plano. Sim, tivemos eventos econômicos relevantes por estes dias. A “PEC do teto” dos gastos passou com relativa folga no Senado, em primeiro turno, já sendo fato consumado (até segunda ordem, pois tudo pode mudar em poucos dias!) sua aprovação também em segundo turno entre os dias 13 e 14 de dezembro. Isto deve abrir caminho para a Reforma da Previdência, mas esta ainda deve passar por um longo périplo: primeiro, enviada ao Congresso, indo para as Comissões na Câmara e no Senado, entremeada por acaloradas discussões, e depois votação, também, em dois turnos. Não será um processo rápido, nem fácil, até porque são crescentes as críticas e variados os atores envolvidos e pontos em discussão. Sendo otimista, deve ser aprovada na virada do primeiro para o segundo semestre do ano que vem.
Tivemos também a reunião do Copom, com os diretores do BACEN não surpreendendo, na mesma direção do que esperava o mercado. O corte foi de 0,25 ponto percentual, a 13,75%, muito mais cauteloso, em função do cenário externo conturbado, ainda mais depois da eleição do outsider Donald Trump, mas também em função das incertezas internas.
Quais devem ser os próximos passos do BACEN?
Achamos, por enquanto, que se o presidente eleito dos EUA optar por uma política fiscal mais expansionista, seguindo seu discurso de corte de impostos e crédito fiscal para infraestrutura, devem aumentar as pressões sobre a inflação, o que pode ensejar uma política de juros pelo Fed menos gradualista e mais incisiva. Juro sendo elevado mais rapidamente, tende a derrubar um pouco a recuperação da economia norte-americana e, em paralelo, gerar uma valorização do dólar e depreciação das moedas dos emergentes, em fim de “interregno benigno”.
Por aqui, o BACEN acabará mais cauteloso, de olho na depreciação do real, podendo vir a adotar uma política mais gradualista de redução da taxa de juros, agora prevista em 12% ao fim de 2017. Para piorar, a retomada da economia ainda não deu as caras. No segundo trimestre o tombo foi generalizado (ver tabela ao fim), com destaque para os investimentos e o consumo das famílias, pelo lado da demanda agregada. Interessante observar que este desempenho ainda fraco do PIB não se refletiu na melhoria da confiança dos agentes até certo patamar, quando esta também começou a perder força. Por que isso?
Praticamente, porque tanto as famílias como as empresas estão penduradas em dívidas. Estudos da CNC indicam que 55% das famílias estão penduradas no alto endividamento, sendo 77% com cartões de crédito “estourados”. Pelo lado das empresas, o endividamento também é elevado e para piorar, também a capacidade ociosa é crescente, o que deve atrasar os investimentos. Estes, depois de crescerem 0,5% no segundo trimestre, despencaram 3,1% no terceiro, sintoma desta paralisia nos negócios. Pelo lado do consumo das famílias, o desempenho também foi sofrível, tendo recuado 0,6% contra o trimestre anterior, em muito pelo já citado endividamento, mas também pela renda em queda e elevado desemprego.
Tem-se então que o tombo neste ano de 2016 já está dado, devendo ficar entre 3,5% e 4,0%.
E em 2017? O que esperar? Há espaço para uma retomada?
Bom, abrindo as contas da Demanda Agregada, observa-se que esta retomada, se vier, será bem lenta. O consumo das famílias pode sair aos poucos do alto endividamento e desemprego, mas os investimentos do governo estão totalmente parados, vide a maior empresa pública em desinvestimento, a Petrobras (SA:PETR4), e os do setor privado devem se guiar basicamente quando da melhoria da confiança, avanço no ajuste fiscal e juro mais baixo. Este último também será importante para o consumo das famílias. Soma-se a isso que, mesmo com a economia estagnada em 2017, ainda teremos um efeito carregamento, que deve derrubar o PIB para recuo de 0,7%. Um consolo, talvez, possa ser o setor agropecuário, pouco influenciado pelas intervenções do Estado e mais beneficiado pelos fenômenos climáticos favoráveis e pela alta produtividade.
Devemos salientar, no entanto, que os investimentos podem se recuperar desde que o pacote de concessões, anunciado neste governo no início, comece a deslanchar de fato, gerando o “efeito multiplicador” pela economia, com geração de empregos e atraindo novos aportes para os setores envolvidos. Cabe destacar que a taxa de investimentos, em 2015 em torno de 18,2% do PIB, neste ano recuou a 16,5%, no mais baixo patamar desde 2003. Não podemos esquecer também o “fator Trump”, e suas políticas públicas indefinidas, além das tensões políticas internas, como fatores adicionais de risco para a retomada da economia.
Enfim, por enquanto estamos trabalhando com o PIB crescendo em 2017, algo entre 0,5% e 0,8%, mas não podemos descartar uma estagnação ou mesmo mais um ciclo de taxas negativas, o que reforça ser este período recessivo o mais longo da história republicana do País.