Se você já é um leitor assíduo de temas relacionados ao mercado financeiro, já deve ter ouvido falar algumas vezes na expressão “tempestade perfeita”, certo? Essa expressão normalmente é atribuída a situações em que diversos eventos negativos ocorrem ao mesmo tempo, prejudicando sistematicamente uma empresa ou um país.
Me responda: mas então o que seria o oposto de uma tempestade perfeita? Fiz essa pergunta para mim mesmo, pois gostaria de encontrar uma expressão adequada para resumir o excelente momento em que a companhia Vale do Rio Doce vive. E o melhor termo que encontrei foi “Céu de Brigadeiro”, já que a companhia vem navegando por um caminho bastante favorável.
Ao divulgar seus resultados na última quinta-feira, 25 de fevereiro, a empresa mostrou que está passando por um grande momento. Primeiro internamente, ao apresentar ótimos resultados, que demonstram maior eficiência gerencial, além de ações direcionadas a virar a página das recentes tragédias em suas barragens. Depois, por conta do cenário externo, pois está posicionada no mercado certo e com um cenário macro que a beneficia, o que torna a trajetória da companhia ainda mais promissora.
RESULTADOS ROBUSTOS E FORTE GERAÇÃO DE CAIXA
Com base nos resultados divulgados, a Vale (SA:VALE3) divulgou um lucro de US$ 739 milhões no 4º trimestre de 2020, revertendo prejuízo no mesmo período do ano anterior. O lucro poderia ter sido ainda melhor, não fossem os impactos referente ao Acordo Global firmado pela tragédia de Brumadinho e em US$ 1,2 bi em impairment dos ativos de carvão e níquel. No ano, o lucro total ficou em US$ 4,88 bilhões (aproximadamente R$ 25 bilhões ).
Indo mais detalhadamente nos números divulgados, e comparando os resultados trimestrais, o que impressiona é a forte recuperação através da Receita de Vendas, que saltou para R$ 78,9 bilhões no 4º trimestre de 2020, ante R$ 41,0 bilhões no mesmo período do ano anterior. Ou seja, mesmo em um ano de retração econômica global, a companhia praticamente dobrou suas receitas de vendas, em reais.
A Margem Bruta da empresa saltou de 43,4% para 61%, refletindo uma maior eficiência em seu CPV (Custos de Produtos Vendidos).
Adicionalmente, impressiona que o Lucro Operacional tenha saltado de R$ 9,6 bilhões negativos para R$ 10,6 bilhões positivos, mesmo com um impacto de R$ 25 bilhões referentes ao evento de Brumadinho no balanço do período!
Sobre a questão Brumadinho, vale lembrar que em fevereiro a empresa assinou um acordo de R$ 37,69 bilhões para reparação de danos coletivos causados pelo rompimento da barragem.
E para provar ao mercado e à sociedade que vem buscando corrigir suas falhas e fragilidades, a companhia vem se empenhando para melhorar suas práticas de gestão de barragens, e anunciou que está aderindo ao Global Industry Standard on Tailings Management (GISTM).
A empresa reportou também dívida líquida negativa de R$ 898 milhões em 2020, revertendo um endividamento de R$ 4,88 bilhões em 2019. Lembrando que esses números ainda não contemplam as doações efetuadas para o combate à covid-19, tampouco os dados de Brumadinho.
No que tange a dividendos, o foco da maioria dos investidores em Vale não costuma ser os proventos, pois é uma empresa que oscila muito nesse requisito. Porém, nesse trimestre o investidor terá uma grata surpresa nesse aspecto.
A Vale divulgou pagamento de proventos, ainda referente ao balanço do 3º Trimestre de 2020, de R$ 4,26 por ação, sendo R$ 3,42 em forma de dividendos e R$ 0,83 em forma de JCP. Ou seja, o yield será de 4,32%, somente nessa rodada. Resultado fantástico para qualquer investidor.
CENÁRIO EXTERNO: EMPRESA ALINHADA AO NOVO EIXO DE CRESCIMENTO GLOBAL
Ao olhar para o cenário externo, os “brigadeiros” do mercado podem vislumbrar um céu ainda mais azul. E isso se dá basicamente por dois vetores: retomada no crescimento chinês e câmbio extremamente favorável.
Aprofundando ainda mais a análise, ao observarmos as Receitas da Companhia por Área de Negócio, notamos que, em linhas gerais, a demanda pelos 3 principais produtos da companhia subiram no período. Entretanto, os resultados partem principalmente das vendas de Minério de Ferro, que representam 82% do total, contra 16% de outros metais básicos e 0,9% do carvão. Observamos aqui um leve aumento da representatividade do minério de ferro nessa matriz, já em em 2019 representava 80% do total.
Adicionalmente, a empresa anunciou uma redução de projeções para a produção de cobre em 2021, o que pode demonstrar que a companhia está orientando seus recursos para operações que são mais rentáveis e estão com maior demanda.
Quando observamos os volumes de vendas por Região, já podemos observar, embora de forma discreta, uma recuperação de vendas para todos os continentes. A exceção fica com a Ásia, que segue aumentando fortemente sua demanda.
Na comparação entre 2019 e 2020 a diferença fica ainda mais nítida. Enquanto que na América do Norte notamos uma redução muito expressiva na demanda, a Ásia (puxada pela China) apresenta forte crescimento, mesmo que 2020 tenha sido o ano da eclosão da pandemia do covid-19. Os dados não mentem: a China não deixou de crescer por conta da crise do coronavírus.
Esses números mostram também a consolidação de uma mudança clara no eixo dos negócios da companhia, acompanhando o resto do mundo. Na década passada, as vendas da Vale se concentravam muito mais na América do Norte, e hoje a maior parte está concentrada na Ásia, mais especificamente na China. E essa concentração tende a aumentar cada vez mais.
Acrescente a esse contexto uma taxa de câmbio extremamente favorável para as exportações. Para que você tenha uma ideia, segundo analistas da corretora do Bradesco, para cada 10 centavos de depreciação do Real, estima-se que a Vale se beneficie em US$ 125 milhões adicionais ao seu EBITDA.
E aí chamo atenção para outro ponto importante: se as receitas são em dólares, as despesas em reais têm um peso ainda menor. Sem entrar no mérito da tragédia de Brumadinho em si, e fazendo uma análise totalmente financeira da questão, podemos então afirmar que, quanto mais o dólar se valoriza, menor será essa conta para a companhia.
E O FUTURO: CÉU ABERTO E TEMPO LIMPO?
Embora o P/L histórico da empresa não esteja entre os mais baixos já observados, as perspectivas de crescimento para a Vale se mostram positivas.
Se levarmos em conta que seus resultados foram decorrentes principalmente de uma forma retomada na demanda da Ásia por minério de ferro, podemos esperar resultados ainda melhores para 2021.
Isso porque, segundo dados oficiais do seu governo, o PIB da China cresceu 2,3% em 2020. Porém, a previsão de crescimento para 2021 é de incríveis 8,3%! Ou seja, se a Vale já teve esses excelentes resultados somente com a China nesse ritmo, o que podemos imaginar para 2021?
Quanto aos dividendos, por conta dessas projeções para 2021, os analistas de várias corretoras esperam um retorno ainda maior de proventos ao investidor. Segundo analistas da XP, estima-se que os próximos proventos distribuídos possam chegar na casa de 8,6%, considerando um preço do minério de ferro a US$ 135,00.
Falando no preço do minério de ferro, o mesmo está em tendência de alta, o que reforça a tese da retomada no ciclo de commodities, já comentada por mim em outros artigos. Obviamente devemos tomar cuidado com esse movimento, pois não é à toa que o chamamos de “ciclo”: movimentos de correção também fazem parte desse processo, e a Vale possui sensibilidade muito forte aos preços do minério de ferro.
Por fim, a VALE parece estar posicionada no mercado certo e no momento certo. E ao contrário da Petrobras (SA:PETR4), a outra blue chip atrelada a uma commodity da nossa bolsa, a companhia possui um gestão totalmente voltada a resultados, sem ruídos políticos relevantes. Pelo fato de ela ainda está descontada com relação aos seus pares globais (Rio Tinto (LON:RIO) (SA:RIOT34) e BHP (LON:BHPB)) (SA:BHPG34), não se surpreenda se você ouvir falar ainda mais da VALE não só em artigos brasileiros, mas também ao redor do mundo, até porque o câmbio favorável torna a empresa ainda mais competitiva.
Ao que tudo indica, o investidor da empresa poderá aproveitar um clima de céu azul. Segundo a previsão do tempo, o céu de brigadeiro tende a perdurar por um bom tempo!
Nos vemos no próximo artigo!
Forte abraço