Após 5 longos anos que pareceram uma verdadeira eternidade, principalmente para os profissionais do mercado financeiro, o índice bovespa enfim parece caminhar com consistencia para superar marcas atingidas no auge da popularidade que o nosso país vivenciava há alguns anos atrás. A depender do que alguns bancos vêm comentando em análises recentes, o Ibovespa tem tudo para chegar na casa dos 75mil pontos ainda esse ano...
De fato, o Brasil vem sendo recomendado desde o ano passado por essas casas. Após a tempestade, a melhoria da percepção em relação ao país vem sendo pautada por alguns motivos, dentre eles: (1) evidências de que o pior da crise já passou, (2) altas nos índices que medem a confiança dos agentes econômicos, (3) cenário de arrefecimento da inflação e, por consequência, uma flexibilização monetária mais intensa, tendendo a ajudar a economia e a impulsionar os ativos de risco, (4) possibilidade de recuperação das margens e resultados das companhias após um forte período de depressão, e por fim, (5) o potencial que a economia brasileira ainda apresenta no longo prazo, principalmente em um mundo desenvolvido envolto em crescimento econômico baixo.
Os reflexos desses motivos estão claros: nos últimos 12 meses a bolsa andou mais de 70% em reais e mais de 120% em dólares. Além disso, o câmbio e o CDS Brazil (Credit Default Swap – um seguro de risco Brasil) também corrigiram fortemente ao longo do ano. Outro dado que comprova essa percepção é o fluxo de investidores estrangeiros para a bolsa brasileira. Após deixar um saldo positivo de quase 14 bilhões de reais na Bovespa no ano passado, o gringo continua comprando: até o dia 19 de janeiro, o saldo de 2017 já está em 3,5 bilhões de reais.
Até aqui, nenhuma novidade. Tudo isso já foi e está sendo muito comentado no mercado, jornais e afins. A questão que fica é: e agora? Após muitos ativos duplicarem de preço, ainda existem barganhas na bolsa? O que comprar para o que se imagina ser o inicio de um potencialmente novo ciclo de alta do mercado acionário brasileiro?
Os que souberam aproveitar os momentos de estresse ao longo do biênio 2015-2016 para comprar bons ativos a preços de banana (em termos de perspectiva de longo prazo para a empresa/setor, valor patrimonial e múltiplos históricos) se deram muito bem. Porém, após todo esse movimento de correção no preço das ações, a tarefa de stock picking ficou mais difícil. Salve poucas exceções, não há mais claras barganhas na bolsa atualmente. Nesses momentos de euforia, vale nos lembrarmos de que, por hora, a melhoria nas expectativas ainda não encontra suporte em fundamentos. Em conversas com empresa, o que se nota é que, no geral, 2017 deve apresentar melhorias nas primeiras linhas do DRE, mas o ano ainda será bastante desafiador, com níveis de margens ainda deprimidas e ociosidade latente. É claro que os preços antecipam a melhoria desses fundamentos uma vez que os agentes econômicos são movidos pelas expectativas, porém, “it’s all about valuation”.
Um exemplo claro é Itaú (SA:ITUB4), um dos papeis sempre mais recomendados. Após a correção de preços, a companhia negocia hoje próximo de 9,8x o lucro para os próximos 12 meses, bem acima da média histórica de 8,3x e desvios padrão de 9,3x (superior) e 7,3x (inferior) para os últimos 5 anos. Utilizo uma média das projeções mais atuais para o lucro advinda de 4 casas de análises.
Ou de fato o nível de preço para ITUB4 está puxado demais, dadas as projeções consideradas, ou o mercado está apostando que estas projeções estão tímidas demais frente ao que poderia vir a aparecer. Sendo os lucros revistos pra cima, o P/L na verdade seria hoje menor do que esses 9,8x. Abaixo as projeções consideradas: (em R$ milhares)
Eu tenderia a apostar na primeira opção, a de que o mercado está esticando demais o preço. Considerando que a nossa atual crise econômica encontra forte causalidade no excesso de endividamento no qual se encontram famílias, empresas e governo, acho difícil considerar taxas de crescimento de lucros maiores do que as já incorporadas pelas recentes projeções de resultados. Além disso, vale lembrar, há três meses falávamos de um PIB crescendo próximo de 1,5% em 2017 e hoje já esperamos algo mais próximo de 0,5%, apenas.
Sim, o Itaú é o melhor player em um dos melhores setores da bolsa, recomendado por 9 entre 10 analistas, no entanto, a esse nível de preços, uma empresa reconhecidamente promissora, já pode estar cara a um ponto em que o ganho marginal do crescimento já está embutido no preço pago. Adquire-se assim um futuro implícito ainda nada concreto e um ativo com pouca margem de segurança.
Outro ponto que merece atenção em um momento de recuperação do nosso mercado acionário: a volta das ofertas públicas (IPO’s). Nos últimos anos elas foram raras e, ao que tudo indica, várias empresas podem vir a abrir capital já a partir de 2017, motivadas pela melhoria do ambiente para os ativos de riscos. Porém, em 2016, tivemos um exemplo claro de como pagar caro demais por uma ação pode se mostrar prejudicial, mesmo esta apresentando excelentes perspectivas.
A Alliar (AALR3), empresa de diagnósticos por imagem, começou a ser negociada no final de outubro do ano passado. Lançada a R$ 20,00 por ação, e considerando o Ebitda dos últimos 12 meses bem como o nível de endividamento, apresentava então um múltiplo EV/Ebitda próximo de 12x, um patamar bem próximo de uma empresa do mesmo segmento e comparável a ela: Fleury (FLRY3 (SA:FLRY3)). Sou favorável a priorizar a análise via múltiplo numa perspectiva histórica da própria empresa do que compara-lo com outra, pois cada empresa apresenta características que muitas vezes são únicas, justificando, portanto um nível de preços diferente de seus peers. No entanto, a comparação aqui mostrava algo um tanto quanto curioso:
Como justificar que uma companhia menor, com necessidade de expandir para poder diluir custos fixos e com menor patamar de geração de caixa, além do maior nível de dívida, possa ser precificada como uma companhia de certo modo já consolidada, excelente geradora de caixa e pouco endividada como a Fleury? A resposta pôde ser vista no desempenho da ação da Alliar:
O atual nível de EV/Ebitda na casa de 8,1x parece muito mais razoável para uma companhia que, embora promissora, ainda precisa se desenvolver para que um valuation mais alto possa ser aceitável. De novo, no momento do IPO, ao preço de emissão, boa parte do ganho marginal do crescimento, nada concreto, já estava embutida no preço pago pela ação.
O que estou querendo dizer com esses dois exemplos, é que, no momento atual, onde o mercado já corrigiu boa parte das gritantes distorções que vinha apresentando até então, encontrar claras barganhas será tarefa cada vez mais árdua, e toda cautela em relação ao preço pago em um momento onde os mercados parecem se animar com as perspectivas para o ano, adquire especial importância.
É hora de arregaçar as mangas e ficar atento, entendendo quais premissas estão por trás do preço e se há alguma margem de segurança embutida, aproveitando as assimetrias. Caso contrario, além de pagar um preço cheio, em um momento de eventual estresse no mercado (vamos lembrar, ainda restam importantes incertezas quanto a aprovação de reformas e cenário mais conturbado no mundo), por não possuir nenhuma ou pouca margem de segurança, a correção tende a ser mais violenta do que a média
“As perdas realmente assombrosas aconteceram com aquelas ações das quais os compradores se esqueceram de perguntar o preço.” – Benjamin Graham.
@lucasgeneve