Por Nayara Figueiredo
SÃO PAULO (Reuters) - O recuo sazonal de preços do trigo no Brasil na entrada da safra 2020, entre setembro e outubro, pode ser limitado pela paridade das cotações com o cereal da Argentina, cuja produção tende a ser prejudicada pela seca.
De acordo com especialistas ouvidos pela Reuters, a redução das cotações do cereal nacional já seria parcialmente limitada pela influência do câmbio na precificação. E o clima no país vizinho, principal fornecedor ao Brasil, surge como um agravante.
Caso os preços do trigo argentino, por sua vez, permaneçam elevados pelas adversidades climáticas, a indústria brasileira já se prepara para recorrer aos mercados do Hemisfério Norte com maior intensidade, disse a associação do setor Abitrigo.
"Estamos comprando da Rússia e EUA (sem Tarifa Externa Comum -TEC), se os argentinos aumentarem o preço, vamos comprar de outros mercados mais baratos", afirmou o presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo), Rubens Barbosa.
De janeiro a junho, o Brasil importou 171,8 mil toneladas do cereal dos EUA ante 71,8 mil toneladas em igual período de 2019, de acordo com o Ministério da Agricultura, ainda que não tenha havido registro de desembarque de trigo russo, que deve chegar no segundo semestre, segundo um analista ouvido pela Reuters.
Da Argentina, os brasileiros trouxeram 3,13 milhões, de um total de cerca de 3,5 milhões de toneladas, com outros países do Mercosul como Paraguai e Uruguai complementando a maior parte da oferta importada.
O presidente da Abitrigo ressaltou ainda que o câmbio tem sido importante fator de custo para os moinhos, mas disse que o setor está atento a possibilidades de trazer o cereal de outros países, o que afasta qualquer problema de abastecimento.
A moeda norte-americana acumula valorização em torno de 30% em relação ao real desde o início do ano, em meio a questões políticas e incertezas relacionadas à crise do coronavírus.
Na esteira do dólar, o preço médio do trigo no Paraná é negociado a mais de 1.200 reais por tonelada, alta de 40% no mesmo intervalo.
CORTES
O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) estimou, nesta sexta-feira, estoques finais de trigo no mundo em 314,84 milhões de toneladas para 2020/21, abaixo das projeções do mercado que esperavam 315,89 milhões.
Na semana, a safra de trigo 2020/21 da Argentina foi estimada no intervalo de 18 milhões a 19 milhões de toneladas, segundo avaliação da Bolsa de Comércio de Rosário (BCR), versus projeção anterior de 21 milhões a 22 milhões de toneladas, diante da condição de estiagem que se prolongou.
Na mesma linha, a Bolsa de Cereais de Buenos Aires (BCBA) disse nesta quarta-feira que pode voltar a reduzir sua previsão para a área do cereal 2020/21 no país, atualmente estimada em 6,5 milhões de hectares.
Um novo corte seria o terceiro consecutivo para uma semeadura inicialmente projetada pela Bolsa em recorde de 6,8 milhões de hectares.
O analista da consultoria StoneX (antiga INTL FCStone) Roberto Sandoli avalia que o corte de perspectivas realizado pela Bolsa de Rosário foi importante e o cenário ainda pode piorar.
"Meteorologistas falando que a tendência é continuar a seca e que produtores podem optar por nem plantar boa parte do que falta. Isso poderia gerar mais cortes na produção", afirmou.
"Isso preocupa os moinhos brasileiros... preços tendem a ficar mais altos ou cair menos (com a entrada da safra nacional)", estimou Sandoli.
Além disso, ele acredita que, independente do cenário na Argentina, há pouco espaço para queda das cotações de trigo no Brasil.
"O câmbio nos níveis atuais não permite grandes quedas devido à paridade de importação. E agora com essas reduções (do trigo argentino) menos ainda", enfatizou.
No pior cenário, o analista de trigo da Safras & Mercado Jonathan Staudt admite que haveria possibilidade até de aumento no valor do cereal por aqui.
"Com a situação cambial atual, perdas (na Argentina) devem trazer impactos nos preços, podendo sim sustentar as cotações até mesmo com o ingresso de safra no Brasil. E caso estas sejam mais significativas, até mesmo abrir espaços para elevações."
A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) elevou nesta semana a previsão para a colheita de trigo no país, de 5,7 milhões de toneladas em junho para 6,3 milhões.
Segundo a Conab, a importação do país deverá atingir um recorde de 7,3 milhões de toneladas em 2020, alta de 4,3% ante 2019, dado que o consumo interno está estimado em 12,5 milhões de toneladas para o cereal.
CONCORRENTES
No mês passado, o governo brasileiro aprovou a liberação de uma cota extra para importação de 450 mil toneladas de trigo de fora do Mercosul sem Tarifa Externa Comum (TEC) até novembro, o que aumentou o volume anual isento de taxa para 1,2 milhão de toneladas.
A medida baixou o valor para a entrada do produto norte-americano, russo e canadense --e alguns já abriram vantagem em relação ao cereal argentino para chegada no Nordeste.
Nos cálculos da StoneX, o cereal da Rússia com entrega prevista entre agosto e setembro, para Fortaleza, custaria cerca de 240 dólares por tonelada sem TEC. Com o imposto, o valor se assemelha ao argentino, de 264 dólares.
Segundo analista da StoneX, os primeiros desembarques de trigo russo do ano devem ocorrer justamente em agosto e setembro.
Já o trigo americano tipo HRW com 11% de proteína, que com TEC seria adquirido por 285 dólares por tonelada, baixou para 259 dólares, preço também inferior ao da Argentina para a região, segundo a StoneX.