A reforma da Previdência em discussão na Câmara dos Deputados muda as regras da aposentadoria tanto para os segurados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), em sua maioria trabalhadores do setor privado, quanto para servidores públicos com regimes próprios. A reforma como um todo é motivo de polêmica, mas os funcionários públicos têm queixas específicas.
Os servidores da União alegam que seu sistema de aposentadorias já passou por mudanças em 1998, 2003, 2005 e 2013, ano de implementação da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público da União (Funpresp). Segundo entidades representativas dos servidores, essas modificações estabilizaram o déficit no serviço público federal e ele tende a cair nos próximos anos.
Servidores públicos argumentam ainda que não têm acesso a políticas concedidas a trabalhadores da iniciativa privada, como o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Eles alegam também que contribuem para a Previdência com alíquotas e valores maiores.
O diretor do Departamento dos Regimes de Previdência do Serviço Público do Ministério da Fazenda, Narlon Gutierre Nogueira, em entrevista à Agência Brasil é a favor de uma reforma da Previdência que atinja também o funcionalismo.
Segundo Narlon, o déficit previdenciário da União, que atingiu R$ 77 bilhões em 2016, de fato tem se mantido estável e está em situação menos grave que o déficit dos estados, por exemplo. O diretor afirma, contudo, que o déficit atuarial do sistema – cálculo que leva em conta se a Previdência terá condições de arcar com os benefícios no longo prazo – atualmente está em R$ 1,2 trilhão.
O representante do governo também ressaltou a importância de igualar a aposentadoria dos servidores à dos demais trabalhadores brasileiros. Confira a entrevista de Narlon Gutierre na íntegra e saiba como funcionará a reforma da Previdência para os servidores públicos.
Agência Brasil - A reforma da Previdência abrange também servidores estaduais e municipais?
Narlon Gutierre - A alteração não é só para os servidores da União. É para todos os servidores públicos vinculados a um regime próprio de Previdência Social, conforme o Artigo 40 da Constituição [Federal]. A reforma traz alterações para o Regime Geral de Previdência Social, que está [abarcado] no Artigo 201 e para o servidor público, no Artigo 40. Uma das linhas da reforma é buscar aproximar as regras, ter uma convergência entre as regras do regime dos servidores públicos e o regime geral. Tem alterações em relação à regra das aposentadorias, às regras das pensões.
Agência Brasil – Já houve uma reforma para os servidores da União em 2003. O que foi feito, na época?
Narlon Gutierre - A reforma de 2003 já começou a fazer um pouco essa aproximação entre as regras dos regimes, mas ainda foram mantidas diferenças. A alteração principal é que acabou, para os servidores que ingressassem a partir dali, o que a gente chama de integralidade e paridade. Integralidade é ter os proventos calculados pela última remuneração do cargo efetivo. E acabou com a paridade, que é você ter o reajuste exatamente igual ao dos servidores ativos. Passou a ser o reajuste para preservação do valor real, também semelhante ao regime geral.
Agência Brasil – Quais as diferenças que ainda existem entre os dois regimes?
Narlon Gutierre - O que permanece como diferença, e essa reforma, agora, muda bastante, é os benefícios terem ou não limitação ao teto do regime geral [teto do INSS, que é R$ 5.531,31].Você já tem a previsão, desde 1998, da instituição do regime de previdência complementar para o servidor, no qual você limita [o valor da aposentadoria] ao teto do regime geral. Só que isso só começou a ser implantado de 2013 para cá, com a Funpresp [Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal], e temos alguns estados que já fizeram isso. Até agora, são sete estados. Em todos os outros estados e municípios, nos 2,1 mil regimes próprios no país, ainda não há previdência complementar e, portanto, o servidor pode se aposentar ganhando R$ 10 mil, R$ 15 mil. A reforma [da Previdência em tramitação] determina que em dois anos todos os entes vão ter que instituir a previdência complementar e adotar a limitação ao teto do regime geral.
Agência Brasil - A reforma em tramitação soluciona, então, o problema dos estados e municípios?
Narlon Gutierre - Ela contribui para caminhar no sentido da solução. Mas temos entes federativos com déficits bastante elevados. Não quer dizer que, aprovada a reforma, no dia seguinte já esteja tudo resolvido. As alterações que vão ser feitas vão valer para todos os regimes próprios, de imediato. A mudança é na Constituição. Nesse sentido, sim [soluciona]. A reforma altera para todos.
Agência Brasil – O governo faz um acompanhamento do déficit dos estados? Há um dado unificado?
Narlon Gutierre - A gente tem o papel de fazer a supervisão de todos os regimes próprios de Previdência. A gente acompanha o déficit atuarial, a situação financeira, repasse das contribuições. O déficit financeiro dos estados, em 2016, foi R$ 89,6 bilhões. O atuarial é de R$ 4,6 trilhões.
Agência Brasil – Qual a diferença entre déficit atuarial e financeiro?
Narlon Gutierre - O déficit financeiro é aquele que você apura no ano. Quanto você arrecadou de contribuições e outras receitas e quanto pagou de benefícios. No caso do atuarial todos os regimes próprios têm que fazer uma projeção de longo prazo, para um período de pelo menos 75 anos, de todos os ingressos com receitas e pagamentos de benefícios. Aí você compara tudo e calcula o déficit atuarial. No caso da União, o déficit financeiro ficou em R$ 77 bilhões em 2016 e o atuarial está em R$ 1,2 trilhão.
Agência Brasil - O governo admite que o déficit da União tem ficado estável em relação ao ao Produto Interno Bruto (PIB). As entidades que representam os servidores federais dizem que não é preciso outra reforma …
Narlon Gutierre - Na verdade a União tem, hoje, uma situação menos explosiva em relação ao déficit. Mas tem um déficit muito elevado e precisa ser tratado. [A situação] é melhor que a dos estados, mas isso não quer dizer que não tenha que passar por uma reforma. Além do déficit, o que o governo tem procurado expressar em relação à mudança de perfil demográfico [envelhecimento da população] é que isso também vai impactar o Regime Próprio de Previdência no futuro. A Previdência é importante, tem um papel de proteção social que a gente quer que seja preservado. Mas ela tem que se adaptar às mudanças. E tem a questão também de igualar os regimes.
Agência Brasil - Dentro desse déficit de R$ 77 bilhões estão as Forças Armadas, que não serão atingidas pela reforma agora. Qual a parte delas no saldo negativo das contas previdenciárias?
Narlon Gutierre - De R$ 77 bilhões, R$ 37,6 bilhões é dos civis e R$ 5,5 bilhões de algumas espécies de benefícios, pensões especiais. Os militares das Forças Armadas respondem por R$ 34,1 bilhões. Mas, mesmo quando a gente fala em aprovar a reforma, não quer dizer que esse déficit dos servidores civis vai desaparecer. Ele refere-se a pessoas que já estão aposentadas. O que essa reforma procura fazer é conter a trajetória de crescimento do déficit. Estabilizar e no médio, longo prazo, ter uma redução. Mas de fato, o déficit dos militares não está incluído. Há sinalização [do governo] de que alguma medida [relacionada aos militares] será anunciada ao longo deste ano.
Agência Brasil - Se fala muito que o servidor contribui com uma parcela maior para garantir sua Previdência. A contribuição dele vai permanecer igual, após essa reforma?
Narlon Gutierre - O segurado do regime próprio tem, de fato, uma contribuição mais elevada. Essa contribuição tem que ser de pelo menos 11% em todos os regimes próprios. A dos servidores da União é 11% e há alguns entes da Federação que têm alíquota de 12%, 13% e até 14%. Já no regime geral a alíquota de contribuição varia entre 8%, 9% ou 11%, dependendo da faixa de remuneração. Tem outro aspecto também. Como no regime geral você tem o teto de R$ 5,5 mil, mesmo que ganhe R$ 20 mil, a contribuição é sobre o teto. O servidor público [que ingressou antes de 2013 e da implementação da Funpresp] não está sujeito a esse teto, contribui sobre toda a remuneração dele. Se o salário é R$ 20 mil, ele contribui sobre os R$ 20 mil. Com a atual reforma, a alíquota permanece mas a base de cálculo da contribuição, depende. Os que ainda estiverem na regra de transição [mulheres com mais de 45 anos e homens com mais de 50], tendo direito a um benefício sem limitação ao teto, continuarão contribuindo sem limitação. Os novos servidores terão a contribuição igual à dos trabalhadores do regime geral, limitada ao teto.
Agência Brasil - Alguns municípios têm a previdência superavitária. Como conseguiram isso?
Narlon Gutierre - No caso da União e dos estados, existe uma questão: são regimes muito antigos, normalmente com servidores com a média de idade mais elevada. São também regimes que ao longo do tempo não se capitalizaram, ou seja, não formaram reservas para pagar os benefícios. Então a União, os estados e uma parte dos municípios, normalmente as capitais, já têm essa situação mais agravada em que o que se arrecada não é suficiente para pagar os benefícios. A grande maioria dos regimes de municípios foi criado após a Constituição de 1988. São regimes próprios mais jovens, que têm em torno de 20 anos. Eles têm um perfil ainda de uma relação entre quantitativo de servidores ativos e aposentados mais satisfatória. Normalmente, eles têm déficit atuarial mas ainda têm superávit financeiro e estão formando alguma reserva para capitalização de recursos. Então, eles têm uma melhor condição para buscar se tratar, sanar essa dificuldade ao longo do tempo.
Agência Brasil - Dá para dizer que a União e os estados falharam ao não se capitalizarem?
Narlon Gutierre - Não dá para dizer que falharam, porque o modelo era diferente. Antes da Constituição de 1988, na maioria dos casos a aposentadoria do servidor não era contributiva. Considerava-se que pelo fato de ter trabalhado muitos anos, ele teria o direito a receber a aposentadoria como um prêmio. Após a Constituição de 88 é que se passou a ter a aposentadoria dos servidores como um benefício de natureza contributiva. Essa origem do déficit maior de estados e União tem um aspecto histórico, de como esses regimes foram criados e como evoluíram ao longo do tempo. Não dá para dizer que foi um erro. Era o que existia naquele momento.