Por Roberto Samora
SÃO PAULO (Reuters) - Os produtores brasileiros de cana-de-açúcar estão buscando uma melhora na precificação da matéria-prima comprada pelas usinas, alegando que os preços estão defasados em mais de 20%, e buscam também participar mais dos ganhos obtidos pelas indústrias com os Créditos de Descarbonização (CBios).
As usinas de cana respondem por cerca de 60% da cana processada no Brasil, maior produtor mundial de açúcar e segundo em etanol, enquanto produtores independentes têm uma parcela menor, de cerca de 40%, mas que dá dimensão da importância dos fornecedores para o sistema produtivo.
A defasagem de preços da cana poderia desestimular alguns produtores a seguir com a cultura e levá-los a migrar para outras lavouras, como soja e milho, alertou o CEO da Organização das Associações de Produtores de Cana do Brasil (Orplana), José Guilherme Nogueira.
Essa eventual mudança de lavoura poderia impactar o volume colhido no maior produtor global de cana, com possíveis impactos na fabricação de açúcar e etanol.
"Outras culturas como soja, amendoim e milho estão tendo rendimentos melhores", disse Nogueira.
Segundo ele, é "crucial" que a metodologia do Conselho de Produtores de Cana-de-Açúcar, Açúcar e Etanol do Estado de São Paulo (Consecana), que serve também para pagamentos pela cana de outros importantes Estados produtores, seja revisada.
Segundo ele, caso não seja feita esta revisão, há riscos de redução de área plantada, como ocorreu nos últimos anos com a laranja, cujo cinturão produtor vem ficando menor no Estado de São Paulo.
"Pela metodologia do Consecana, ele está defasado mais de 20%... Não é sustentável não fazer o processo de revisão do Consecana, é um tiro no pé, desmotivando o produtor a continuar na atividade."
Além de estar aquém dos custos de produção, o valor do Consecana-SP está entre os mais baixos internacionalmente, segundo nota separada da Orplana.
A receita média por tonelada, conforme tabela do Consecana-SP, está em 26 dólares por tonelada, versus 34 dólares/tonelada na Austrália, 38 dólares/tonelada na Índia, segundo produtor mundial após o Brasil.
Conforme a Orplana, o Consecana-SP, que é usado para pagamento da cana para produtores de Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás, também fica atrás do sistema de Pernambuco (38,34 dólares/tonelada).
Procurada, a União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica), que representa as usinas do centro-sul, disse que a maior parte das negociações de precificação da cana possui como referência o valor do quilo do ATR (açúcares totais recuperáveis), publicado pelo Consecana-SP, e a qualidade da matéria-prima.
E que a partir do parâmetro do Consecana-SP, os produtores rurais e as agroindústrias podem estabelecer condições adicionais de prêmio e bonificação. Nesse sentido, a Unica entende que o valor do Consecana-SP é apenas referência para as negociações.
CBIOS
Produtores estão pleiteando ainda no mínimo 80% dos valores dos Créditos de Descarbonização (CBios) gerados com a produção de etanol realizada com sua cana.
Não há, na lei do RenovaBio, um valor estipulado a ser pago aos produtores, mas acordos privados giram em torno de 50% do CBio, embora sejam acertos que beneficiem poucos produtores, disse o CEO da Orplana.
Segundo ele, dentro do universo de produtores, o volume declarado que recebe CBios é de 23%, o restante, mais de 70%, não recebem pelos créditos.
Paralelamente, produtores querem também ter direito de comercializar CBios, embora as usinas sigam como as emissoras dos créditos, conforme projeto de lei que já passou pela Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados.
Na medida em que o produtor venha a obter o direito de comercializar os CBios, esse mercado vai ganhar liquidez e também poderia crescer mais, pois mais produtores de cana estariam interessados em fornecer os dados para as usinas ampliarem as emissões dos créditos.
Considerando os 12 mil associados da Orplana, a associação estima um potencial de receitas 240 milhões de reais, montante este que poderia ser maior, se incluído outros fornecedores de cana não associados.
A Unica afirmou, por meio do seu presidente Evandro Gussi, que a postura da entidade segue sendo pró-negociação em relação à reivindicação da Orplana sobre CBios.
"Isso precisa ser realizado dentro de instrumentos privados, contratuais, ou setoriais, a Unica está empenhada em aprofundar o processo de negociação... que permita compartilhamento justo e adequado das receitas dos CBios", disse ele.
(Por Roberto Samora)