Por Aluisio Alves
SÃO PAULO (Reuters) - O Brasil terá que ser rápido em soluções de reequilíbrio financeiro de concessões atuais de logística e pode ter que aceitar outorgas menores nas previstas para 2020 e 2021, se quiser ver o setor como locomotiva do crescimento econômico ainda mais necessário após a recessão provocada pela Covid-19.
Para investidores e especialistas na estruturação de projetos, a pandemia em si deve ter efeito limitado na decisão de potenciais candidatos a participarem de leilões dado o longo prazo das concessões, que podem superar 30 anos.
Mas a reação do governo a desdobramentos da crise pode ajudar a determinar se --e quantos-- competidores disputarão concessões de rodovias, portos, ferrovias e até aeroportos, vital para o plano do governo federal de levantar cerca de 250 bilhões de reais em investimentos nos próximos anos.
O abacaxi mais visível é o reequilíbrio financeiro das concessões atuais, especialmente de rodovias e aeroportos, os mais atingidos pelas medidas de isolamento social. No caso dos terminais aeroviários, o governo já suspendeu pagamentos de prestações de outorgas. Governos também costumam estender o prazos da concessão como forma de compensar perdas.
Mas isso demora. E com a extensão da crise, concessionárias de rodovias estão querendo respostas mais rápidas, incluindo recomposição de caixa. Ainda neste ano.
"Poderia ser um percentual da perda de receita", disse Leonardo Vianna, que acaba de deixar a presidência da CCR (SA:CCRO3), maior administradora de estradas do país, referindo-se a uma parte da receita perdida com os efeitos da pandemia. O restante poderia vir como um crédito que poderia ser usado para ajudar a pagar outorgas em futuras licitações.
Segundo dados da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), no acumulado do primeiro semestre, o tráfego nas rodovias mostra queda de 18,8% sobre a mesma etapa de 2019.
A gritaria pelo reequilíbrio mais ágil, porém, deve encontrar resistência de órgãos de controle, como o Tribunal de Contas da União (TCU), dada a percepção de que esse mecanismo foi usado de forma não ortodoxa no passado, disse Claudia Bonelli, sócia do escritório Tozzini Freire Advogados.
Houve, por exemplo, casos de empresas que pagaram outorgas altíssimas, como a ocorreu na concessão do aeroporto Galeão em 2013, ou ofereceram cobrar tarifas de pedágio muito baixas, e depois pediram reequilíbrio financeiro com argumentos considerados discutíveis. O Ministério da Infraestrutura já afirmou várias vezes que casos de concessões "com problemas" anteriores à Covid-19 não terão pedidos de reequilíbrio aceitos.
"A solução dessa situação terá peso muito forte na decisão de muitos candidatos potenciais sobre investimentos futuros", diz Claudia.
Na verdade, alguns concessionários poderiam ficar de fora de novos leilões, uma vez que reúnem esforços para dar sustentação às concessões atuais.
Vários escritórios de advocacia já estão trabalhando em vários processos de arbitragem de infraestrutura iniciadas após a pandemia.
"Muitos outros conflitos virão e fundos de financiamento de litígios e arbitragem já estão sendo acionados", disse Fernando Marcondes, sócio do escritório L.O. Baptista Advogados. "No momento, os investidores estão mais interessados em sobreviver."
NOVO MUNDO
Outro desafio menos aparente, mas que pode ser ainda mais decisivo para a agenda do governo, que mantém a expectativa de fazer 14 leilões de infraestrutura em 2020: o juro baixo. [nL1N2E91EZ]
Embora à primeira vista isso seja um ponto positivo, uma vez que taxas de juros em baixa tendem a empurrar investidores para ativos de maior risco, para o Brasil isso pode ser um problema.
Quando tinha taxas de juros muito altas, o país tinha um diferencial em relação a outros mercados. Agora, com a Selic na mínima histórica de 2,25% ao ano, isso praticamente desapareceu.
Com mercados no mundo inteiro agora sinalizando que vão também buscar investimentos em infraestrutura para tentar dar tração às suas economias devastadas pelos efeitos da pandemia, o Brasil vai ter que oferecer vantagens para concorrer com regiões econômica e politicamente vistas como menos arriscadas.
"A consequência é que país pode ter que oferecer taxas de retorno maiores aos investidores", diz Massami Uyeda Junior, ex-diretor da CCR e sócio do Arap Nishi e Uyeda Advogados. Na prática, isso resultaria em escolher entre elevar tarifas aos usuários dos ativos de infraestrutura --o que não parece factível no momento-- ou reduzir o valor mínimo de outorga. É também uma escolha difícil, dado que a recessão deteriorou as já frágeis contas públicas do país.
Mesmo antes da pandemia, o próprio ministro da Infraestrutura, Tarcisio de Freitas, já sinalizava ao mercado que o governo preferia esse caminho de outorgas menores e já afirmou várias vezes nas últimas semanas que o governo conversa com interessados sobre melhorar taxa de retornos. Em maio, ele afirmou que o governo pretende oferecer taxas de "9%, 10%, 11% ao ano real". [nL1N2D31Z8]
A licitação da Via Dutra, que liga São Paulo e Rio de Janeiro, prevista para o começo de 2021, deve ter um misto de valor de outorga com menor tarifa de pedágio para apontar o vencedor.
Mas antes disso, Freitas, que em participações frequentes em lives sobre o programa de concessões tem insistido que muitos investidores nacionais e internacionais têm manifestado interesse nos ativos mesmo com a crise, terá que enfrentar alguns testes importantes.
Entre os maiores, o leilão em agosto de dois terminais de transporte de celulose no porto de Santos (SP), que devem ser arrematados por investidores locais, segundo agentes envolvidos no processo.
Em rodovias, a licitação da BR-153, que liga Goiás a Tocantins, e da BR-163, entre Mato Grosso e Pará, atraíram interesse de investidores estrangeiros, por serem vias de escoamento do agronegócio, assim como o trecho da Ferrovia de Integração Leste-Oeste (Fiol), que o governo também espera que vá a leilão neste ano.
Para 2021, além da Via Dutra, está prevista a sexta rodada de concessões de aeroportos, envolvendo 22 terminais nas regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sul.
Na Ferrogrão, que liga Sinop (MT) ao porto de Miritituba (PA), a aposta de especialistas é de que não deve haver um candidato nacional competitivo, dado o montante de investimentos previsto, de 10 bilhões a 15 bilhões de reais.
(Edição Alberto Alerigi Jr.)